25/04/2024 - Edição 540

Poder

A estratégia dos Bolsonaros para tratar caso de miliciano morto e rivalizar com PT

Publicado em 21/02/2020 12:00 -

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No início sem comentar a morte do ex-policial do Bope Adriano da Nóbrega no último dia 9 de fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro e seu primogênito, o senador Flávio (sem partido-RJ), quebraram o silêncio e agora estão engajados no assunto. A princípio, a avaliação no Planalto foi de que seria melhor manter distância do caso. Porém, ponderações e estudos da repercussão são feitos diariamente pela cúpula do governo. E a nova avaliação é que, como a ligação passada da família Bolsonaro não pode ser apagada e será lembrada com frequência por opositores, o caminho ideal é que as cobranças do clã pelo esclarecimento da morte sejam externalizadas e registradas. 

Jair Bolsonaro defendeu o miliciano quatro dias após ele ser condenado pela morte de um guardador de carros em 2005. Quando estava preso por esse crime, neste mesmo ano, o ex-PM recebeu do filho mais velho do presidente, que então era deputado na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), a Medalha Tiradentes, a mais alta honraria local. Antes disso, em outubro de 2003, Flávio já havia homenageado Adriano da Nóbrega com uma moção de louvor. O 01 também empregou em seu gabinete parentes do ex-PM. 

A mudança de postura ocorreu após as primeiras informações, da revista Veja, de que os ex-policial militar pode ter sido torturado e executado à queima roupa. Essa hipótese já havia sido aventada pela esposa e o advogado do miliciano que, após o crime, relataram à polícia que ele temia ser morto. Nesta terça-feira (18), o Ministério Público da Bahia determinou a realização de uma nova autópsia.  

A família Bolsonaro viu na notícia, aliada a informações de que haveria “pressa” para cremar o corpo de Adriano — houve duas negativas da Justiça para a cremação semana passada —, uma oportunidade de “pautar o caso”. O entendimento é que, se a família falar, e falar bastante, “a imprensa dá mais atenção ao que o presidente e os seus dizem” e menos na reafirmação de relações antigas, contou ao HuffPost uma pessoa com proximidade ao clã.

Além disso, é mais uma brecha para os Bolsonaros “rivalizarem” com o PT e lembrarem o famoso caso de Celso Daniel, com o qual o presidente vem tentando comparar o caso. O ex-prefeito petista foi assassinado em janeiro de 2002, e sua morte foi por anos tratada como um mistério da política nacional.

Conforme fontes palacianas, a retórica familiar que se estudou adotar desde o início “não mudou”. Como mostrou o HuffPost no dia 11 de fevereiro, a ideia sempre foi manter um discurso de que cabe às polícias da Bahia e do Rio de Janeiro as explicações sobre a morte do ex-policial militar. O que muda, contudo, é a roupagem dada a esse discurso: “com a cara” do clã Bolsonaro. 

Cada um à sua maneira, mas “jogando para a plateia, para o eleitor, para quem elegeu o presidente”, como descreveu outra fonte, os Bolsonaros devem falar mais e mais sobre o caso nos próximos dias.

Jogo de retóricas

No último dia 18, o presidente cobrou “uma perícia independente”. “Pelo que tudo indica, a própria revista Veja fez matéria ouvindo peritos que alegaram que o tiro foi à queima roupa. Então foi queima de arquivo. Interessa a quem queima de arquivo? A mim? A mim, não. Perícia independente é o primeiro passo para desvendar por que poderia interessar para alguém a queima de arquivo. O que ele teria para falar? Contra mim não teria nada. Contra mim, tenho certeza que os cuidados seriam outros para preservá-lo vivo”, destacou. 

Em seguida, o mandatário também relacionou o caso a outros assassinatos: “A quem interessa não desvendar a morte da Marielle [Franco]? Os mesmos a quem não interessa desvendar o caso Celso Daniel”.

O presidente fez ainda referência aos celulares apreendidos com o ex-capitão do Bope, demonstrando preocupação com possíveis adulterações periciais. 

“O mais grave também: vai ser feita perícia também nos telefones apreendidos com ele. Será que essa perícia poderá ser insuspeita? Quero uma perícia insuspeita. Por quê? Nós não queremos que sejam inseridos áudios no telefone dele ou inseridas conversações de WhatsApp. Depois que se faça uma perícia que, porventura – não estou afirmando – que haja uma parte atingida, que pode ser eu, apesar de ser presidente da República, quanto tempo levaria para essa nova perícia?”, questionou, lembrando o caso do porteiro que mencionou seu nome no caso da investigação da morte da vereadora Marielle Franco. Laudo divulgado na semana passada atestou que porteiro que liberou acusado de matar Marielle no condomínio onde Bolsonaro vivia, no Rio de Janeiro, não é o mesmo que citou o nome do presidente nessa investigação.

A credibilidade da perícia baiana foi bastante questionada na terça pela família Bolsonaro. Flávio chegou a postar um vídeo que seria do corpo de Adriano da Nóbrega, em seu perfil no Twitter, e destacou a conclusão da autópsia realizada na Bahia, segunda a qual não é possível afirmar que Adriano foi torturado. 

Segundo o Estadão, o secretário de Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa, negou a autenticidade do vídeo, tendo afirmado que nem a perícia baiana, nem a carioca reconheciam as imagens. O jornal informa ainda ter procurado o Departamento de Polícia Técnica do Rio, que também negou que o vídeo tenha sido gravado no local. 

