26/04/2024 - Edição 540

Brasil

Fila do Bolsa Família cresce porque Estado precariza direitos, diz MPF

Publicado em 27/02/2020 12:00 -

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"O aumento na fila de espera para receber o Bolsa Família é consequência de um Estado que está precarizando direitos, furtando-se de suas obrigações constitucionais de garantir qualidade de vida a quem mais precisa. Com isso, aumenta a pobreza e a miséria e, com elas, o número de pessoas que procuram o benefício. Não é apenas uma questão orçamentária."

A avaliação foi feita à coluna pela subprocuradora-geral da República, Deborah Duprat, que está à frente da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público Federal.

Ela enviou, no último dia 12, ofício ao Ministério da Cidadania demandando que, em cinco dias úteis, o governo informe as providências que estão sendo tomadas para atender o público que está apto a acessar o Bolsa Família.

No documento, cita reportagem da Folha de S.Paulo, segundo a qual um milhão de famílias aguardavam uma resposta do ministério e que mesmo cidades mais pobres não tinha liberação de novos benefícios nos últimos cinco meses. E também inclui representação do deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), apontando haver "fortes indícios" de que o governo está obstruindo, deliberadamente, o direito ao benefício.

Reportagem de Carlos Madeiro, do UOL, deste sábado, mostra que o governo federal fechou a porta, nos últimos sete meses de 2019, para quem pediu reingresso no Bolsa Família. Isso representou uma queda de 74,5% no número de reingressos em comparação a 2018.

"Não vou dizer que tudo isso começou agora, porque seria uma hipocrisia. Mas desde 2018, quando a emenda constitucional que impôs um teto para os gastos públicos passou a produzir efeitos", afirma. De acordo com ela, essa limitação precarizou a atuação do Estado para garantir dignidade à população ao limitar o orçamento para atendimento.

Qualidade de vida que não vem apenas com a dimensão da transferência de renda, mas de serviços públicos de saúde, saneamento básico, educação, transporte, moradia, entre outros.

Deborah Duprat lembra que o objetivo do programa Bolsa Família é de que exista uma porta de saída, com a articulação de políticas públicas para a autonomia financeira e o fortalecimento das famílias envolvidas. "Temos que concordar que isso não aconteceu e precisa mudar", afirma.

Mas, para ela, é contra a lógica de respeito aos direitos fundamentais que você diga que o "mínimo existencial" esteja submetido ao orçamento.

"Deve haver um mecanismo que retire imediatamente recursos de outro lugar para garantir, como prioridade zero, o atendimento a pessoas em situação de miséria absoluta. Isso é um padrão do mundo, inclusive do Banco Mundial. Não é aceitável um país conviver com isso", afirmou à coluna.

"Estamos falando de famílias em que a renda de cada membro é menor que R$ 89,00 por mês. A fome captura qualquer possibilidade de cidadania", conclui.

A demanda foi enviada enquanto Osmar Terra ainda estava à frente do Ministério da Cidadania. Quem terá que responde-la é Onyx Lorenzoni, que foi movido da Casa Civil para essa pasta pelo presidente Jair Bolsonaro.

Pobres

Privados do Bolsa Família, milhões de pobres buscam ajuda de prefeituras, em todo o País, para conseguir o mínimo indispensável à sobrevivência. Muitas dessas prefeituras também são pobres e incapazes, portanto, de suportar essa sobrecarga. O problema se acumula – para as famílias e para os municípios – porque o governo federal deixou, desde o primeiro semestre do ano passado, de dar cobertura a milhões de pessoas no principal programa de transferência de renda. O crescimento da pobreza era previsível. O desemprego tem recuado muito devagar e permanece muito mais alto que nas demais economias emergentes e no mundo avançado. Mas os programas econômicos e sociais foram conduzidos como se a população de renda mais baixa estivesse em condições muito mais confortáveis, ou talvez nem passasse de uma ficção estatística. Na fila dos pobres sem assistência já se acumulam uns 3,5 milhões de pessoas, correspondentes a cerca de 1,5 milhão de famílias. Os números são conservadores.

