27/04/2024 - Edição 540

Poder

Dança de escorpiões

Publicado em 31/01/2020 12:00 -

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O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, recebe há cerca de seis meses pesquisas eleitorais feitas por um instituto e não divulgadas publicamente em que seu nome é colocado como uma opção de candidato a presidente da República em 2022. O levantamento é composto das “perguntas estimuladas”, em que os pesquisadores citam para o entrevistado quais são as opções de resposta. Na primeira pesquisa que o ex-juiz recebeu, ele aparecia com mais de 15% dos votos. Moro também passou analisar pesquisas com seu nome e que também incluem Jair Bolsonaro como presidenciável. 

Faltando dois anos e nove meses para a próxima sucessão, Jair Bolsonaro cuida da reeleição como se outubro de 2022 já estivesse na virada da folhinha. Alheio à sua ficha suja, Lula faz pose de candidato. Estilhaçadas, as forças políticas de centro demoram a produzir alternativas. E Moro já é tratado como presidenciável por Bolsonaro e Lula.

Avalia-se que o ministro da Justiça e da Segurança Pública, dono de uma popularidade superior à do chefe, tem potencial para firmar-se como um adversário duro de roer. O receio é que Moro se lance na disputa como alternativa capaz de quebrar o jogo viciado da polarização. Um jogo que interessa tanto a Lula quanto a Bolsonaro. Tomado pelas palavras, a aversão de Moro às urnas é apenas retórica.

No último dia 24, Bolsonaro e Lula citaram Moro num par de entrevistas. Ao desembarcar em Nova Dhéli, o presidente virou seu ministro na frigideira, negando o plano de retirar a segurança pública de sua pasta. Algo que admitira na véspera, antes de voar para a Índia. De passagem por Belo Horizonte, Lula falou à Rádio Itatiaia: "Eu acho que o Moro quer estar nas urnas, sim."

Quatro dias antes, espremido no programa Roda Viva, Moro reiterou que não cobiça o Planalto: "Não tenho esse tipo de ambição." Na sequência, torceu o nariz para a sugestão de descartar uma futura candidatura por escrito. "Não faz o menor sentido assinar um documento desses, porque muitas pessoas assinaram esses documentos e depois rasgaram."

O projeto Moro-2022 começa a ficar em pé sem que o ministro faça muito esforço. Bolsonaro, além de antecipar o debate sucessório, encurralou Moro. Primeiro, roeu o compromisso de indicá-lo a uma vaga no STF. Depois, submetido à necessidade de proteger o primogênito Flávio, investigado por peculato e lavagem de dinheiro, firmou uma aliança tácita com a oligarquia que joga água no chope da Lava Jato.

Lula disse estar convencido de que Moro será candidato por conta do veredicto emitido no caso do tríplex, que o levou à cadeia. "A sentença contra mim já mostrava que ele era político. Um juiz político que me condenou por atos indeterminados. Ou seja, nem ele sabe porque me condenou".

Longe de enfraquecer, os ataques de Lula tendem a vitaminar uma eventual candidatura de Moro. A Presidência de Bolsonaro é o resultado de dois fenômenos: o antipetismo e a falência das forças políticas de centro.

Em 2022, se tiver resultados econômicos a exibir, Bolsonaro será um candidato competitivo. Do contrário, os vícios do capitão, acumulados em 28 anos de vida parlamentar, podem aparecer na vitrine em primeiro plano. E o pedaço do eleitorado que tem ojeriza a Lula e ao PT pode buscar fora da política uma novidade genuína. Moro entra nesse jogo ao lado do apresentador Luciano Huck.

Nas eleições presidenciais de 2002 e 2006, Lula prevaleceu com 61% dos votos válidos. Em 2010, Dilma ganhou o trono com 56%. Em 2014, a pseudo-gerentona foi reeleita com 52%. Na sequência, foi enviada mais cedo para casa.

Em 2018, com Lula na cadeia, Fernando Haddad obteve 44,8% dos votos válidos no segundo turno contra Bolsonaro. De saco cheio do petismo, os brasileiros optaram por içar Bolsonaro do baixíssimo clero da Câmara para o Planalto.

As pesquisas demonstram que uma parte do eleitorado de Bolsonaro já se arrependeu. Mas esse eleitor não faz fila na porta do PT. Parece desejar o cometimento de erros novos em 2022. É nesse contexto que Sergio Moro emerge como mais uma opção.

Nem vice, nem  STF

O deputado Pastor Marco Feliciano (Podemos-SP), disse que o presidente já escolheu o seu futuro companheiro de chapa na disputa à reeleição. De acordo com Feliciano, Bolsonaro definiu que Moro deve ser seu vice.

“O vice-presidente para 2022 já tem nome: Sergio Moro". O deputado afirmou que o próprio presidente já disse isso. "Estou falando do que o meu presidente disse à imprensa". No entanto, ele não disse quando nem em qual veículo Bolsonaro fez o comentário.

No último dia 27, o ministro da Justiça e Segurança Pública, disse, ao ser questionado no programa Pânico, na Jovem Pan, que uma indicação ao STF (Supremo Tribunal Federal) “é uma perspectiva que pode ser interessante”. “Natural na minha carreira. Venho da magistratura”, afirmou.