Mais tarde, o 01 colocou em xeque o registro da ocorrência do dia do crime, classificando-o como “genérico” e insinuando que houve adulteração dos registros com objetivo de esconder algo. Sempre há referência ao governo da Bahia, ao qual reportam as forças policiais, que é administrado por Rui Costa (PT).

A primeira vez que Flávio se manifestou sobre o crime foi no último dia 12, quando afirmou haver pessoas querendo acelerar a cremação do corpo do ex-PM para “sumir com as evidências de que ele foi brutalmente assassinado na Bahia”.

Segundo fontes relataram ao HuffPost, o senador já havia recebido informações de que Adriano tinha sido torturado e executado. Foi o início da mudança de estratégia que vem se intensificando desde o fim de semana. 

No dia 15, o presidente provocou polêmica com o governador Rui Costa, após associar a responsabilidade pela morte do miliciano ao partido do chefe do Executivo estadual. 

“Quem foi responsável pela morte do capitão Adriano foi a PM da Bahia do PT. Precisa dizer mais alguma coisa?”, declarou.

Rui Costa foi ao Twitter responder e disse que no estado não se “presta homenagens a bandidos nem procurados da Justiça”, acrescentando ainda que “a Bahia luta contra e não vai tolerar milícias nem bandidagem”.

A postagem do governador ensejou uma nota do Palácio do Planalto assinada pelo próprio presidente. “O atual governador da Bahia, Rui Costa, não só mantém fortíssimos laços de amizade com bandidos condenados em segunda instância, como também lhes presta homenagens, fato constatado pela sua visita ao presidiário Luís Inácio Lula da Silva, em Curitiba, em 27 de junho de 2019”. 

No texto, fala-se em “execução sumária” de Adriano, “um caso semelhante à queima de arquivo do ex-prefeito Celso Daniel”. 

No dia 17, em reação às declarações do presidente e, em especial, a sua postura frente a Rui Costa, governadores de 20 estados assinaram uma carta e criticam as recentes falas de Bolsonaro “confrontandos os governadores”  e “se antecipando a investigações policiais para atribuir graves fartos à conduta das polícias e seus governadores”. 

Contradição de versões

A versão oficial das forças de segurança dá conta de que Adriano recebeu os policiais – eram cerca de 70 – com tiros e, por isso, acabou acertado de volta. Foi alvejado com um tiro na região do tórax e outro, no pescoço. A polícia sustenta ainda que ele foi levado vivo ao hospital, onde chegou morto.

O miliciano era um dos principais líderes do grupo de matadores de aluguel O Escritório do Crime, a mais antiga milícia do Rio de Janeiro, investigada por envolvimento na morte da vereadora Marielle Franco. Sua morte poderia, acredita-se, ajudar a elucidar muita coisa sobre o caso e também sobre as milícias no Rio de Janeiro. 

A operação na qual foi morto, porém, não tinha relação direta com o grupo de matadores. O miliciano estava foragido há um ano por outro crime. Era alvo de um mandado de prisão expedido em janeiro de 2019 por ser o único ainda foragido da Operação Intocáveis, que prendeu 12 acusados de integrar uma milícia que atuava em grilagem de terra, agiotagem e pagamento de propina em Rio das Pedras e Muzema, duas favelas da Zona Oeste carioca. Faltava Adriano. A busca por ele contou com a atuação da PM da Bahia e policiais de inteligência do Rio.

Explicações de Bolsonaro sobre miliciano são tardias e insuficientes

As declarações de Jair Bolsonaro sobre a morte do miliciano Adriano da Nóbrega, feitas a contragosto numa entrevista improvisada e numa nota oficial no final de semana, vieram tarde e chegaram mal. Demoraram porque, ao calar durante uma semana, o presidente potencializou a impressão de que tem dificuldades para explicar os vínculos da família Bolsonaro com um bandido que estava foragido há mais de um ano. As palavras soaram mal porque o presidente deixou boiando na conjuntura interrogações sem resposta.

Bolsonaro disse ter partido dele a determinação para que o filho Flávio Bolsonaro condecorasse o ex-capitão Adriano na Assembleia Legislativa do Rio. Alegou que na época da homenagem, ocorrida há 15 anos, o personagem era um herói da PM. O curioso é que o homenageado não teve como comparecer a uma das sessões em que receberia a comenda porque estava preso.

Quando perguntaram a Bolsonaro se partiu dele também a orientação para que o primogênito Flávio acomodasse na folha salarial do seu gabinete, até 2018, a mulher e a mãe do miliciano, o presidente se recusou a responder. As parentes do morto são personagens do caso da 'rachadinha'. Além de sonegar respostas, Bolsonaro transformou a ação policial que resultou na morte do miliciano numa briga política com o governador petista da Bahia, Rui Costa.

As polícias da Bahia e do Rio terão de explicar por que mataram um fugitivo que estava sozinho e cercado. Mas Bolsonaro não se livrará de suas velhas contradições criando crises novas. A briga com o governador petista, fez surgir na praça um novo Bolsonaro. Antes, era adepto da tese segundo a qual bandido bom é bandido morto. Agora, lamenta que, em vez de "preservar a vida de um foragido", a polícia tenha matado Adriano, numa "provável execução sumária."

Noutros tempos, Bolsonaro achava que a culpa podia ser proclamada mesmo antes do julgamento de todos os recursos judiciais. Agora, faz questão de realçar: "Não tem nenhuma sentença transitada em julgado condenando o capitão Adriano por nada." Esse novo Bolsonaro é um personagem irreconhecível. E a sua criação não ajuda o antigo Bolsonaro a explicar suas relações com o miliciano morto.


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