25/04/2024 - Edição 540

Poder

Hoje, Glenn, amanhã, você: em um Estado autoritário, ninguém está a salvo

Publicado em 24/01/2020 12:00 -

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Você não precisa gostar do jornalista Glenn Greenwald ou de seu trabalho à frente do site The Intercept Brasil, responsável por revelar mensagens entre o então juiz federal Sergio Moro e procuradores da força-tarefa da Lava Jato.

Mas se tem algum apreço pela democracia deve repudiar a denúncia contra ele pelo procurador da República Wellington Divino Marques de Oliveira.

Glenn foi acusado, no último dia 22, de auxiliar, incentivar e orientar a invasão de smartphones de autoridades. No curso da investigação, a própria Polícia Federal não viu crime, mas jornalismo em suas conversas com hackers que foram sua fonte de informação. A investigação apontou que as mensagens de Telegram divulgadas por ele não foram uma encomenda. Mesmo assim, foi denunciado.

Vivemos um contexto de ultrapolarização política. Nele, desumaniza-se quem defende posicionamentos diferentes dos nossos, não reconhecendo que essas pessoas tenham os mesmos direitos constitucionais. Pelo contrário, defende-se que sejam caladas e punidas por pensarem diferente. À força, se necessário. Passando por cima das leis, se preciso.

Após a execução da vereadora Marielle Franco, muitos foram os idiotas que celebraram ou minimizaram o horror de sua morte. O ataque a tiros aos ônibus da caravana que o ex-presidente Lula realizou na região Sul seria rechaçado por todos em qualquer democracia decente – o que não foi o caso por aqui, dada a quantidade de comemorações. A abominável facada sofrida por Bolsonaro foi lamentada por pessoas estúpidas que queriam que Adélio Bispo tivesse terminado o serviço. O músico Moa do Catendê, eleitor de Fernando Haddad, foi morto a faca por um eleitor de Bolsonaro, em Salvador, para júbilo de mentecaptos. Rodrigo Janot, ex-procurador-geral da República, diz que foi armado ao Supremo Tribunal Federal para matar o ministro Gilmar Mendes e ignorantes o chamaram de herói. É nesse caldo que Glenn Greenwald foi denunciado criminalmente por fazer jornalismo e matilhas ensandecidas pediram sua prisão.

Da mesma forma que parte das redes sociais já condenou Glenn Greenwald, munida por uma denúncia tão frágil que não resiste a uma lufada de Constituição do Supremo Tribunal Federal, ela diariamente acusa jornalistas com base no ódio. Tanto o provocado por seus líderes, quanto aqueles que surgem da percepção de que tudo aquilo fora da câmara de eco precisa ser eliminada.

Quando hordas se reuniram para pedir, no Twitter, a deportação de Glenn Greenwald frente às primeiras matérias do Intercept, uma parcela da sociedade não entende ataques a jornalistas como uma porrada na liberdade de expressão, um pilar da democracia. Vê isso como uma manifestação banal do descontentamento. Cede aos discursos fáceis e toscos de analistas, apaixona-se pela violência de seus líderes.

Algumas lideranças, aliás, sabem o tamanho de sua caixa de ressonância, o fanatismo de alguns de seus seguidores, que agem como torcida organizada, e o gigantismo de redes simpáticas a elas ou por elas controladas. Ao ter consciência disso e não agir para evitar ataques, tornam-se cúmplices das consequências de seus atos. Isso inclui não apenas membros dos Poderes Executivo e Legislativo, mas também do Judiciário e do MP.

O Ministério Público Federal é inquestionavelmente fundamental para a democracia brasileira. Por isso, não deixa de ser amargo vermos um membro da instituição perseguindo a liberdade de imprensa em nome do que parece ser puro corporativismo.

Cabe à sociedade decidir se quer uma imprensa livre, mesmo que discorde dela, e sair em sua defesa. Ou se está satisfeita com a proposta colocada à mesa nas eleições de 2018: substituir a pluralidade e o contraditório por mensagens hiperpartidarizadas postadas em grupos de WhatsApp que confirmam uma limitada visão de mundo.

