20/04/2024 - Edição 540

Brasil

Bolsonaro tem pior média de resgate de trabalhadores em condição análoga à escravidão

Publicado em 20/02/2020 12:00 -

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Dados do Ministério da Economia mostram que o Brasil resgatou, entre janeiro de 2010 e junho 2019, 739 estrangeiros que trabalhavam no território nacional em condições análogas à escravidão. Em seus primeiros seis meses na Presidência da República, Jair Bolsonaro fez apenas dez resgates, uma média de 1,66 por mês, a pior entre os presidentes da última década.  

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2010) resgatou 43 estrangeiros em situação análoga à escravidão, média de 3,58 por mês; Dilma Rousseff (2011-maio de 2016), outros 605, média de 9,30 por mês; e Michel Temer (maio de 2016-2018), 81, média de 4,26 por mês. 

Para Marques Casara, pesquisador de cadeias produtivas e mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontíficia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a queda guarda relação com os anseios do atual governo federal.

“Hoje, as estruturas de governo protegem as empresas que escravizam pessoas. É uma ação de Estado para esconder o trabalho escravo. Até recentemente, tínhamos uma ação de Estado bastante capenga, mas que procurava coibir o trabalho escravo, ou sensibilizar as cadeias produtivas, para que não houvesse trabalho escravo. Hoje, o Estado protege os escravocratas. É uma ação deliberada”, afirma Casara.

Os números em operações para resgate de trabalhadores em condições análogas à escravidão atingiram o ápice  no Brasil em 2013, com 299 operações que resultaram no resgate de 273 estrangeiros. A partir de então as operações diminuíram gradativamente, assim como o número de pessoas resgatadas. 

Em 2016, foram 115 ações de fiscalização. A redução se acentuou no primeiro ano do governo de Michel Temer (MDB), em 2017, quando o número de operações realizadas chegou a 88. No ano seguinte, o número caiu pela metade, com apenas 44 operações e se manteve nesse patamar durante o primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, com 45 operações realizadas em 2019.

Bolivianos são os mais resgatados

Os dados fazem parte de um levantamento do Fiquem Sabendo, agência de dados especializada em Lei de Acesso à Informação (LAI). De acordo com os documentos, os bolivianos puxam a fila dos resgates, com 360 casos, seguidos por haitianos (141), paraguaios (133), chineses (39), peruanos (33), venezuelanos (25), argentinos (4), cubanos (2), portugueses (1) e uruguaios (1).

Venezuela

Chama a atenção, o crescimento no número de trabalhadores oriundos da Venezuela que foram encontrados em situação análogas à escravidão. Em 2017, é registrado o primeiro resgate de venezuelanos, são quatro, encontrados em Boa Vista, Roraima. Em 2018, foram 12 casos e, em 2019, outros nove.

“Houve muita gente que veio em uma situação muito difícil. Vieram em uma situação precária e foram capturadas pelas redes de exploração de pessoas. Os bolivianos ainda são muito escravizados, mas dentro da própria rede de bolivianos que controla o fluxo do tráfico humano da Bolívia para cá. Mas o caso dos venezuelanos é circunstancial”, explica Casara.

Na década, o estado de São Paulo lidera o número de resgatados (429), seguido por Minas Gerais, com 106. O alto índice paulista é puxado pelo número de bolivianos encontrados em condições análogas à escravidão, 341. Porém, no governo de Bolsonaro, nenhum trabalhador da Bolívia foi resgatado.

Casara alerta para as condições precárias para que os trabalhadores dos órgãos públicos atuem no país. “Você vai para lugares onde se sabe que tem trabalho escravo e os fiscais, procuradores e auditores não tem carro ou dinheiro para o combustível. Então, o que estamos vivendo hoje é uma grande maquiagem”, alerta Casara.

Escravidão e uberização

O avanço do número de desempregados no país, que se aproxima da marca de 13 milhões de pessoas, colocou cada vez mais trabalhadores no mercado informal. Entrega rápida de comida, transporte por aplicativo, entre outros, têm ganhado força e tomado as ruas das cidades.

Com os trabalhos por aplicativos, a ideia em que se acreditava no passado, de que o desenvolvimento tecnológico iria libertar o homem, hoje se tornou algo impossível de ser alcançado para a maioria da população. Isso é o que mostra o documentário GIG: A Uberização do Trabalho.

Produzido pela ONG Repórter Brasil, com a direção de Carlos Juliano Barros, Caue Angeli e Maurício Monteiro Filho, a produção lançada em 2019 aborda o avanço da chamada “Gig Economy”, fenômeno também conhecido no Brasil por “uberização”, e os impactos desse modelo na precarização e intensificação do trabalho em uma sociedade cada dia mais conectada e distópica.

O que se tem hoje é o contrário do que se previa no passado, são pessoas trabalhando 12, 14 horas por dia. “A gente vive um processo em que os avanços tecnológicos permitiram um outro tipo de exploração do trabalho”, afirmou Euzébio Jorge Siqueira de Souza, do Centro de Estudos e Memória da Juventude, no Bom Para Todos, da TVT, quando o documentário foi lançado.

A pesquisa e produção do filme começou em 2017, quando as plataformas digitais começaram a ganhar força. “O momento ainda era de completa euforia com relação ao surgimento desses aplicativos, mas havia uma série de questões relacionadas principalmente às relações de trabalho, pouco debatidas”, aponta Carlos Juliano Barros, jornalista, mestre em Geografia Humana pela USP e um dos diretores.

Essa modalidade de trabalho ganhou respaldo da legislação a partir da reforma trabalhista, aprovada em 2017, que possibilitou o contrato em regime intermitente, em que as empresas podem admitir funcionários por horas, dias ou meses específicos.

O filme, portanto, apresenta histórias daqueles que trabalham sem serem considerados trabalhadores. Com status de “autônomos”, “prestadores de serviço”, “empreendedores” não possuem vínculos empregatícios que garantam seus direitos e assumem todos os riscos de suas atividades.

O documentário foi vencedor do prêmio de melhor filme pelo público na Mostra Ecofalante 2019. O debate após a sessão contará com a participação do diretor Carlos Juliano Barros.


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