19/04/2024 - Edição 540

Entrevista

Um bate papo com Quinho

Publicado em 22/02/2020 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Um breve perfil profissional. Como você começou, por onde passou e onde está agora.

O desenho sempre esteve presente. No primeiro dia de aula, aos 6 anos, já chamei a atenção na escola desenhando um cartum, que tenho até hoje preservado numa moldura no meu estúdio. A professora chamou a diretora da escola na sala pra ver. Foi o primeiro grande incentivo. Quando mais jovem, sempre acompanhava cartuns editoriais, me interessava bastante pelas artes gráficas e acompanhava como podia, pois morava no interior (Manhuaçu – MG).

Num dia de 94, vi um anúncio sobre o Salão Nacional de Humor Henfil e resolvi enviar uma charge desenhada a lápis, numa cartolina. Era o primeiro concurso que eu participava. Fui até Belo Horizonte na abertura e lá mesmo, ao conhecer o Ziraldo, ele anunciou que eu havia vencido o salão naquela categoria. A partir daí, ele gentilmente me apadrinhou e me encaixou como uma espécie de "artista revelação" numa exposição realizada no palácio do Catete (RJ) chamada "Minas além das Gerais" que reunia cartunistas mineiros como Aroeira, Son Salvador, Nani, Lute, Chico Marinho, Mário Vale, Melado e outros. Dali mesmo já fui convidado pra fazer um teste no Jornal Diário da Tarde (MG), empresa do grupo Diários Associados. Depois de uns anos, com a extinção do DT, fui transferido para o Jornal Estado de Minas. Dessa forma, estou até hoje na mesma empresa, há 25 anos.

Se inspirou em algum chargista?

Claro, em vários. E me inspiro até hoje. Gostava demais do Henfil, do Jaguar e do Ziraldo, na época em que eu morava no interior. Já acompanhava as charges dos cartunistas Melado e Son Salvador nos jornais (Diário da Tarde e Estado de Minas) e sonhava: ‘Puxa, deve ser muito legal trabalhar com isso’. Só não imaginava que anos mais tarde eu estaria trabalhando ao lado deles, na mesma editoria e que nos tornaríamos amigos. Adorava a Chiclete com Banana, o Glauco, a Laerte, o Angeli, o Adão Iturrusgarai. No fim das contas, de tudo o que eu acho bom, nacional ou de fora, procuro absorver um pouco. 

Qual o papel da charge em um jornalismo preocupado com a construção de uma sociedade mais plural?

O cuidado em não cair no maniqueísmo barato, em ideias rasas e preconceituosas deve ser uma preocupação constante no momento da criação. O que não quer dizer que o chargista, como qualquer ser humano ordinário, não possa cometer um deslize de vez em quando. Mas o cuidado com o respeito às diferenças nesse caso, convergem para um senso de justiça comum e consequentemente, em prol de uma sociedade pluralista. 

A charge é uma ferramenta carregada de "posicionamentos" que levam o leitor a refletir sobre determinado tema. Concorda com esta afirmação?

O objetivo da charge, além do humor e do alvo crítico, é exatamente o de cutucar, de dar uma coçadinha no pensamento do expectador. Uma boa charge é sempre um convite à reflexão.    
A charge é uma peça gráfica cujo significado vem da palavra "carga". É um gatilho: você olha e a ideia (a carga) é instantaneamente compartilhada. Não importa se você concorda ou não com ela, mas uma vez vista, vai te fazer pensar o porquê. Por isso, há uma característica curiosa nessa linguagem: ela vem se tornando cada vez mais contemporânea à medida que as urgências do nosso tempo vão se tornando mais prementes. 

Como o "mito" da imparcialidade se coloca para a charge? É possível ser "imparcial" diante do fascismo, do totalitarismo, do preconceito por exemplo?

O senso ético e uma compreensão lúcida da realidade social deve guiar o chargista o tanto quanto possível.  É até clichê dizer isso, mas é uma verdade: uma charge nunca deveria ter sua carga voltada contra uma parte oprimida, mas sempre contra o opressor. A prova disso é a importância histórica que ela teve durante o regime militar, período no qual sua força se originava da adversidade.

A ética social aponta para a empatia e não cabe ficar indiferente ao sofrimento, principalmente quando ele é impingido por uma força tirânica. Ficar em cima do muro enquanto vê a própria sociedade à qual pertence ser fustigada pela idiocracia, pelas barbaridades e preconceitos vomitados por um presidente belicoso e seus filhos, ao meu ver não é "imparcialidade" – é uma baita covardia mesmo.

Como seu dá seu processo criativo?

Trabalho produzindo numa redação há 25 anos e procuro usar essa experiência a meu favor. Uma coisa essencial é procurar me manter informado sobre variados assuntos. Isso facilita a costura entre eles para a criação de boas metáforas. No caminho até o trabalho, geralmente já vou pensando no que fazer. Se eu não me distrair muito pelo caminho, piso na redação com a ideia pronta e permaneço concentrado nela. Quando o tempo é curto até o fechamento, economizo nos detalhes do desenho e busco o traço ágil, sintético. Já produzi coisas que considero bem legais dessa forma e que funcionam de forma bem orgânica.

Se o tempo pra produzir a charge é maior e posso trabalhar mais tempo num desenho, procuro medir mentalmente o quanto posso trabalhar no desenho a ponto de que ele não chame mais a atenção do que a ideia. 

Mas, algumas vezes – e isso se deve ao meu lado ilustrador – encarrego totalmente o desenho da responsabilidade de transmitir a ideia ao espectador, como numa charge em que fiz uma caricatura do sô Jair, cujas feições são formadas por um torturado dependurado no famigerado pau-de-arara.

Qual o papel das redes sociais na disseminação das charges?

Estamos numa época na qual a informação circula em ritmo frenético. Quase ninguém mais dispõe de tempo para textos longos ou ficar estacionado diante de tarefas demoradas. A linguagem da charge se mostra bem contemporânea nesse sentido.

Eu, que publico há 25 anos, peguei a fase de transição entre impresso e digital. Com a chegada da internet, os jornais foram perdendo grandes tiragens, enquanto a informação digital foi ganhando os leitores, por sua praticidade e velocidade. Hoje, noto que o número de visualizações de algumas das minhas charges publicadas nas redes ultrapassa em muito o de qualquer tiragem impressa, o que eu acho muito bom. O próprio aparecimento dos memes digitais e seu sucesso são a prova de que as pessoas buscam incessantemente a comunicação acelerada através do humor. As charges nunca tiveram tanta possibilidade de alcance como agora e talvez estejam no seu momento mais propício. Pra nossa felicidade.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *