20/04/2024 - Edição 540

Poder

PF vai investigar suspeita de corrupção de chefe da Secom

Publicado em 07/02/2020 12:00 -

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A Polícia Federal atendeu o pedido do Ministério Público Federal em Brasília e vai investigar o chefe da Secom (Secretaria de Comunicação), Fabio Wajngarten. Ele é suspeito de práticas de corrupção passiva, peculato (desvio de recursos públicos) e advocacia administrativa (patrocinar interesses privados na administração pública, valendo-se da condição de servidor).

O inquérito, de acordo com a Folha de S.Paulo, correrá em sigilo. No último dia 15, o jornal noticiou que Wajgarten é o principal sócio da FW Comunicação e Marketing (tem 95% das cotas e sua mãe, os outros 5%), que fornece estudos de mídias para TVs e agências.

A empresa tem contratos com ao menos cinco empresas que recebem do governo, entre elas, a Band e a Record, cujas participações na verba publicitária da Secom vêm crescendo, segundo o jornal.

No último dia 4, a Folha noticiou que o chefe da Secom omitiu da Comissão de Ética Pública da Presidência informações sobre seus vínculos no mundo empresarial. Em maio do ano passado, quando assumiu o cargo no governo, ele respondeu, em um questionário de oito páginas, que não exerceu atividades econômicas ou profissionais, nos 12 meses anteriores à ocupação do cargo, em área ou matéria relacionada às suas atribuições públicas.

Ele é sócio da FW desde 2003 e só deixou oficialmente de ser seu administrador em 15 de março de 2019. Wajngarten também negou que exerceria, concomitantemente ao cargo na Presidência, “atividade ensejadora de potencial choque entre o público e o privado” e respondeu que não tinha parente, até o terceiro grau, que atuava, era sócio ou empregado de pessoa jurídica da mesma área ou matéria relativa às atribuições do cargo.

A Folha também noticiou que Wajgarten priorizou uma agência de publicidade que tem contrato com a sua empresa no direcionamento das verbas publicitárias do governo. A agência Artplan recebeu R$ 70 milhões entre 12 de abril e 31 de dezembro de 2019, 36% mais do que o pago no mesmo período do ano anterior (R$ 51,5 milhões).

Antes, a agência mais contemplada com a verba de propaganda era a Calia Y2. A empresa pertence ao irmão de Elsinho Mouco, marqueteiro do ex-presidente Michel Temer. Ele não tinha cargo na comunicação do governo, mas era um conselheiro para essa área.

A Secom, em nota, reconheceu que a Artplan foi a agência que mais recebeu verba do governo, mas negou que tenha sido pelo fato de ela ser cliente da empresa de Wajngarten. O presidente Jair Bolsonaro tem afirmado que mantém o chefe da Secom no cargo por não ter visto “até agora” nada de errado na sua atuação.

Mais firme que nunca

O presidente Jair Bolsonaro afirmou na quarta-feira, 5, que Wajngarten “continua mais firme do que nunca” em seu cargo.

Questionado, Bolsonaro disse que “não foi a PF que abriu” o inquérito. “O MP [Ministério Público] pediu que ele fosse investigado. É completamente diferente do que você está falando, dá a entender que ele é um criminoso. Não é criminoso, não vi nada que atente contra ele. Wajngarten continua mais firme do que nunca”, disse o presidente na saída do Palácio da Alvorada.

Em nota, Wajngarten afirmou que o inquérito da PF é uma “oportunidade” para provar sua inocência. “A abertura de inquérito pela Polícia Federal é mais um passo na rotina do processo de investigação solicitado pelo Ministério Público Federal do Distrito Federal em 28 de janeiro passado. Será a oportunidade que terei para provar que não cometi qualquer irregularidade na minha gestão à frente da Secretaria Especial de Comunicação da Presidência da República (Secom) desde abril do ano passado”, disse.

Quem paga a defesa?

Sob Bolsonaro, o anormal vai assumindo ares de uma doce e persuasiva normalidade. Não bastasse manter Wajngarten no cargo, o presidente permite que a conta da defesa do auxiliar suspeito seja espetada no borderô da Advocacia-Geral da União (pode me chamar de contribuinte).

O PSOL move na Justiça Federal de Brasília ação contra Wajngarten. Pede a intervenção do Judiciário para afastar dos cargos o chefe da Secom e seu adjunto, Samy Liberman, além de anular os atos praticados na gestão do assessor de Bolsonaro, iniciada em abril de 2019. Em vez de guerrear com advogado próprio, Wajngarten encostou sua defesa nas arcas do Tesouro Nacional.

Antes de ganhar um cargo no Planalto, Wajngarten era dono e administrador de uma empresa que presta serviços a emissoras de TV e agências de publicidade que têm contratos com a Secom. Depois de nomeado, Wajngarten manteve-se como dono de 95% das cotas da empresa. E entregou a gerência do negócio ao publicitário Fábio Liberman, cujo irmão, Samy Liberman, virou número 2 da Secom.

Apanhado no contrapé por reportagens da Folha, Wajngarten explicou-se. Alegou ter sido "orientado" pela Subchefia de Assuntos Jurídicos do Planalto, pela Advocacia-Geral da União e pela Controladoria-Geral da União. Pediram "que eu saísse do quadro de gestão" da empresa, disse Wajngarten, sem exibir papeis.

