25/04/2024 - Edição 540

Poder

O caos no INSS

Publicado em 17/01/2020 12:00 -

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 A fila do INSS reforça aquela velha impressão de que há dois países num mesmo Brasil. Há o país real e o país alternativo, que existe apenas no discurso oficial. No país alternativo, Jair Bolsonaro afirma que a candidatura a uma cadeira na OCDE, o clube dos ricos, "equivale à entrada do Brasil na primeira divisão". No país real, o governo não consegue evitar o caos nos guichês do INSS. 

O mais extraordinário é que os dois brasis convivem harmoniosamente no organograma do Ministério da Economia. Na Receita Federal, responsável pela arrecadação, o governo opera com a modernidade do século 21. Nas filas do INSS, o brasileiro pobre recebe serviços do século 19.

Em pleno ano eleitoral, o governo resolveu esbofetear o pedaço mais pobre do eleitorado. Nos guichês do INSS, impõe a desumanidade da espera a pessoas que pediram auxílio doença, licença maternidade ou aposentadoria. No cálculo do salário mínimo, hesita em conceder a pessoas já condenadas ao fim do mês perpétuo a correção da inflação.

Um sociólogo diria que a administração do capitão pratica demofobia suicida. Um observador de linguajar menos rebuscado chamaria a aversão ao povo pelo nome próprio: burrice. Às vezes a maldade demora a ser percebida. Mas quando se manifesta tão agressivamente a percepção é instantânea.

A reforma da Previdência tramitou durante oito meses no Congresso. Aprovadas em outubro, as mudanças começaram a vigorar em novembro. Desde então, a fila dos pedidos de benefícios do INSS parou de andar. Há quase 2 milhões de processos pendentes de análise. Produziu-se um cenário ideal para a criação de uma repartição pública inteiramente nova. Caos não falta.

O salário mínimo foi elevado em dezembro para 3,86%. Passou a valer R$ 1.039. Na última sexta-feira, o IBGE informou que a inflação de 2019 fechou em 4,48%. O mínimo correto seria de R$ 1.045. Diferença mixuruca: R$ 6. Repetindo: para não perder da inflação, o mínimo teria de ser engordado em seis míseros reais. O que produziria uma despesa extra para o Tesouro de R$ 1,9 bilhão em 2020. Por ora, nada.

Após reunir-se com o ministro Paulo Guedes (Economia), o secretário de Previdência Rogério Marinho prometeu uma solução para a fila do INSS. Estimou que o governo terá de desembolsar R$ 9,7 bilhões para zerar a fila.

Marinho soou lacônico ao ser inquirido sobre o prazos: "Tudo envolve orçamento, estrutura organizacional. Então, a gente precisa ter essa responsabilidade de conversar internamente e buscar o respaldo técnico e jurídico". Caberia indagar: por que só agora? Não foi por falta de aviso.

Há cinco meses, as procuradoras da República Eliana Pires Rocha e Anna Paula Coutinho de Barcellos, lotadas em Brasília, pediram à Justiça que obrigasse o INSS a recompor os seus quadros, esvaziados pela aposentadoria de cerca de 6 mil servidores.

"A não reposição" da mão de obra, anotaram as procuradoras, "constitui um obstáculo à população formada basicamente por cidadãs e cidadãos hipossuficientes e socialmente vulneráveis que, por tais condições, dependem dos recursos da Previdência para a satisfação de suas necessidades mínimas". O INSS deu de ombros.

Conhecido pelo hábito de falar dez vezes antes de pensar, Jair Bolsonaro acompanha em silêncio a distribuição de bofetadas em pobres. Ainda não se deu conta de que nenhum silêncio é mais denso e opressivo do que o silêncio que soa como descaso.

De volta do repouso no litoral paulista, o capitão deveria sair em socorro do seu governo, nesta terça-feira, numa daquelas entrevistas de porta de palácio. Do contrário, logo descobrirá que, se um governo deixa de fazer o que precisa ser feito, as consequências só são integralmente percebidas quando outros tomam a iniciativa.