O quadro se agravou a partir de junho. Em maio, 264.159 famílias foram incluídas entre as beneficiárias do programa Bolsa Família. Em junho, o número caiu para 2.542. Os novos ingressos continuaram nesse patamar até outubro. Os últimos dados do cadastro de benefícios sociais do governo federal são daquele mês. Os novos problemas, segundo o Ministério da Cidadania, serão eliminados quando se concluírem os estudos de reformulação do programa Bolsa Família. 

É no mínimo chocante. Milhões de pobres foram deixados sem assistência, no meio de uma economia frágil e com alto desemprego, enquanto se estudava a mudança do mais importante programa de ajuda social? Quem pode ter tido essa ideia quase inacreditável? Mas uma segunda explicação foi apresentada por técnicos ouvidos pela reportagem – e essa também é espantosa. Segundo essas fontes, a redução dos ingressos pode ter sido manobra para se acumular o dinheiro necessário a uma 13.ª parcela prometida pelo candidato Jair Bolsonaro. Se isso for verdade, alguém terá decidido deixar milhões ao relento para dar um agrado aos já incluídos no programa.

Nenhuma dessas explicações deve satisfazer às famílias sem acesso à bolsa, nem aos prefeitos pressionados para fornecer um socorro bem superior às suas possibilidades, nem ao novo ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni. Mais do que outras figuras da política brasileira, ele tem motivos para se queixar de uma herança maldita. Não está claro, no entanto, como se poderá normalizar o programa. Será preciso remanejar verbas do Orçamento? Nesse caso, quanto tempo será consumido?

Falando à reportagem, prefeitos de municípios pequenos mostraram as dificuldades para socorrer as pessoas privadas do Bolsa Família. Não por acaso, a procura de ajuda cresceu de forma significativa nas áreas mais pobres do País.

Em grande parte do Brasil os piores efeitos da recessão persistiram, e provavelmente se agravaram, mesmo depois da retomada do crescimento em 2017. O desemprego permaneceu muito alto, apesar de alguma redução, e as perspectivas continuaram muito ruins principalmente para os trabalhadores menos qualificados. Nada poderia justificar o abandono dessas pessoas, especialmente numa fase de atividade ainda fraca e de perspectivas modestas de crescimento.

Uma expansão econômica na faixa de 2% a 2,3%, projetada para este ano por boa parte dos economistas, será insuficiente para mudar de forma significativa as condições de emprego. Os desocupados, subempregados e ocupados precariamente por conta própria continuarão muito numerosos. Mas esses ainda serão considerados felizardos, quando comparados com as pessoas de menores qualificações. Para fazer o mínimo necessário, o governo terá de cuidar de ajustes e reformas, de buscar meios de impulsionar o crescimento e de manter o socorro aos mais pobres. As eleições poderão ser um estímulo para fazer as coisas certas.

Desemprego

No Brasil, aproximadamente 25% dos desempregados procuram emprego há dois anos ou mais. Esse contingente chega a 2,9 milhões de pessoas, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad-C), referentes ao último trimestre de 2019 e divulgados dia 14 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com o IBGE, 39,2% dos brasileiros desempregados estão procurando trabalho há um ano ou mais e 84%, há um mês ou mais.

A Pnad-C também mostrou dados sobre o mercado de trabalho no último trimestre do ano para homens e mulheres. A taxa de desemprego entre os homens (9,2%) é menor do que a observada entre as mulheres (13,1%). A disparidade pode ser observada também entre brancos, que tiveram uma taxa de desemprego de 8,7%, e pretos (13,5%) e pardos (12,6%). O mercado segue sendo machista e racista quando se observa os menores índices de desemprego nas categorias de homens e brancos.

É importante lembrar que o maior índice de desemprego foi atingido pelo governo do Golpe, de Michel Temer, no percentual de 13,7%, ou seja, mais de 13 milhões no ano de 2017. Já a mínima foi alcançada em dezembro de 2013, durante o governo Dilma, quando chegou à 6,2%.

Hoje, por mais que o índice tenha reduzido, a taxa de desemprego no Brasil ainda atinge mais de 12 milhões de brasileiros.


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