29/03/2024 - Edição 540

Poder

Pedido de impeachment tem efeito reverso e dá sobrevida a Weintraub no governo

Publicado em 07/02/2020 12:00 -

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Em um momento em que a possibilidade de uma minirreforma ministerial é assunto cada vez mais presente nos bastidores do Planalto, um movimento da oposição deu sobrevida ao ministro cuja queda era mais iminente.

Protagonista de várias polêmicas pela Esplanada e, especialmente, nas redes sociais, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, foi alvo de um pedido de impeachment protocolado no STF (Supremo Tribunal Federal) no último dia 5. No Palácio do Planalto, porém, a medida teve efeito reverso.

Entre assessores e pessoas mais próximas ao presidente Jair Bolsonaro com quem o HuffPost conversou entre quarta e quinta, o que se diz é que o mandatário “não vai dar o braço a torcer para a oposição” e tirar Weintraub de sua vaga. Não neste momento. 

O pedido foi assinado por 19 deputados e senadores ferrenhamente contrários ao governo, como Alexandre Frota (PSDB-SP), Tabata Amaral (PDT-SP), Marcelo Calero (Cidadania-RJ), Maria do Rosário (PT-RS) e João Campos (PSB-PE).

A avaliação é a mesma entre aliados do presidente no Congresso, mesmo aqueles que têm feito pressão pela saída do ministro da pasta. Ninguém acredita que o passo dado pelos deputados seja “a forma de pressão adequada” no caso de “um presidente como Bolsonaro”. 

Fala-se, nos bastidores, que o presidente vem insatisfeito com Weintraub, sua condução do MEC – em especial a demora em tocar uma de suas principais bandeiras na educação, as escolas cívico-militares -, o rendimento da pasta e as polêmicas que ele provoca nas redes sociais desde o ano passado. Além disso, Bolsonaro não teria ficado satisfeito com as falhas no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), cujos resultados chegaram a ser suspensos judicialmente e depois liberados. 

No entanto, o clã bolsonarista apoia Weintraub. No dia 6, Eduardo Bolsonaro fez mais uma postagem elogiosa ao ministro, com a hashtag #JuntosComWeintraub. “Obrigado pelo apoio Duda!”, agradeceu o ministro.

Se, de um lado, o mandatário tem sofrido pressão de integrantes do governo e de nomes importantes do Congresso, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para demitir o chefe do MEC, do outro, Bolsonaro atende aos apelos de sua base, seu núcleo mais próximo, sua ala radical. 

A oposição terminou por ajudar na decisão final, e Weintraub deixou de ser o próximo nome na lista de uma reforma ministerial que todos acreditam estar por vir. 

Teimosia

Um dos motivos pelos quais o presidente não pretende trocar o ministro da Educação é a vontade de mostrar que ele não se dobra a críticos – pelo menos aqueles que não sejam de sua patota ideológica. Ou seja, quanto mais reclamações chegarem a seus ouvidos, mais inclinado ele deve ficar a mantê-lo no cargo. E as reclamações são muitas.

Primeiro, mais de 172 mil estudantes encaminharam pedidos de revisão de nota após o ministério da Educação reconhecer que houve um problema na gráfica que imprimiu o Exame Nacional do Ensino Médio. O governo reconheceu erro em menos de seis mil casos. Depois, descobriu-se que o Sisu, sistema para seleção de vagas em universidades públicas federais, também estava bichado.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que já havia dito que Weintraub é um "desastre", afirmou, no dia 3, que "o grupo que o ministro representa é a bandeira do ódio". A oposição e o Centrão querem que ele vá depor no Congresso Nacional. Apesar disso, ou melhor, por conta disso, Bolsonaro diz que dispensou explicações que seriam dadas por Weintraub sobre o chabu do Enem. Afirma que os problemas são naturais e estatisticamente insignificantes.

Seria interessante o presidente dizer isso, olho no olho, de jovens que estudaram o ano inteiro e, agora, se sentem prejudicados pelos erros na correção da prova, explicando que a importância do futuro deles "representa menos de zero vírgula alguma coisa". Mas sabemos que, quando obrigado a se explicar qualquer coisa, Bolsonaro refuga.

Como diante do Supremo Tribunal Federal. Após chamar de "malandro" o jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil, acusando-o de ter se casado com um brasileiro e adotado dois filhos para se proteger contra o risco de expulsão do país, o presidente refugou diante de uma interpelação judicial. Disse que não teve o "intuito de ofender a honra alheia".

Para não haver dúvidas, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, disse que Weintraub continuará no cargo e que Bolsonaro está "satisfeito com o desempenho de todos". O que inclui o ministro da Educação.

Talvez a solução, portanto, seja solicitar a todos que entendem a bomba-relógio para o futuro do país representada por Weintraub, que passem a elogiá-lo publicamente. Dessa forma, Bolsonaro pode se sentir inclinado a dispensá-lo. Psicologia reversa, como aquela que adotamos quando uma criança não quer comer. Algo assim:

“Presidente, Abraham Weintraub é o melhor ministro da Educação da história do Brasil. É uma pessoa academicamente capacitada e perfeita para a função. É respeitado por professores e estudantes, que destacam sua educação e elegância. Aliás, o seu domínio da ortografia e da gramática são impecáveis, além de ostentar um rico vocabulário. Sua capacidade gerencial garantiu que tivéssemos "o melhor Enem de todos os tempos" – coisa que ele nunca reconheceria devido à sua modéstia. Senhor, presidente, mantenha-o. Dessa forma será lembrado como alguém que salvou o Brasil.

Viabilidade do impeachment

No pedido de impeachment, os deputados acusam Weintraub de promover “um desmonte” por meio de “muitas condutas omissivas”. Falam em “eloquente ineficiência do Ministro da Educação quanto à gestão das políticas de alfabetização, apontada como uma das grandes metas nos 100 dias do Governo e posteriormente ignorada”. 