No caso do descalabro do INSS, o governo pode ser abalroado por uma ordem judicial para que a fila ande. No episódio do salário mínimo, o Congresso enxergará na eventual omissão do governo uma oportunidade a ser aproveitada na volta do recesso parlamentar, em fevereiro. Nas duas hipóteses, ou o governo age ou terá de fazer por pressão o que deixa de fazer por opção. Ou desorientação.

Solução?

A solução encontrada pelo governo para aplacar as gigantescas filas que se formam em agências do INSS, de pessoas tentando receber benefícios como aposentadoria: convocar reservistas para atender o público.

O Estadão apontou em editorial que se trata de um improviso, algo que vem se tornando praxe no governo Bolsonaro.  “Apenas agora, passados dois meses da aprovação da aguardada reforma da Previdência, o governo federal decidiu agir e executar uma “operação de guerra” para pôr fim à fila de processos no INSS. É quase sempre assim, uma administração pública eminentemente reativa, incapaz de antever problemas e pensar em soluções, seja por incompetência, seja por má vontade”, pontua o texto.

A fila do INSS também é tema de colunistas dos principais jornais. Em seu artigo na Folha e no Globo, Elio Gaspari compara o governo a uma “quitanda”, que precisa abrir todo dia tendo produtos e troco para a clientela. “Como a quitanda não tem berinjelas nem troco, pela primeira vez em muitos anos reapareceram as filas na porta de agências do INSS. Estima-se que 1,3 milhão de pessoas estão com seus processos encalhados. Desde 13 de novembro nenhum pedido de aposentadoria foi atendido. O óbvio: essas coisas só acontecem com gente do andar de baixo”, escreve.

Também no Globo, Bernardo Mello Franco diz que o improviso que apontam os textos anteriores não se deu por falta de aviso prévio: há cinco meses o Ministério Público recomendou que o governo preenchesse vagas ociosas de servidores do INSS, sob risco de pane, mas preferiu congelar concursos em nome da redução de gastos. “No discurso de Guedes, a medida ajudaria o governo a equilibrar o caixa e alcançar o sonhado trilhão de reais. No mundo real, produziu um colapso administrativo e ressuscitou a fila do INSS.

Fim da dedução do INSS de domésticos ‘aumentará informalidade’

Para o Sindicato das Empregadas e Trabalhadores Domésticos da Grande São Paulo, o fim da dedução no Imposto de Renda da contribuição do INSS feita por empregadores a empregados domésticos aumentará ainda mais a informalidade na categoria. “Acaba um incentivo à formalização de um trabalhador que sofre muito com a questão”, afirmou a advogada do sindicato, Nathalie Rosario de Alcides. 

Em 2018, mais de 70% dos trabalhadores domésticos trabalhavam em regime informal, de acordo com dados do IBGE. “É um trabalhador vulnerável, que não pode se dar ao luxo de recusar trabalhos porque o empregador não quer registrá-lo. O fim da dedução aumentará ainda mais a informalidade da categoria”, afirmou a advogada.

O benefício iniciado em 2006 para incentivar a formalização de empregados domésticos precisaria ter aprovada uma prorrogação nas Casas Legislativas para se manter em 2020. Em outubro de 2019, o Senado aprovou um projeto de lei do senador Reguffe (sem partido-DF) que prorrogava o benefício até 2024, mas a proposta não foi votada na Câmara antes do recesso parlamentar. Para valer, mudanças no Imposto de Renda precisam ser aprovadas no ano anterior.

Em 2019, a renúncia fiscal estimada por conta da dedução foi de R$ 674 milhões e o governo espera arrecadar cerca de R$ 700 milhões a mais em 2020 com o fim do benefício. O senador Renan Calheiros (MDB-AL) criticou o fim da dedução em sua conta no Twitter, a que classificou de “retrocesso”.


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