O Brasil já é um dos países mais violentos para jornalistas e comunicadores, com pessoas assassinadas no exercício da profissão. A denúncia de terça reforça a percepção, aqui e no exterior, de que o país caminha impávido na direção oposta à democracia.

Hoje é com Glenn, amanhã pode ser com qualquer um. Afinal, em um Estado autoritário, ninguém está a salvo.

"Denúncia é uma retaliação do governo Bolsonaro", critica Glenn Greenwald

Retaliação

Em nota, o Intercept denunciou a tentativa de retaliozação contra o trabalho jornalístico relizado pelo veículo e Glenn Glenn Greenwald:

1. Os diálogos utilizados pelo MPF na denúncia são rigorosamente os mesmos que já haviam sido analisados pela Polícia Federal durante a operação Spoofing, e acerca dos quais a PF não imputou qualquer conduta criminosa a Glenn;

2. A PF concluiu: “Não é possível identificar a participação moral e material do jornalista Glenn Greenwald nos crimes investigados”;

3. A PF destaca, inclusive, a “postura cuidadosa e distante em relação à execução das invasões” por parte do jornalista co-fundador do Intercept;

4. Glenn Greenwald não foi sequer investigado pela PF, pois não existiam contra ele os mínimos indícios de cometimento de crimes. Ainda assim, foi denunciado pelo Ministério Público Federal;

5. Causa perplexidade que o Ministério Público Federal se preste a um papel claramente político, indo na contramão da ausência de indícios informada no inquérito da Polícia Federal;

6. Nós, do Intercept, vemos uma tentativa de criminalizar não somente o nosso trabalho, mas o de todo o jornalismo brasileiro. Não existe democracia sem jornalismo crítico e livre. A sociedade brasileira não pode aceitar abusos de poder como esse;

7. O procurador Wellington Divino Marques de Oliveira, que agora tenta criminalizar nosso jornalismo, é o mesmo que denunciou e tentou afastar do cargo o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, por calúnia em uma fala pública sobre o ministro de Bolsonaro Sergio Moro. A denúncia foi rejeitada pela Justiça por ser, nas palavras do juiz da 15ª Vara Federal do Distrito Federal, “descabida”;

8. Sergio Moro é o principal implicado no escândalo da Vaza Jato, a série de reportagens publicada pelo Intercept e por veículos parceiros que mostra ilegalidades cometidas por Moro e pela Lava Jato;

9. O MPF também é implicado no escândalo da Vaza Jato, com vários de seus membros atingidos pelas irregularidades reveladas nas mensagens que estamos publicando;

10. A denúncia desrespeita ainda a autoridade de uma medida cautelar do Supremo Tribunal Federal, concedida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 601. Ela foi concedida para evitar ataques à liberdade de imprensa e ao trabalho jornalístico do Intercept e demais veículos parceiros na cobertura da Vaza Jato.

Procurador é o mesmo que elaborou denúncia contra presidente da OAB

O procurador da República Wellington Divino Marques de Oliveira, que denunciou Glenn Greenwald, é o mesmo que denunciou o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, por calúnia contra o Ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro.

Em dezembro, Santa Cruz foi denunciado por Divino por conta de uma entrevista concedida em junho ao jornal Folha de S.Paulo, na qual afirmou que o ministro “aniquila a independência da Polícia Federal e ainda banca o chefe da quadrilha ao dizer que sabe das conversas de autoridades que não são investigadas”.

A OAB chegou a recomendar o afastamento de Moro logo após o início das divulgações pelo The Intercept Brasil de mensagens dele com procuradores da Operação Lava Jato, apontando conluio formado entre a acusação e o juízo, no escândalo conhecido como Vaza Jato.

Na semana passada, a Justiça rejeitou a denúncia do MPF contra Santa Cruz. O juiz Rodrigo Parente Paiva Bentemuller, da 15ª Vara Federal de Brasília, afirmou em sua decisão que “o denunciado não teve intenção de caluniar o Ministro da Justiça (animus caluniandi), imputando-lhe falsamente fato criminoso, mas sim, apesar de reconhecido um exagero do pronunciamento, uma intenção de criticar a atuação do Ministro”.

