26/04/2024 - Edição 540

Poder

Como Onyx passou de ministro mais importante a decorativo em um ano

Publicado em 31/01/2020 12:00 -

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A transferência do PPI (Programa de Parceria de Investimentos) da Casa Civil para o Ministério da Economia anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro pelo Twitter no último dia 30, foi o golpe mais recente para o esvaziamento de funções do chefe da pasta, Onyx Lorenzoni, movimento que vem se desenhando desde o ano passado.  

Sob Bolsonaro, a Casa Civil começou 2019 com três pilares principais: articulação política, a Subchefia para Assuntos Jurídicos, e o PPI. Em junho, porém, o mandatário passou a articulação política para a Secretaria de Governo, nas mãos do ministro Luiz Eduardo Ramos, e a Subchefia para Assuntos Jurídicos, para a Secretaria-Geral da Presidência, comandada por Jorge Oliveira. 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, sempre quis para si o PPI. Com Guedes já com um superministério, Bolsonaro achou por bem dividir os poderes no início.

Na manhã de quinta, já com o anúncio feito, o presidente se reuniu com o secretário de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Salim Mattar. 

A situação com o ex-número dois da Casa Civil Vicente Santini, demitido por uso do avião da FAB (Força Aérea Brasileira), abriu a brecha para que o mandatário, finalmente, desse andamento à demanda. 

Sobre o uso do avião, Bolsonaro disse que era “inadmissível” e chamou a atitude de “completamente imoral”, embora reconhecendo que não é ilegal. Em 2019, os ministros de Bolsonaro utilizaram o serviço da Força Aérea mais de mil vezes, inclusive para 37 viagens internacionais. 

Bode expiatório

Santini tinha sido exonerado do cargo de secretário-executivo da Casa Civil, mas acabou realocado como assessor especial da Secretaria de Relacionamento Externo da pasta, onde ganharia cerca de R$ 400 a menos – um salário de mais de R$ 17 mil. 

Em seu lugar, ficaria Fernando de Moura Alves. Mas o presidente também optou por exonerá-lo desta função. Antônio José de Araújo Junior ficará interinamente na secretaria-executiva da Casa Civil. 

A situação com o agora ex-funcionário tem sido encarada por assessores palacianos como apenas um “bode expiatório” de algo maior.

De um lado, havia muitas críticas à proximidade de Santini com Bolsonaro. Amigo dos filhos do presidente há muito tempo, ele volta e meia era chamado pelo próprio para ir em viagens no avião presidencial. Também circulava com desenvoltura pelo gabinete de Jair Bolsonaro. 

Por outro lado, atingir o número dois acertaria Onyx, que, na visão de muitos, deveria ser o alvo final. De férias, ele não pode controlar a situação e ficou suscetível ao “ataque”.

Segundo aliados, “há muito ciúme” do trânsito do ministro com o presidente e por todo o poder que concentrou no início da gestão. Onyx foi, desde a época de campanha, um dos aliados mais próximos de Bolsonaro e coordenou a transição de governo. 

Esses mesmos aliados, inclusive, encaram o esvaziamento praticamente total de Onyx na Casa Civil como uma disputa por poder “desleal”, uma vez que “a tacada final” ocorreu no meio das férias do ministro. Ele voltaria ao trabalho somente na segunda (3), mas decidiu antecipar para sexta (31). 

Rixas

Quando Ramos assumiu a articulação política, repassou ao presidente inúmeras reclamações de congressistas de “promessas não cumpridas” por Onyx. Na ocasião da reforma da Previdência, essas demandas chegaram ao ápice. Segundo interlocutores, as dificuldades enfrentadas pelo Planalto na articulação política foram atribuídas ao trabalho feito no início da gestão pelo chefe da Casa Civil. 

Vale lembrar que o presidente nunca contou com uma base consolidada no Congresso, apesar de o partido que o elegeu, o PSL, ser a segunda maior bancada da Câmara. Em 2019, inúmeras rixas internas na legenda levaram, inclusive, Bolsonaro a se desfiliar da sigla e lançar uma nova, o Aliança pelo Brasil, que ainda batalha para ser criada. 

Enquanto enfrentava uma guerra de versões nos corredores do Planalto contra si, o ministro tentava correr com o PPI. De acordo com dados da Casa Civil, no ano passado, o programa trouxe para o País R$ 448 bilhões em investimentos com os 36 leilões realizados.

