29/03/2024 - Edição 540

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A experiência de 3 países da América Latina que cobram imposto sobre riqueza

Publicado em 28/01/2020 12:00 -

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Esse é um dos temas que provocam divisões profundas nos Estados Unidos com a proximidade das eleições presidenciais em novembro deste ano.

Candidatos democratas como Elizabeth Warren e Bernie Sanders propõem a criação de um imposto sobre a riqueza dos multimilionários para diminuir a desigualdade que existe no país e aumentar, com essa arrecadação, os gastos sociais em setores como saúde e educação.

Detratores, por outro lado, argumentam que a iniciativa causaria consequências econômicas negativas, incluindo graves efeitos em investimentos e no emprego.

"Uma das confusões feitas por políticos de esquerda é que eles pensam que os americanos ricos têm suas riquezas escondidas em barras de ouro sob o colchão", afirma à BBC Chris Edwards, diretor de Estudos de Políticas Tributárias do Instituto Cato nos Estados Unidos, com sede em Washington.

"Mas a maior parte de seus ativos está investida em negócios. Jeff Bezos (fundador da Amazon), por exemplo, gera crescimento econômico e milhares de empregos."

Mas essa ideia não convence Emmanuel Sáez, professor de economia da Universidade da Califórnia e parte da equipe que trabalha com o economista francês Thomas Piketty.

"Esta é a ferramenta mais poderosa para aumentar o pagamento de impostos por aqueles que estão no topo", afirma ao programa de rádio BBC Business Daily.

Ainda que, para ser de fato efetiva, deva ser aplicada junto a regulamentos internacionais que evitem a fuga de capitais de um país para o outro e controlem efetivamente os problemas de elusão e evasão tributárias.

E essa é uma das razões que explicariam por que vários países da Europa eliminaram essa medida e atualmente apenas quatro a aplicam: Espanha, Noruega, Suíça e Bélgica.

Taxação de riquezas na América Latina

Na América Latina, há três países que adotam o imposto sobre riquezas: Colômbia, Uruguai e Argentina.

Alguns especialistas preferem falar do tema como "imposto sobre patrimônio", já que do ponto de vista técnico se aplica a ativos menos dívidas.

No caso argentino, o nome do tributo é "imposto sobre bens pessoais".

Para além das características específicas de cada país, trata-se de um tributo aplicado sobre a fortuna das pessoas mais ricas.

É algo diferente, por exemplo, do tributo sobre renda, cobrado a partir dos ganhos de uma pessoa, e não de sua riqueza acumulada.

Mas o segundo é mais difícil de ser calculado e, como ocorre no campo tributário, há muitas maneiras de evitá-lo, algo que joga contra o objetivo básico da medida, que é aumentar a arrecadação fiscal.

É uma boa solução?

"A desigualdade de riqueza ou de patrimônio na América Latina é muito maior que a desigualdade medida por ganhos", afirma Daniel Titelman, diretor da divisão de desenvolvimento econômico da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal).

É por isso que Titelman avalia que o imposto sobre riqueza "é uma alternativa válida, um instrumento muito útil", dado que os países da América Latina necessitam aumentar a carga tributária de um modo mais progressivo.

"A cobrança que esse imposto atingiu na Argentina, Colômbia e Uruguai não é trivial em nenhum dos casos."

Há países onde se discute de forma oportuna a tributação da riqueza, como é o caso do Chile, onde o debate se concentra na criação de um imposto predial a partir de um certo valor.

De fato, as propriedades são uma das formas mais concretas da riqueza, mas a verdade é que o conceito de patrimônio é tão amplo que inclui, por exemplo, obras de arte, joias, barcos, automóveis, contas bancárias e ativos financeiros.

Por isso mesmo é difícil de detectá-lo e valorá-lo.

"Para garantir sua eficácia, é muito importante o intercâmbio de informações fiscal e financeira entre as autoridades tributárias dos países", diz Titelman.

"É um imposto com elevado potencial arrecadatório, mas sua implementação não é trivial", afirma.