Segundo advogados, Divino fez uso do cargo para defender bandeiras ideológicas próprias e tentar criminalizar o trabalho estritamente jornalístico desempenhado por Glenn. Neste caso, a ação do procurador se enquadraria no artigo 30 da Lei de Abuso de Autoridade, que prevê punição de um a quatro anos à autoridade que der início a um processo "sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente".

“Na hora que um procurador da República utiliza a sua condição de Ministério Público para apresentar uma denúncia que ele sabe que é insubsistente, que inclusive a Polícia Federal estava investigando o caso em cima dos mesmos áudios e disse que não tinha qualquer tipo de participação do Glenn, ele tem que ser enquadrado no artigo 30 da Lei de Abuso de Autoridade”, explica o advogado Marcelo Uchôa, professor da Universidade de Fortaleza (Unifor) e integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).

Os diálogos utilizados pelo procurador para justificar a denúncia contra Glenn já haviam sido analisados pela Polícia Federal (PF) anteriormente. Na ocasião, a conclusão foi de que não era possível identificar “participação moral e material” do jornalista nos crimes investigados.

Para o Marcelo Uchôa, Wellington de Oliveira fez uso da denúncia com o claro objetivo de perseguir o editor do Intercept. “Ele [o procurador] está brincando de usar o múnus público [obrigação decorrente de acordo ou lei] dele para intimidar as pessoas, para coagir, para desrespeitar o Estado Democrático de Direito, para criar instabilidade jurídica, para fazer confusão na cabeça de uma massa de pessoas que são mobilizadas via rede social e fake news. A Justiça não pode servir para isso. A Justiça serve para aplicar o Direito”, complementa.

Ao oferecer a denúncia, o procurador também ignorou liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que vetava investigações contra Glenn Greenwald pelo seu trabalho como jornalista.

A advogada Carol Proner, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFJR) e também da ABDJ, concorda que a denúncia se enquadra em um caso de abuso de autoridade que deve ser denunciado. Ela classificou a ação como “abusiva, intimidatória e autoritária”, além de afrontosa ao STF.

“Para mim é claríssima a forma intimidatória como esse procurador tenta atuar, o uso político do Ministério Público neste caso específico do procurador, deturpando o teor das gravações de uma maneira desonesta. É uma denúncia autoritária. Do ponto de vista jurídico, a questão é simples: é a liberdade de imprensa e a questão do sigilo da fonte, já garantida pelo Supremo Tribunal Federal e garantido pela Constituição como exercício da profissão”, diz a jurista.

A advogada ressaltou que o Wellington de Oliveira tem histórico de perseguir pessoas que ele considera inimigas do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro – o procurador já havia feito denúncias sem provas contra o ex-presidente Lula e contra o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, por exemplo.

“A vinculação desse procurador com o lavajatismo, como essa cultura punitivista fora da lei, e principalmente a proximidade, pelo menos a afeição que ele tem com o ex-juiz Sérgio Moro, é muito evidente. Ele foi sargento do Exército por 13 anos. Tem toda uma visão de mundo que coincide com uma forte conotação política, contrária àquilo que ele considera inimigo do ministro Sérgio Moro”, opina Carol Proner.

A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), protocolou na Procuradoria Geral da República (PGR), uma representação contra o procurador Wellington Divino Marques de Oliveira, pedindo seu enquadramento por evidente “prática de abuso de autoridade”.

O ato de Oliveira “tenta criminalizar a livre manifestação do pensamento e a divulgação de informações, atingindo em cheio o direito fundamental à liberdade de expressão, liberdade de informação e liberdade de imprensa”, aponta a ABJD.

Para a entidade, o procurador deu “vazão à sua posição político-ideológica” e, assim, agride a Lei 13.869/2019, “com evidente abuso de autoridade”. Oliveira tem revelado uma conduta contra cidadãos “que atuam dentro dos limites da democracia, mas que conflitam com o pensamento de autoridades com as quais o procurador possui afinidade ideológica”, diz a ABDJ, para a qual o ato do procurador configura “um desvio de conduta inaceitável”.

Reações no Brasil e no exterior

Organizações não governamentais internacionais e associações de jornalismo criticaram a denúncia.

