26/04/2024 - Edição 540

Poder

Brasil é denunciado por avanços contra direitos humanos

Publicado em 17/01/2020 12:00 -

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Durante seu primeiro ano de governo, o presidente Jair Bolsonaro adotou políticas que infringem os direitos humanos em questões relacionadas ao meio ambiente e à segurança pública, denunciou a Human Rights Watch (HRW)  em seu relatório mundial no último dia 14. Segundo a ONG, essas medidas colocaram em risco populações mais vulneráveis.

Leia relatório completo em inglês ou uma seleção de capítulos traduzidos

No capítulo dedicado ao Brasil, a HRW argumenta que a situação dos direitos humanos no país só não se deteriorou mais devido à ação de tribunais e do Congresso, que bloquearam algumas políticas que prejudicariam indígenas, homossexuais e pobres, que são os grupos mais vulneráveis à violência.

O relatório critica também o governo brasileiro por dar "carta branca" às redes criminosas que "destroem" a Amazônia, uma questão considerada não somente ambiental, mas um "problema gravíssimo de segurança pública". O documento cita dados que mostram o aumento do desmatamento em 2019 na região e pede que as autoridades combatam esses criminosos.

"Sem nenhuma prova, o governo tem culpado ONGs, voluntários brigadistas e povos indígenas pelos incêndios na Amazônia e, ao mesmo tempo, fracassado em agir contra as redes criminosas que estão derrubando árvores e queimando a floresta para dar lugar à criação de gado e agricultura, ameaçando e atacando aqueles que estão no caminho", afirmou a diretora da Human Rights Watch no Brasil, Maria Laura Canineu.

A diretora ressalta ainda que os ataques de Bolsonaro às agências de controle ambiental colocam em risco a Amazônia e seus defensores. Canineu enfatizou a necessidade de o ministro da Justiça, Sergio Moro, liderar uma "resposta enérgica para desmantelar as redes criminosas que lucram com a exploração ilegal de madeira e atacam defensores da floresta".

O relatório acusa também o governo de enfraquecer os esforços para a prevenção de tortura e criticou a iniciativa do presidente de enviar ao Congresso um projeto de para suspender a sentença de agentes de segurança acusados de homicídio se tivessem agido por "escusável medo, surpresa ou violenta emoção".

O documento lembra que houve uma queda de 11% no número de mortes violentas no país em 2018, no entanto, ainda há altos índices de criminalidade.

"Os abusos policiais dificultam o combate à criminalidade porque desencorajam as comunidades a denunciarem crimes ou a cooperarem com as investigações. Esses abusos contribuem para um ciclo de violência que prejudica a segurança pública e põe em risco a vida da população em geral e dos próprios policiais", ressalta o texto, acrescentando que 343 policiais foram mortos em 2018, sendo que dois terços deles estavam fora de serviço.

Outro dado citado no relatório que aborda a situação dos direitos humanos em mais de cem países é referente às mortes cometidas por agentes de segurança, que aumentaram 20% em 2018, chegando a 6.220.

A organização mostrou preocupação com a violência de gênero, um "problema crônico" no país, com quase um milhão de casos de violência doméstica aguardando julgamento em 2018, e com declarações homofóbicas feitas pelo presidente, além de tentativas de restringir os direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT).

Outros problemas mencionados são os ataques realizados por Bolsonaro contra a imprensa e organizações da sociedade civil, os elogios feitos a ditaduras e a tentativa de restringir o acesso das crianças a uma educação sexual abrangente.

Sem teor político

O pesquisador sênior para o Brasil na Divisão das Américas César Muñoz explica que as críticas a Bolsonaro não têm qualquer teor político e simplesmente foram feitas porque, de fato, políticas e posturas do atual governo atacam conceitos basilares da democracia. “A base das nossas análises é o direito internacional, as normas internacionais de direitos humanos. E nessa área realmente vimos como o governo Bolsonaro tentou reduzir os direitos dos brasileiros em várias áreas: os ataques à imprensa, deslegitimar o trabalho da mídia, as tentativas de reduzir a participação da sociedade civil nas políticas públicas, o discurso de estímulo à violência, entre outros”, disse Muñoz.