"Para uma região que tem dificuldade em arrecadar, isso pode ser um imposto muito bom e importante."

O desafio, ele explica, é haver uma troca de informações entre países para evitar problemas como fuga de capitais além das fronteiras.

Alberto Barreix, economista-chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), tem uma visão diferente.

Segundo seus estudos, o imposto sobre o patrimônio possui diversas desvantagens em relação a outros.

"No mundo, os impostos sobre o patrimônio não arrecadam praticamente nada, enquanto os impostos sobre a renda, sim", diz ele em entrevista à BBC Mundo.

A participação do imposto sobre a riqueza, ele explica, "é muito pequena em relação às pressões fiscais que os países têm na América Latina".

E, em muitas ocasiões, esse imposto não é cobrado "porque você não deseja tributar um patrimônio que já está investido". 

Por outro lado, explica, há o tema da valoração de patrimônio. "É muito difícil valorar uma empresa."

Além disso, acrescenta, é muito complexo aplicar isso quando não há colaboração internacional. Nessa perspectiva, Barreix argumenta que existe uma solução tributária melhor.

"Uma fórmula razoável para aumentar a arrecadação é aplicar um imposto sobre a renda, bem cobrado, junto a um imposto sobre heranças."

Como funciona a tributação nos 3 países?

Segundo um estudo da Cepal, estas são as características dos impostos sobre patrimônio (ou sobre riqueza) em três países latino-americanos.

1. Uruguai

Chamado de Imposto sobre Patrimônio (Ipat), o tributo incide sobre o patrimônio líquido de pessoas físicas e jurídicas localizadas no Uruguai.

Inclui ativos como dinheiro em espécie, metais preciosos, veículos, imóveis, mobiliário e créditos para o contribuinte.

Para pessoas físicas e famílias residentes no Uruguai, varia de 0,4% a 0,7%.

Para pessoas físicas não residentes, vai de 0,7% a 1,5%.

As isenções incluem ativos no exterior, áreas florestais com certas características, títulos de dívida pública, ações da Corporação Nacional de Desenvolvimento e imóveis rurais afetados por propriedades agrícolas.

2. Colômbia

Os ativos líquidos localizados na Colômbia de pessoas físicas e jurídicas são tributados.

O imposto é calculado considerando o patrimônio líquido bruto total menos dívidas. Inclui bens no exterior e a versão atual da lei se aplica de 2019 a 2021.

Possui uma taxa única de 1% para ativos líquidos acima de US$ 1,5 milhão (aproximadamente).

A propriedade isenta é a primeira casa do contribuinte por um valor de até US$ 140,5 mil, aproximadamente.

3. Argentina

Com o nome de Imposto sobre Propriedades Pessoais, tributa o ativo bruto de pessoas físicas e jurídicas localizadas na Argentina.

Isso inclui imóveis, carros, notas (em peso e moeda estrangeira), contas bancárias, saldos de fundos comuns e outros investimentos não isentos, obras de arte, antiguidades, utensílios domésticos e bens no exterior.

Para bens no país, a taxa de imposto varia de 0,5% a 1,25%. Para bens no exterior, entre 0,7% e 2,25%.

Inclui entre os ativos isentos a casa do contribuinte no valor de até aproximadamente US$ 300 mil, os saldos a prazo e contas de poupança, os títulos de dívida emitidos pelo Estado e os ativos intangíveis, como marcas e patentes.

Imposto sobre ricos existe há 31 anos no Brasil, mas nunca valeu

Previsto na Constituição há 31 anos, o imposto sobre grandes fortunas nunca foi regulamentado no Brasil e deve continuar de fora mesmo se aprovada uma reforma tributária. Apesar de ter apoio de partidos da oposição, o imposto é visto como ineficiente por especialistas e não está no centro dos debates.