A Anistia Internacional (AI) a qualificou como "profundamente grave", afirmando que o caso representa "uma escalada da ameaça à liberdade de imprensa" no país. "Causam-nos estranheza as informações de que Glenn Greenwald foi denunciado sem sequer ser investigado", ressaltou, em nota, a organização.

A ONG União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU), dos Estados Unidos, pediu a imediata condenação da denúncia por parte do governo americano. "Nosso governo deve condenar imediatamente esse ataque ultrajante à liberdade de imprensa e reconhecer que os seus ataques às liberdades de imprensa em casa têm consequências para os jornalistas americanos que trabalham no exterior, como é o caso de Glenn Greenwald", escreveu a ACLU no Twitter.

Também a Electronic Frontier Foundation (EFF), que luta pela liberdade de expressão, defendeu Greenwald, classificando a denúncia como "ameaça à democracia".

A Freedom of the Press Foundation, que tem como seu membro fundador o próprio Greenwald, fala em "tática de intimidação" e diz, em nota, que o americano "lutou bravamente pela liberdade jornalística ao longo de toda a sua carreira". Também descreve a denúncia como fruto de "uma escalada doentia dos ataques autoritários do governo Bolsonaro à liberdade de imprensa e ao Estado de direito".

O texto, assinado pelo diretor executivo da entidade, Trevor Timm, pede que o governo brasileiro "interrompa imediatamente a sua perseguição a Greenwald e respeite a liberdade de imprensa".

Edison Lanza, relator da Organização dos Estados Americanos (OEA) para a Liberdade de Expressão, afirmou no Twitter haver na denúncia contra Greenwald "preocupantes implicações para a liberdade de expressão".

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) divulgou comunicado analisando trechos da denúncia e refutando os argumentos do procurador Wellington Divino Marques de Oliveira, que a assina. A entidade diz que a denúncia tem "como único propósito constranger" o jornalista e "é baseada em uma interpretação distorcida das conversas do jornalista com sua então fonte".

Para a Abraji, o MPF abusa de suas funções "para perseguir um jornalista e, assim, violar o direito dos brasileiros de viver em um país com imprensa livre e capaz de expor desvios de agentes públicos".

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) afirma que o MPF "ignora a Constituição" ao denunciar Greenwald. "Ao jornalista não cabe o papel de recusar ou não divulgar informações de interesse público, porque obtidas de fontes anônimas e/ou sigilosas. Igualmente, não é dever do jornalista atestar a legalidade da obtenção das informações e, sim, verificar a veracidade das informações, antes de divulgá-las à sociedade", afirma a entidade, em comunicado.

A presidente da Fenaj, Maria José Braga, afirmou que a “preocupante” ação do procurador “é uma tentativa de intimidação do jornalista e de restrição do trabalho da imprensa”.

Para ela, desde que o Intercept Brasil passou a divulgar as conversas do ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, e procuradores, “começou a haver perseguição ao jornalista”. Estão em jogo, no caso, o princípio constitucional da liberdade de imprensa e o sigilo da fonte, observou a dirigente.

Em editorial publicado no dia 21, o jornal norte-americano The New York Times (NYT) diz que a denúncia é um grave ataque à liberdade de imprensa e ao Estado democrático de Direito no Brasil. Para o jornal, acusações contra o editor do Intercept é um “sério desserviço” e uma “ameaça perigosa”.

O texto diz ainda que o jornalista cumpriu com seu papel ao revelar “uma verdade dolorosa sobre os que estão no poder”, especialmente através das reportagens da Vaza Jato, que revelaram o conluio entre o ex-juiz Sergio Moro e procuradores da Lava Jato.

“Furar a imagem heroica de Moro foi obviamente um choque para os brasileiros e prejudicial para Bolsonaro, mas exigir que os defensores da lei sejam escrupulosos em sua adesão a ela é algo essencial para a democracia. Atacar os portadores dessa mensagem é um desserviço sério e uma ameaça perigosa ao Estado de Direito”, afirma o editorial.

