24/04/2024 - Edição 540

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Brasil não vai cumprir ‘de jeito nenhum’ meta de desmatamento, diz ex-diretor do Inpe

Publicado em 06/02/2020 12:00 -

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Cinco meses após deixar o governo sob críticas de Jair Bolsonaro, o ex-diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) Ricardo Galvão olha para os números que foram questionados pelo presidente com preocupação. Para ele, o Brasil “não vai cumprir de jeito nenhum” a meta de limitar o desmatamento em até 3.900 km² se continuar nesse ritmo. 

Dados divulgados no último dia 14 pelo Inpe indicam que a área com alertas de desmatamento na Amazônia Legal, em 2019, aumentou 85,3%, na comparação com o consolidado de 2018. Caso a comparação seja feita entre os meses de dezembro de 2018 e dezembro de 2019, o crescimento é de 183%.

Os dados são do Deter, sistema que produz informações em tempo real e tem a função de atualizar as ações do Ibama no combate ao desmatamento. Devido à resolução das imagens dos satélites, o sistema captura apenas parte das alterações e é considerado menos preciso que o sistema Prodes, responsável por monitorar via satélite as taxas anuais de desmatamento na região. A ressalva sobre os dois sistemas do Inpe é divulgada pelo próprio instituto.

Segundo Galvão, mesmo com essa observação, os dados são alarmantes. “Nossa experiência de 14 anos com monitoramento mostra que a área consolidada geralmente é bem maior que essa. Isso é muito preocupante porque o Brasil tem compromisso de, em 2020, não desmatar mais que 3.900 km², e, pelo andar da carruagem, não vai cumprir de jeito nenhum essa meta”, disse o físico e engenheiro em entrevista ao HuffPost Brasil.

Em 2018, segundo dados consolidados do Inpe, o desmatamento atingiu a marca de 7.536 km². 

Questionado sobre algum ponto positivo do governo Bolsonaro em relação ao meio ambiente, Galvão, que foi considerado pela revista Nature uma das 10 pessoas mais relevantes para a Ciência em 2019, disse que a exceção seria o discurso do ministro Ricardo Salles de que é importante promover o desenvolvimento da Amazônia, além de coibir o desmatamento. 

O que acontece é que essa oposição ao controle do desmatamento é feita por pessoas acomodadas, que querem lucro fácil, principalmente com grilagem.

O problema, segundo o professor da USP, é que o governo não tem nenhum plano detalhado e ainda considera que o desenvolvimento sustentável, de certa maneira, se opõe ao desenvolvimento econômico mais rápido da região. “Isso tem sido alvo de muita disputa no país, inclusive às vezes alguns acusam os ruralistas, mas um setor grande agroindustrial considera muito importante que a produção brasileira agrícola seja feita sem nenhum desmatamento”. 

Dados e estudos mostram que é possível desenvolver sem aumentar o desmatamento. Entre 2004 e 2012, houve decréscimo de mais de 80% no desmatamento “e mesmo assim a produção agrícola continuou aumentando fortemente, isso porque usaram técnicas mais modernas”.  

Segundo Galvão, cerca de 70% de toda a área desmatada na região da Floresta Amazônica atualmente está abandonada. “Começaram a explorar gado, ficou inviável, tentaram vender e fica a terra sem nenhuma produtividade”, resume.

O desenvolvimento sustentável, no entanto, não é uma proposta simples. O professor afirma que fazê-lo no nível que ele mencionou exige ciência, tecnologia, investimento. Fatores que, segundo ele, “esse governo aparentemente não quer apoiar”. “Embora tenhamos exemplos claros de desenvolvimento sustentável, como a Natura, uma empresa brasileira que tem todos seus produtos baseados em uma exploração da biodiversidade amazônica e com sucesso enorme.”

Na avaliação do ex-diretor do Inpe, o fato de setores do governo não acreditarem em aquecimento global e não combaterem o desmatamento ”é preocupante”. Mas ele destaca que, por outro lado, há organismos no Brasil que lutam em favor do meio ambiente nacional e internacionalmente. 

Ele cita como exemplo o professor Ricardo Abramovay, autor do livro Amazônia – por uma economia do conhecimento da natureza. A obra, segundo Galvão, mostra que o desenvolvimento sustentável “não somente é totalmente viável, como economicamente é muito mais atrativo do que ficar desmatando para explorar criação de gado ou mesmo soja”. 

O cientista deixou o governo em agosto passado em meio à crise do desmatamento. Ele foi uma das vítimas do processo de fritura do presidente Jair Bolsonaro. À época, mesmo sem nenhuma evidência científica, Bolsonaro questionou os dados de desmatamento divulgados pelo órgão, disse não acreditar na metodologia do instituto e que os números eram mentirosos.

Além disso, o presidente ficou indignado porque não foi consultado antes de a informação se tornar pública. Constrangido com as falas e o descrédito do presidente em relação ao Inpe, Galvão chegou a rebater. Disse que o instituto era sólido e que resistiria às queixas de Bolsonaro.


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