No entanto, o ex-juiz é, no momento, o último na lista de Bolsonaro para as duas vagas que serão abertas até 2022: a do decano Celso de Mello, ainda neste ano, e de Marco Aurélio Mello, em 2021. 

Entre os cotados para a vaga no STF, além de Moro, estão o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Jorge Oliveira, o advogado-geral da União, André Luiz Mendonça, e a advogada Karina Kufa. 

Oliveira, além de advogado, é policial militar da reserva. Mendonça é pastor presbiteriano. Kufa defendeu Bolsonaro nas ações contra ele no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e é tesoureira do partido que o presidente tem tentado criar, o Aliança pelo Brasil. Sobre todos, há pontos que contam a favor na escolha do mandatário, mas é o chefe da AGU quem sai na frente. Bolsonaro tem repetido que o STF precisa de um ministro evangélico.

Já o ministro da Justiça, embora siga na lista do mandatário, nunca esteve mais longe de ocupar uma cadeira na Suprema Corte. Pessoas próximas a Bolsonaro contaram ao HuffPost que ele chegou a dizer esta semana que “não vai indicar de jeito nenhum o Moro ao STF”. 

Essa nomeação, que é exclusiva do presidente, esteve entre as promessas feitas por Bolsonaro a Moro quando o então juiz aceitou abrir mão de 22 anos de magistratura, à frente da Operação Lava Jato, conhecida como um símbolo de combate à corrupção no País.

Mudança de rumos

Quando convidou Moro para integrar sua equipe, Bolsonaro tinha em mente que o homem que foi consagrado “herói nacional” por ter mandado à prisão figurões da política – em especial o ex-presidente Lula – seria a perfeita combinação com o discurso de combate à corrupção que desejava pregar em sua gestão. Colou. 

Bolsonaro, contudo, não esperava ser ultrapassado em popularidade por seu ministro. O incômodo tem sido uma barreira no relacionamento dos dois, que já passou por vários momentos de “rusgas” nestes 13 meses de governo. Agora, porém, a relação está a tal ponto desgastada que interlocutores relatam que o presidente estaria “doido” para “se livrar” de Moro. 

Os impasses começaram pequenos, com a discordância do ministro com o decreto de armas editado pelo presidente para flexibilizar porte e posse de armas. O Ministério da Justiça não emitiu pareceres técnicos e Moro demonstrou desconforto, dizendo que não se tratava de uma política de segurança pública. 

Em fevereiro, o ministro foi obrigado a revogar a indicação da cientista política Ilona Szabó, mestre em estudos de conflito e paz e especialista em segurança, como suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. O recuo ocorreu após “repercussão negativa de alguns segmentos”, como afirmou o ministro em nota à época. Ilona é fundadora do Instituto Igarapé, dedicado a estudos e elaboração de políticas públicas para redução da violência. Também atuou na ONG Viva Rio e foi uma das coordenadoras da campanha nacional de desarmamento. 

O pacote anticrime, já sancionado, não passou ileso. Com medo de atrapalhar a tramitação da reforma da Previdência, o presidente chegou a defender que o ministro “segurasse” o projeto. 

A primeira divergência de maior impacto, porém, viria na aprovação da Medida Provisória que reduziu o número de ministérios sob Bolsonaro, em maio. O texto final, que contou com aval do presidente, retirou de Moro o antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), atual UIF (Unidade de Inteligência Financeira). De início, houve a transferência para o Ministério da Economia e, depois, para o Banco Central. 

O Coaf também foi um dos pontos do acordo feito entre Bolsonaro e Moro quando do convite para o ministério, uma vez que a política seria o combate à corrupção e ao crime organizado. Em mais um revés, Roberto Leonel, que havia sido indicado por Moro ao comando do Coaf, perdeu o cargo. 

Em agosto, um episódio quase tirou o ministro do governo pela primeira vez: o pedido de Moro ao presidente do STF, Dias Toffoli, para rever a decisão em que proibiu o seguimento de investigações que utilizassem dados de órgãos de controle, como o próprio ex-Coaf ou a Receita Federal. 

Naquela ocasião, Bolsonaro estava decidido a retirar Moro do MJ. Recuou após um alerta do chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno. Como o HuffPost mostrou em setembro, o ministro, um dos mais ouvidos pelo presidente, afirmou que a demissão do ex-juiz daria munição à oposição e enfraqueceria o mandatário. O chefe ouviu e seguiu com Moro. 

Mas a partir daí, a relação nunca mais foi a mesma. 

Só contatos formais

De chefe e subordinado que trocavam telefonemas e mensagens de WhatsApp para tratar de assuntos corriqueiros – e até mesmo piadas -, Moro e Bolsonaro passaram a se comunicar somente em reuniões ou cerimônias oficiais. 

A última crise, em que Bolsonaro admitiu a possibilidade de retirar a Segurança Pública do ministério de Moro, é um exemplo do nível do desgaste. 

No ápice da tensão, quando o presidente já estava na Índia, não houve trocas de mensagens ou ligações entre os dois. Apenas interlocutores falaram com ambos. 

