19/04/2024 - Edição 540

Poder

Caso FAB: Bolsonaro trata República como playground e inspira subordinados

Publicado em 31/01/2020 12:00 -

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O governo Bolsonaro aloca um amigo de infância dos filhos do presidente, Vicente Santini, no segundo cargo mais importante da Casa Civil. O sujeito usa um avião da FAB para ir da Suíça à Índia, torrando dinheiro público. Bolsonaro dá piti e manda exonerar. Os filhos pedem pro papai repensar e ele é colocado em um cantinho, com o mesmo salário. Nova denúncia e o presidente demite de novo.

A culpa de toda a confusão para os seguidores do homem? Da imprensa golpista que se mete onde não é chamada. Talvez sobre para o ministro-chefe da pasta, Onyx Lorenzoni. Afinal, Bolsonaro & Filhos são inimputáveis. Mesmo quando transformam a República em um puxadinho do condomínio Vivendas da Barra, a culpa é sempre dos outros.

Bolsonaristas que pedem o fim do nepotismo e da indicação de amigos sem ética ou competência técnica para ocupar cargos públicos apoiam exatamente a pessoa que usa a máquina pública a seu favor e indica amigos da família para cargos públicos. Os mesmos que pedem o fim da corrupção louvam a pessoa que tenta, descaradamente, limitar as instituições de combate a esse crime. Os mesmos que criticam – com justiça – práticas fisiológicas da política, respaldam um político que, com suas ações, está garantindo que o fisiologismo continue alegre e saltitante.

Parte dos eleitores depositou seu voto em Jair Bolsonaro na esperança que o capitão fosse firme no combate a tudo isso aí. Preferiu acreditar em sua palavra, ignorando as denúncias de fantasmas que rondavam os gabinetes do clã. Fantasmas que, como descobrimos depois, tinham a incrível habilidade de transmutar rachadinhas em apartamentos e chocolates e alimentar famílias de milicianos.

Muitos descobriram, espancados pela realidade, que Bolsonaro só era diferente de outros deputados que utilizaram o Estado a seu favor e a serviço de sua família porque, como nunca esteve no centro do poder, não tinha acesso ao pote grande. Outros, contudo, seguem acreditando piamente que tudo isso é invenção da imprensa e da oposição.

Talvez não queiram dar o braço a torcer para seus amigos e vizinhos para ouvir um "eu te disse". Ou não se importem que Bolsonaro use helicópteros da Força Aérea Brasileira para transportar parentes e amigos para o casamento do filho ou que tenha tentado indicar o mesmo filho para o cargo de embaixador, afirmando vai dar sempre o filé para a sua cria sim – desde que ele continue atacando o comunismo imaginário. E há a parcela de seguidores fanáticos.

Esse último grupo reclama do fanatismo (real) de uma parte dos petistas quando o assunto é Lula, mas são incapazes de interpretar o mundo sem o gabarito dado por seu líder. Se o presidente disser que um laranjal é, na verdade, um abacate, eles prontamente vão para a rua, com faixas, bandeiras e camisas da CBF, dizer que sua guacamole jamais será vermelha.

Fabrício Queiroz? Essa pessoa não existe, é invenção da esquerda. Desvios de dinheiro público de Flávio Bolsonaro? Certamente, foi para comprar ambulâncias e construir escolas públicas. Chega-se à pachorra de defender Bolsonaro quando ele dobra as instituições para livrar a cara do filho senador – "ah, mas que pai não faria isso por seu filho?"

O presidente, ao longo do ano passado, como alertamos várias vezes aqui, foi comendo as instituições de fiscalização e controle da República em nome de seu projeto de poder e do bem-estar de sua família. Interferiu na Receita Federal, no Coaf, no Ministério Público Federal, na Polícia Federal. Deu tanto passa-moleque no ministro da Justiça, Sergio Moro, ignorando suas recomendações no combate à corrupção, que perdeu-se a conta. A carta branca prometida pelo presidente ao ex-juiz federal serve apenas para dizer "sim, presida".

Bolsonaro vai atacando as instituições democráticas tradicionais, seja pelo uso abusivo da máquina, seja por meio do seu esvaziamento ou loteamento – tudo para que o Estado sirva ao governante, sua família e amigos, em uma inversão da ordem democrática das coisas. Mudanças? Só quando muito pressionado pelas redes sociais. Caso contrário, toca em frente o barco que ninguém viu.

Não olha agora, mas enquanto a gente estava entretido reclamando de golden shower, o lema do governo mudou: "Meus filhos acima de tudo, meus amigos acima de todos".

Prática recorrente

O ex-secretário executivo da Casa Civil não foi o único a usar aviões da FAB para viagens internacionais. Treze ministros do governo Bolsonaro já utilizaram jatos oficiais para deslocamentos ao exterior.

O campeão de uso é o chanceler Ernesto Araújo, que viajou 22 vezes – em uma delas, inclusive, deu uma carona para a mulher, que estava de férias. Na sequência está o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Os ministros da Cidadania, Osmar Terra, da Agricultura, Tereza Cristina e da Defesa, Fernando Azevedo fizeram três viagens cada um.

De acordo com membros da FAB, o uso das aeronaves para voos internacionais não está previsto na legislação. O decreto que regulamenta o uso, de 2002, dispõe sobre o transporte de autoridades no País, e não menciona a possibilidade de viagens ao exterior. A interpretação, porém, não é consenso no governo e os aviões são constantemente utilizados para viagens para fora do Brasil.

Segundo a Aeronáutica, não é papel da instituição questionar os pedidos das autoridades, apenas julgar as prioridades.

Veja a lista dos ministros que usaram aviões da FAB em viagens internacionais:

Ernesto Araújo (Relações Internacionais) – 22 viagens
Ricardo Salles (Meio Ambiente) – 3 viagens
Osmar Terra (Cidadania) – 3 viagens
Tereza Cristina (Agricultura) – 3 viagens
Fernando Azevedo (Defesa) – 3 viagens
Damares Alves (Mulher e Direitos Humanos) – 2 viagens
Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) – 1 viagem
Henrique Mandetta (Saúde) – 1 viagem
Paulo Guedes (Economia) – 1 viagem
Sérgio Moro (Justiça) – 1 viagem
Marcelo Álvaro (Turismo) – 1 viagem
Onyx Lorenzoni (Casa Civil) – 1 viagem
Jorge Oliveira (Secretária-Geral da Presidência) – 1 viagem


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