Clientes da empresa de Wajngarten, as emissoras Record e Bandeirantes e a agência Artplan passaram a receber percentuais maiores do bolo de verbas da Secom. Em defesa do secretário, a AGU sustenta que não houve favorecimento. Alega também que Wajngarten entregou declaração confidencial à Comissão de Ética Pública da Presidência. As informações contidas nesse documento preencheriam os "requisitos formais" exigidos para a sua nomeação.

O diabo é que a Folha obteve cópia da tal declaração confidencial. Tem oito folhas. Foi assinada em 14 de maio de 2019. Wajngarten fora nomeado no mês anterior. O documento contém omissões. Por exemplo: o chefe da Secom absteve-se de fornecer dados sobre o ramo de atuação de sua empresa e os contratos firmados com TVs e agências que recebem verbas da secretaria que passou a comandar.

Quando o caso ganhou as manchetes, Jair Bolsonaro informou que manteria Wajngarten no cargo. Deu de ombros para as interrogações: "Se foi ilegal a gente vê lá na frente". Foi como se o presidente declarasse, com outras palavras: "O futuro a Deus pertence." O que não se imaginava é que Wajngarten explicaria o passado nebuloso com o auxílio de advogados que o contribuinte remunera para defender os interesses da União.

No dia 4 descobriu-se que, a pedido do procurador Frederick Lustoza, do Ministério Público Federal em Brasília, a Polícia Federal abriu inquérito para investigar Wajngarten. Deseja-se apurar indícios de corrupção, peculato e advocacia administrativa, que ocorre quando um servidor público usa o cargo para defender interesses privados.

Há uma semana, quando o procurador requisitou a entrada da Polícia Federal no caso, Wajngarten celebrou a novidade como uma "oportunidade" para provar que não infringiu a lei. Reiterou a pregação nesta quarta-feira. Resta agora saber se fará isso por conta própria ou se continuará pendurando sua defesa no bolso dos brasileiros em dia com o Fisco.

Diversionismo

Diante das suspeitas que recaem contra seu chefe, a Secretaria de Comunicação Social usou sua conta no Twitter para atacar a cineasta Petra Costa, diretora do documentário "Democracia em Vertigem". A obra conta a trajetória dos governos petistas, passando pelo impeachment de Dilma Rousseff, para explicar, pelo ponto de vista da autora, como chegamos à crise política. A diretora, finalista do Oscar por conta do filme, havia tecido críticas contra o governo Jair Bolsonaro à PBS, rede pública de TV norte-americana.

"Nos Estados Unidos, a cineasta Petra Costa assumiu o papel de militante anti-Brasil e está difamando a imagem do País no exterior. Mas estamos aqui para mostrar a realidade. Não acredite em ficção, acredite nos fatos", afirmou a Secom. A repercussão do ataque posicionou a diretora e Democracia em Vertigem entre os assuntos mais falados do Twitter no país no dia 4.

A publicação causou alvoroço porque a secretaria utilizou-se de uma conta oficial do governo para atacar um cidadão brasileiro por emitir opiniões.

Para a Eloisa Machado, professora da FGV Direito SP e coordenadora do centro de pesquisa Supremo em Pauta, "o que se percebe com essa manifestação é que o canal de comunicação foi instrumentalizado contra uma cineasta para se atingir interesses pessoais do secretário ou do presidente".

De acordo com ela, isso "não só fere a impessoalidade e a probidade da administração pública, como representa uma perseguição política típica de estados autoritários".

Além de fornecer subsídio para manter os seguidores do presidente mobilizados contra narrativas que o desagradam, a ação teve outra consequência.

O termo "diversionismo" foi usado como síntese para o ato da pasta de Wajngarten por uma fonte na Procuradoria-Geral da República, com a qual a coluna conversou, com longa experiência na fiscalização de atos da administração pública.

"O governo não tem essa liberdade de tribuna para atacar cidadãos brasileiros. Esse tipo de ação, costumeira por parte do presidente, só não leva à abertura de um processo por crime de responsabilidade por não haver condições políticas para tanto", afirmou. "Mas esse tipo de ação também tem objetivo de esconder outras coisas."

A opinião é compartilhada por duas pessoas que trabalham nessa área. "Foi diversionismo na mesma linha do diversionismo que Bolsonaro adotou ao longo do seu primeiro ano de governo em 2019", afirmou à coluna o diretor de uma empresa de consultoria que presta serviço de assessoria a políticos, que pediu para não ser identificado.

"Toda vez que um tema que não lhe interessava se tornava público, como denúncias contra Fabrício Queiroz e Flávio Bolsonaro, o presidente sequestrava a pauta das redes sociais com debates do nível de uma golden shower. A pasta de Wajngarten operou da mesma forma", explicou.

O coordenador de uma agência que presta consultoria à área digital para políticos lembra que ações como essas ajudam a estimular os seguidores e os detratores a manterem o debate em cima de uma barbaridade, enquanto reduzem o debate que seria criado por outra.

Eloisa Machado afirma que a Constituição brasileira demanda de todos os gestores uma postura republicana nos assuntos públicos. Isso significa que nada do Estado pode ser instrumentalizado em nome de interesses próprios.

"Depois dizem que as instituições estão funcionando normalmente. Não, não estão", afirma a fonte na PGR.


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