Em outros trechos, o NYT compara os ataques à imprensa no Brasil com o que ocorre nos Estados Unidos de Donald Trump. “Infelizmente, atacar uma imprensa livre e crítica se tornou uma pedra angular da nova geração de líderes liberais no Brasil, como nos Estados Unidos e em outros lugares do mundo”, opina.

“As acusações de irregularidades são descartadas como ‘notícias falsas’, ou calúnias com motivação política, e o poder do estado é aproveitado não contra os funcionários acusados, mas contra o repórter”, diz outro trecho.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) foi ao Twitter mostrar indignação diante da denúncia contra o jornalista.

Não prospera

Juristas consideram que a denúncia deve ser rejeitada por falta de investigação prévia.

"Essa denúncia é inepta. Me parece que é retaliação política em função da Vaza Jato e do inconformismo do Ministério Público Federal", disse o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp.

"Se o Ministério Público encontrou indícios contra Glenn Greenwald durante a investigação de outras pessoas, deveria ter solicitado à Justiça autorização para abrir um inquérito contra ele por esses fatos", afirmou ainda.

Segundo o professor de Direito Penal da FGV-SP Davi Tangerino, em teoria uma pessoa pode ser denunciada sem ter sido alvo de uma investigação caso provas contundentes contra ela apareçam no curso do inquérito. "Por exemplo, se encontro digitais de uma pessoa em um arma usada em um homicídio", ilustra.

Na prática, ressalta o professor, não é comum que se denuncie pessoas sem prévia investigação porque a denúncia tende a ser frágil. Para Tangerino, o áudio entre Greenwald e um dos suspeitos de ter hackeado autoridades não parece suficiente para permitir a abertura de um processo contra o jornalista.

Assim como o ex-ministro do STJ Gilson Dipp, Tangerino diz que o MPF deveria ter pedido autorização para abrir uma investigação contra Greenwald, em que ouviria sua versão sobre o diálogo gravado e buscaria mais provas, antes de oferecer uma denúncia.

"A tendência é o juiz rejeitar a abertura de processo penal contra Glenn", acredita o professor.

A investigação sobre a atuação do jornalista na obtenção de informações privadas de autoridades foi proibida por decisão de Gilmar Mendes após pedido do partido Rede, em uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, devido a notícias publicadas na imprensa brasileira indicando que Greenwald estava sob investigação.

Para Gilson Dipp, o procurador parece ter cometido abuso de autoridade ao apresentar a denúncia contra o jornalista e pode ter de responder a uma representação contra ele no Conselho Nacional do Ministério Público.

Cabe ao Supremo Tribunal Federal, tão logo chegue ali uma reclamação da defesa do jornalista, manter ou mandar arquivar a denúncia. Se a reclamação for apresentada de imediato, o ministro Luiz Fux, de plantão durante as férias de fim de ano dos seus colegas, arquivará a denúncia contra Greenwald. Se a reclamação só der entrada no tribunal em fevereiro, o ministro Gilmar Mendes procederá da mesma forma.

Mesmo que Fux rejeitasse a reclamação da defesa, a última palavra seria de Gilmar. Porque em agosto último, o ministro decidiu que as autoridades públicas e seus órgãos de apuração se abstivessem de “praticar atos que visem à responsabilização do jornalista Glenn Greenwald pela recepção, obtenção ou transmissão de informações publicadas em veículos de mídia, ante a proteção do sigilo constitucional da fonte jornalística”.

O indiciamento de Greenwald pelo procurador Marques de Oliveira afronta a decisão de Gilmar, como o próprio ministro admitiu, ontem, em conversa com um amigo por telefone. Gilmar está em Lisboa, onde tem um apartamento. Voltará a Brasília daqui a uma semana. Afronta também decisões tomadas pelo Supremo Tribunal que garantem o sigilo das fontes jornalísticas de informação. Sem o sigilo, não haveria liberdade de imprensa.

De resto, a Polícia Federal investigou o hackeamento das conversas entre autoridades da Lava Jato e não encontrou evidências que possam incriminar Greenwald. Por qualquer ângulo que se examine, a peça do procurador Marques de Oliveira simplesmente não se sustenta. Seu destino será o lixo da História.

Leia todas as reportagens que o Intercept e parceiros produziram para a Vaza Jato


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