Bolsonaro, porém, não estaria satisfeito com o andamento das privatizações. Guedes argumentava que a falta de celeridade se devia ao fato de não estar tudo concentrado na mesma pasta.

Com o enfraquecimento de Onyx nesta última semana, há quem aposte que ele vá sair do governo. Essa hipótese já foi aventada outras vezes. A primeira, durante o primeiro golpe contra sua pasta, em junho. Outra, no fim do ano, quando cresceu o tom de insatisfação de Bolsonaro com o PPI. 

A análise é que um caminho seria o fiel aliado retornar ao Congresso e seguir apoiando o governo de lá, com um cargo de liderança. Neste caso, a ideia de Bolsonaro seria abrigar outro nome bastante próximo, ao qual teria prometido, de acordo com fontes consultadas pelo HuffPost, um cargo no governo em 2020: o ex-deputado Alberto Fraga (DEM-DF), amigo antigo de Bolsonaro como Onyx. Ainda não se sabe qual seria a formatação. 

Colocar Fraga no comando de uma pasta já foi aventado neste ano, quando Bolsonaro cogitou dividir o Ministério da Justiça e Segurança Pública. A parte da segurança ficaria com o ex-deputado, que é visto com bons olhos pela classe da polícia, núcleo que o presidente tem feito questão de agradar. 

Uma outra linha de raciocínio, contudo, retoma uma teoria que já vingava no fim do ano passado: o ministro poderia substituir Abraham Weintraub no Ministério da Educação. Permaneceria no governo, e estaria, teoricamente, em um local no qual seria “menos atacado”. Neste ponto, vale ressaltar que Weintraub deixou de ser secretário-executivo da Casa Civil para ocupar a cadeira de Ricardo Vélez, demitido do MEC em abril passado.

Quem conta com isso destaca que não é de hoje que o presidente pensa em limar Weintraub pela sequência de problemas que ele tem trazido. Os erros no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), contudo, teriam irritado o mandatário ao máximo. 

Se Onyx cair, ele vai se juntar a um time que apoiou o presidente na campanha, mas foi “abandonado pelo caminho”, como analisou uma fonte, mencionando a deputada Joice Hasselmann, ex-líder do governo no Congresso, Gustavo Bebiano, ex-ministro da Secretaria Geral da Presidência, e o ex-senador Magno Malta, que sequer chegou a integrar o time do mandatário.  

Bolsonaro não frita Onyx Lorenzoni, esquarteja-o

A Casa Civil cheira mal. Não é cheiro de queimado. Dessa vez, o odor é de sangue. O capitão decidiu submeter Lorenzoni a uma nova modalidade de suplício. Em vez de fritar, Bolsonaro submete o ministro a um processo de esquartejamento.

No início do governo, Onyx imaginou que exerceria no time de Bolsonaro o papel de craque do meio de campo. Concentraria os poderes de articulador político, revisor dos atos presidenciais e coordenador da Esplanada. Deu tudo errado. Nesta quinta-feira, Onyx foi enviado à enfermaria num instante em que se imaginava em férias.

No esplendor de suas ilusões, Onyx estimou que articularia uma tropa de cerca de 350 deputados, 42 acima dos 308 necessários para aprovar emendas constitucionais. Bolsonaro cortou-lhe um braço quando transferiu a coordenação política para um general: primeiro, Santos Cruz. Agora, Luiz Eduardo Ramos.

Na sequência, o presidente quebrou uma perna de Onyx ao privar a Casa Civil da atribuição de revisar projetos, medidas provisórias e decretos. Ex-subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, o advogado Jorge Oliveira foi promovido a ministro. Levou para a pasta da Secretaria-Geral a atribuição de revisor-geral.

Bolsonaro concluiu o processo de mutilação pelo Twitter. Num único post, o presidente pôs no olho da rua dois secretários de Onyx e amputou do rol de atribuições da Casa Civil a coordenação do PPI, o Programa de Parceria de Investimentos.

Onyx tornou-se um caso raro de ex-ministro no exercício do cargo. Não reúne condições mínimas de permanecer no governo. Ou retorna ao seu mandato de deputado federal ou entra na fila do INSS como postulante de uma aposentadoria por invalidez.