A reforma tributária avançou nos últimos meses em duas frentes, uma na Câmara (PEC 45/2019) e outra no Senado (PEC 110/2019), com propostas semelhantes. Ambas focam na simplificação de tributos cobrados ao longo da cadeia produtiva que acabam refletindo no preço final pago pelo consumidor de bens e serviços. Nenhuma delas propõe no texto inicial uma regra para taxar o patrimônio ou a renda dos mais ricos.

O governo, que promete elaborar uma proposta independente, também não manifestou intenção em regulamentar o imposto sobre fortunas. O Ministério da Economia criou um grupo de trabalho que tem até fevereiro de 2020 para apresentar sugestões de melhorias para o sistema tributário.

PT, PCdoB, PDT, PSB, PSOL e Rede apresentaram uma emenda ao projeto da Câmara que, na prática, é uma proposta completa de reforma tributária da oposição, incluindo um IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas). A emenda se juntou a outras 208 que estão na comissão especial, aguardando parecer do relator, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).

O relator afirmou que fará "uma análise criteriosa das emendas apresentadas" e não deu previsão de quando vai apresentar o parecer.

A proposta assinada por deputados da oposição fala em cobrar a cada ano 0,5% do que exceder R$ 15 milhões do patrimônio líquido (todos os bens e direitos, descontadas as obrigações) de pessoas físicas. Assim, alguém que tenha R$ 100 milhões pagaria o IGF sobre R$ 85 milhões, o que representa R$ 425 mil.

A regra valeria até que uma lei complementar fosse editada sobre o tema. Metade da arrecadação seria destinada ao sistema público de educação básica.

Heranças também seriam taxadas com alíquota máxima de 40% sobre o valor acima de R$ 15 milhões.

Segundo o deputado Gustavo Fruet (PDT-PR), que participa da comissão na Câmara, o objetivo não é perseguir milionários ou confiscar patrimônio, mas dar tratamento equilibrado ao sistema tributário. Ele afirmou que o IGF faz parte de uma proposta ampla que também simplifica impostos sobre o consumo e reformula o Imposto de Renda.

O deputado disse que a Câmara pode chegar a um texto coerente que englobe pontos propostos pela oposição. "O relator [deputado Aguinaldo Ribeiro] tem sido aberto ao diálogo, mas não sei se ele vai incorporar alguma coisa", declarou.

Segundo o economista Josue Pellegrini, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, o imposto pode até parecer justo do ponto de vista social, mas é quase irrelevante para as contas públicas.

Ele afirma que pessoas com alto poder econômico geralmente têm patrimônio em nome de empresas, o que impediria a tributação. Além disso, existem outros meios de fugir do imposto, como pelo envio de dinheiro para o exterior. "Se fosse tão fácil assim, o imposto seria comum em outros países", diz.

Para o consultor tributário Fagner Souza, da auditoria e consultoria Mazars, o imposto sobre fortunas pode até gerar alguma arrecadação relevante no início, mas levaria à fuga de capital do Brasil em poucos anos. Com isso, além de não tributar o patrimônio dos mais ricos, o imposto também reduziria a arrecadação sobre a renda, que deveria ser o foco do sistema tributário.

"O IGF só seria eficaz se fosse global, porque não teria para onde o dinheiro escapar. Mas isso é impossível, pois cada país tem a sua soberania", afirmou.

O economista Pedro de Carvalho Júnior, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), afirma que vale a pena criar um imposto sobre grandes fortunas para tornar mais justo nosso sistema tributário, já que as pessoas pobres pagam proporcionalmente mais impostos do que as ricas.

Ele defende um imposto progressivo sobre o patrimônio que ultrapassar R$ 4 milhões. A alíquota começaria em 0,5% e chegaria até 2,5%. Pelos cálculos do economista, doutor em política tributária, isso traria uma receita anual de até R$ 30 bilhões (o que equivale ao orçamento do Bolsa Família previsto para 2020).

Segundo o economista do Ipea, a chance de o dinheiro ser retirado do país não é tão grande quanto alertam os críticos à proposta. "A tecnologia atual utilizada pela Receita Federal reduziria a chance de evasão fiscal", disse.


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