Tudo teve início à revelia de Moro, com uma articulação liderada pelo ex-deputado Alberto Fraga (DEM-DF) e o secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres. Na noite de terça, 21 de janeiro, Fraga, amigo antigo de Bolsonaro, esteve com o presidente no Alvorada e conversou sobre sua participação no governo neste ano e recebeu uma promessa – mais uma – de que, em 2020, ele irá integrar a equipe. 

No dia seguinte, foi a vez de Torres. No Palácio do Planalto, ele fez chegar ao presidente uma demanda de secretários de Segurança Pública estaduais pela divisão do ministério de Moro. Duas horas depois, Bolsonaro se reuniu com os secretários, sem a presença de seu superministro – que sequer foi comunicado -, e ainda transmitiu o encontro em uma live.

Na ocasião, Bolsonaro falou, ao vivo, que a criação de uma pasta exclusiva para a Segurança Pública seria estudada. No dia seguinte, reforçou sua fala, acrescentando ainda que, “lógico que o Moro deve ser contra, mas é estudado com os demais ministros”. Seguiu para sua viagem à Índia em seguida.

Bolsonaro voltou ao Brasil no dia 28, mas só na quarta (29) teve sua primeira conversa com Moro após todo o imbróglio – que já estava solucionado. Se encontraram sozinhos apenas na quinta (30).

Na primeira reunião, eles não trataram da questão da pasta. Apenas ontem tocaram no assunto. Segundo pessoas próximas a Moro, ele afirmou ao presidente que “em time que está ganhando não se mexe”. Voltou a defender a manutenção do ministério como está e, mais uma vez, notando avanço sobre a Polícia Federal, de Maurício Valeixo no comando da corporação. Ouviu do chefe que tudo permanecerá assim. 

Há pouca expectativa em torno deles de que as coisas se restabeleçam ou de que não haja novas crises. Alguns aliados do presidente têm defendido a indicação de Moro ao STF como “a saída mais política” do ministro do governo. 

Este não é o cenário atual. Mas não se sabe o que o “humor do presidente nos reserva nos próximos meses”, concluiu um palaciano.

Paciência

Se não lhe faltar paciência, o presidente se livrará da companhia do ministro de uma maneira quase indolor, indicando-o para a vaga de Celso de Mello. Se a paciência lhe faltar, ou se sobrevier um novo incidente, Bolsonaro se livrará dele antes. Ou Moro pedirá as contas.

A saída indolor seria mais recomendável para Bolsonaro. Quando convidou Moro para ministro da Justiça e da Segurança Pública, prometeu-lhe uma vaga de ministro no Supremo. Poderia ser a de Mello. Ou a vaga seguinte do ministro Marco Aurélio Melo que se aposentará no final do próximo ano. Sem briga, Bolsonaro diria que apenas cumpriu sua palavra. Moro não poderia dizer nada, salvo agradecer o gesto.

Ocorre que Moro cada vez mais parece ter pegado gosto pela política e já não se sabe ao certo se gostaria de voltar a usar a toga. Se for assim, o melhor para ele seria manter-se no governo até quando possível. E a sair, deixá-lo na condição de vítima de Bolsonaro. Isso aumentaria suas chances de ser candidato a presidente da República em 2022, ou ao governo de um Estado importante. Por que não São Paulo?

O fato é que ele e Bolsonaro já não se toleram. Bolsonaro não o perdoa desde que Moro, em setembro do ano passado, manobrou para que Dias Toffoli, presidente do Supremo, não concedesse a liminar que paralisou os processos abertos com base em informações fiscais compartilhadas por órgãos do governo e o Ministério Público sem prévia autorização judicial. A decisão beneficiou o senador Flávio Bolsonaro, o Zero Um.

Bolsonaro e Moro brigaram feio durante uma conversa no Palácio do Planalto. “Se não pode me ajudar, pelo menos não atrapalhe”, berrou o presidente, segundo consta no livro da jornalista Thaís Oyama, ex-redatora chefe da VEJA, sob o título “Tormenta – O governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos”, recém-lançado pela editora Companhia das Letras. Para Bolsonaro, a família acima de tudo, só abaixo de Deus.

De resto, pegou mal para o presidente o aparente desfecho do seu entrevero com Moro por conta da ideia de recriar o Ministério da Segurança Pública.  Bolsonaro deu a entender que isso talvez acontecesse. Sem disposição para engoliar sapo tão grande, Moro respondeu deixando vazar para a imprensa que pediria demissão de imediato. Pressionado nas redes sociais, advertido por auxiliares, Bolsonaro deu o dito pelo não dito.

O recuo – mais um a ilustrar a biografia de um presidente sem maior compromisso com o que fala – deixou Bolsonaro agastado. Sobre seu desconforto há evidências suficientes. Ministros aguardam ansiosos sua volta da Índia para avaliar melhor como ficarão as coisas. Bolsonaro e Moro voltarão a desfilar juntos, sorridentes? Serão vistos outra vez em estádios de futebol torcendo pelo mesmo time? A política é um teatro.

O problema é que Bolsonaro e Moro não são atores profissionais de reconhecido talento.


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