Segundo o grupo, o Plano Nacional de Educação “simplesmente não tem sido observado, com absoluta precariedade na prestação de contas”.

Lembram ainda o caso ocorrido no início do ano, quando o ministro respondeu pelas redes sociais ao comentário de um seguidor prometendo corrigir a prova do Enem de sua filha, alertando para a ausência do “princípio da impessoalidade”. 

De forma geral, a Constituição prevê que ministros de Estado podem ser julgados por crimes de responsabilidade pelo Supremo ou pelo Senado, quando o caso tiver conexão com algo que também esteja sendo analisado sobre o presidente ou o vice-presidente da República. 

Até hoje, o Supremo não interferiu de tal forma no Executivo, retirando do cargo um ministro de Estado. Como lembraram fontes do próprio tribunal nesta quinta, o caso mais marcante dessa “intromissão” foi quando a ex-presidente Dilma Rousseff nomeou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a Casa Civil, em 2016, e o ministro Gilmar Mendes suspendeu o ato, alegando desvio de finalidade, ao decidir dois mandados de segurança.

Na ocasião, o magistrado falou em “ilícito atípico”, “com aparência de ilegalidade”, dizendo que a indicação teria ocorrido apenas para garantir ao petista foro privilegiado. Este, porém, não se tratava de um pedido de impeachment. 

Há quatro meses, porém, parlamentares da Rede – os senadores Fabiano Contarato (ES) e Randolfe Rodrigues (AP) e a deputada Joenia Wapichana (RR) – apresentaram um pedido semelhante, mas contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Relatado por Edson Fachin no STF, a ação foi julgada improcedente. Contudo, após agravo impetrado contra a decisão, o magistrado foi obrigado a enviar a decisão ao plenário. Não há, contudo, data para isso ocorrer. 

Entre os ministros da Corte, o que se diz é que não há clima para aprovação do impeachment de Salles. E também não se acredita em uma decisão favorável ao pedido protocolado esta semana pelos parlamentares contra Weintraub – o relator sorteado foi Ricardo Lewandowski. 

Há um entendimento geral que é do Ministério Público, e não de “particulares” a legitimidade para denúncias por crime de responsabilidade. Mesmo que haja uma prerrogativa constitucional do tribunal para solucionar a questão, há uma avaliação política por trás que torna a situação mais complexa. 

Pode ser dos ministros do STF decidir sobre impeachment de ministros de estado. Mas há uma série de pedidos de impedimentos dos próprios magistrados da Suprema Corte parados na gaveta do Senado. Uma via de mão dupla.

Sem luz no final do túnel

Bolsonaro e seu ministro da Educação deveriam concentrar energias para enfrentar o desafio da Quarta Revolução Industrial, onde o conhecimento é o grande divisor de águas na batalha tecnológica.

O governo perde tempo ao não articular o consenso em torno de um projeto educacional para o Brasil. A perda de dinamismo na educação impacta na competitividade e produtividade do país, dificultando nossa inserção na economia mundial.

E não será possível realizar o que o momento exige priorizando uma agenda ideológica, elegendo professores como inimigos da Educação, estigmatizando instituições de ensino.

É neste quadro que o ano letivo começa. Problemas não faltam: falta de foco na aprendizagem, evasão escolar, baixa qualidade do ensino. Quase 50% das escolas do país sequer tem esgotos e 29% não tem água, para não falar de outras carências, como biblioteca, sala de aula, internet, laboratórios, remuneração e formação continuada dos professores.

O mais urgente: não há garantia sobre como será feito o financiamento do ensino básico. Engenhosamente, em 1996 o então ministro Paulo Renato Souza criou um sistema compartilhado entre União, estados e municípios – o Fundef – que assegurou recursos para os sistemas públicos de ensino, beneficiando professores e mirando a qualidade da educação. Crítico do Fundef quando era oposição, o PT se rendeu à sua concepção, ampliando-o ao ensino médio, com a criação do Fundeb no governo Lula.

Pois bem, a Educação está na iminência de cair num buraco negro tendo em vista que o Fundeb pode deixar de existir por responsabilidade única e exclusiva de quem deveria liderar o processo: o ministro da Educação.

A relatora do Fundeb na Câmara, deputada professora Dorinha (DEM/DF), parlamentares, educadores, gestores e a sociedade civil chegaram a um projeto de consenso, após três anos de debates. Com a concordância do atual ministério da Economia, o projeto amplia a responsabilidade da União de 10% para 15% e estava em condições de ser votado em tempo hábil.

De última hora, o ministro Abraham Weintraub, anunciou sua intenção de zerar o jogo sob o pretexto de que não gostou do projeto pactuado. Ele afirma que irá elaborar e enviar um outro projeto ao Congresso Nacional. Começar da estaca zero é a certeza de não aprovar o novo Fundeb em 2020.

Esse é o grande problema de Weintraub, para além de sua incompetência e de sua perda de tempo combatendo moinhos ideológicos, o ministro não tem a dimensão do que é estratégico, não é um construtor de consensos, não possui empatia com a área e muito menos capacidade de liderança.

Ao contrário, entra em conflito com todos – inclusive com o Congresso Nacional -, como se fosse possível aprovar algo no Parlamento que não seja pela via do entendimento. Deveria ter tomado aulas com seu colega Paulo Guedes, que acabou por entender como o jogo é jogado e se convenceu em ser parceiro do Congresso para a aprovação da Reforma da Previdência.

Weintraub já deu provas soberbas de que é o homem errado no Ministério e não haverá luz no final do túnel enquanto a grande palavra de ordem do bolsonarismo para a Educação for “#ficaWeintraub”.


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