Disforme como Frankenstein, o ministério de Bolsonaro clama por uma reforma

Ao esvaziar o chefe da Casa Civil, Bolsonaro contradiz o discurso segundo o qual o governo não precisa de reforma ministerial. De acordo com a superstição difundida por Bolsonaro, seu ministério é técnico, opera sem viés ideológico e introduziu na administração pública brasileira um grau de eficiência sem precedentes. Tudo conversa fiada.

A equipe ministerial de Bolsonaro revelou-se heterogênea e disforme como um Frankenstein. O pedaço do governo que funciona, puxado pela área econômica, é atrapalhado pela ala dos trapezistas ideológicos, que insistem em botar fogo no circo, à frente Meio Ambiente e Educação. Bolsonaro diz que não precisa de reforma ministerial. Outra lorota. Na verdade, o ministério já foi reformado, só que piorou. O ministro palaciano Gustavo Bebianno teve a cabeça levada à bandeja. Ricardo Vélez, caiu de maduro da pasta da Educação. E foi substituído por Abraham Weintraub, que dá ao país erros e polêmicas como a bananeira dá bananas.

Foram enviados para o olho da rua também os generais Santos Cruz, da Secretaria de Governo; e Floriano Peixoto, que havia sucedido Bebianno na secretaria-geral e foi rebaixado para a presidência dos Correios. Incluindo-se na dança de cadeiras gente do segundo escalão, como presidente do BNDES Joaquim Levy, substituído pelo "garoto" Gustavo Montezano, e o nazi-secretário de Cultura Roberto Alvim, trocado por Regina Duarte, as demissões passam de 20. O derretimento da equipe ajuda a envelhecer precocemente o governo.

Embora Bolsonaro relute em admitir, a Esplanada clama por uma reforma. Uma pessoa que não sabe nadar não se afoga por cair na água. Ela morre afogada por permanecer lá. No alvorecer do segundo ano de mandato, Bolsonaro comanda uma equipe precária. Um pedaço do ministério naufraga num mar de incompetência e suspeição. Como Bolsonaro demora a promover substituições que parecem óbvias, sua autoridade afunda junto com os ministros que ele frita ou esquarteja.

Um governo em vertigem

Uma vez que o presidente foi capaz de demitir o mesmo funcionário duas vezes em menos de 24 horas, é arriscado dizer que ela fará isso ou aquilo. De resto, gosta de contrariar previsões. É capaz de adiar o que faria de imediato só para que não digam que ele agiu pressionado. Cada um com suas manias.

Amizade e política nem sempre andam juntas – salvo quando se trata de parentes. Bolsonaro começou a desidratar Lorenzoni ao subtrair-lhe sua mais importante função – a de coordenador político. Ontem, esvaziou o resto dos seus poderes.

Isso quer dizer que Lorenzoni está fora do governo? Em um governo normal estaria. Mas esse é tudo menos um governo normal como está farto de provar. Lorenzoni deu por finda suas férias e espera ser recebido, hoje, por Bolsonaro. Adiantou que não pedirá demissão. Bolsonaro poderá lhe oferecer outro emprego.

O presidente acha que todo homem tem um preço. Ao demitir, a pedido do filho Carlos, o ministro Gustavo Bebbiano da Secretaria da Presidência, ofereceu-lhe um lugar na diretoria de Itaipú. O salário era alto. E o trabalho, pouco. Bebbiano bateu a porta do gabinete de Bolsonaro e foi embora. Virou adversário dele.

A comportar-se como de costume, Bolsonaro não entregará por enquanto a cabeça de Abraham Weintraub, o ministro da Educação, alvo de ataques há dois dias do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. Se dependesse de ministros que cercam Bolsonaro, Weintraub teria sido degolado há meses.

Não faltam peças estragadas no governo, nenhuma que careça de conserto. O ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, é uma. Tendo perdido a interlocução com seus pares internacionais, esquenta a cadeira à espera do seu substituto. Com o vice-presidente à frente das ações na Amazônia, tornou-se dispensável.

Presidentes só promovem reformas em larga escala quando o governo vai muito mal, ou quando é atingido por uma crise. Não querem dar a impressão de que enfrentam dificuldades. Bolsonaro poderá copiá-los. Ou não.


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