“O presidente Bolsonaro tem incentivado a polícia a executar suspeitos. Os criminosos deveriam ‘morrer na rua igual baratas’, disse ele em agosto”, destaca relatório, ao lembrar que a excludente de ilicitude, prevista originalmente no pacote anticrime e considerada por especialistas da área uma “licença para matar”, foi defendida abertamente por ele em vários momentos durante a campanha e depois de eleito.

Para o pesquisador, a área da segurança pública é um ponto crítico e que, por essa razão, mereceu a atenção do relatório. “Se por um lado temos a notícia excelente da redução de homicídios, por outro, a violência policial vem aumentando. No Rio de Janeiro chegou a níveis nunca vistos e prejudica uma parcela específica da população que são os mais pobres. A redução de mortes violentas é uma tendência que começou em alguns estados em 2017, ampliou em 2018 e continua em 2019. É ótimo para todos e isso aconteceu antes de o governo Bolsonaro assumir. Então quando o governo fala que foi por causa dele que isso aconteceu, não bate com o tempo. A principal política do governo Bolsonaro foi o pacote anticrime que foi aprovado apenas em dezembro”, analisa.

No final da análise, a HRW destaca o alerta da Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), Michelle Bachelet, sobre o enfraquecimento dos direitos humanos no Brasil e a crítica feita por diplomatas brasileiros a uma resolução da ONU sobre violência contra as mulheres que incluía a referência "acesso universal a serviços de saúde sexual e reprodutivos". Os representantes do governo alegaram que a frase daria margem ao aborto.

Atuação do Congresso e dos Tribunais

César Muñoz destaca a atuação do Congresso Nacional e do Judiciário, instituições que, segundo a entidade, ainda estão assentadas no jogo democrático, como atores responsáveis por barrar alguns dos ataques do governo. “A excludente de ilicitude, derrubada pelo Congresso durante a votação do pacote anticrime do ministro Sérgio Moro, é um exemplo. O outro foi quando o presidente tentou eliminar o Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura no Brasil, exonerando os agentes e encerrando a remuneração e orçamento para funcionamento do órgão através de um decreto, e foi brecado pelo Judiciário“, exemplifica.

O relatório dedica um espaço no capítulo sobre o Brasil para denunciar os ataques à liberdade de imprensa e de expressão, considerados pelo pesquisador, extremamente preocupantes. “Líderes populistas no mundo todo que falam contra os direitos humanos e são eleitos, quando chegam no poder tem como um dos principais objetivos atacar a mídia independente. É um roteiro bastante previsível e que se repete em vários lugares onde há lideranças com tendências autoritárias. Na sequência, eles atacam outras instituições democráticas, como o o judiciário. Isso é muito perigoso”, pontua.

“O presidente Bolsonaro tem adotado uma posição hostil contra a mídia e contra os jornalistas por fazerem o trabalho deles. Ele está deslegitimado esse trabalho que é fundamental para a saúde da democracia. Mas também acho que, afortunadamente, no Brasil tem um levante público e a sociedade tem reagido”, elogia.

Sobre o sistema prisional, o pesquisador César Muñoz manifesta preocupação porque considera um problema crônico, antigo e que nenhum governo, independentemente do partido e ideologia, teve a coragem de mexer. O relatório chega a destacar que “detentos mataram 117 outros presos em cinco prisões dos estados do Amazonas e do Pará em menos de três meses em 2019”.

“Se uma pessoa cometer um crime, tem que pagar por isso, mas em condições dignas. Quando você tem um sistema prisional superlotado, onde os agentes não mantém o controle, que é a realidade hoje, esse sistema fica nas mãos das facções criminosas e acabam virando um centro de recrutamento das facções. É isso que estamos vendo no Brasil. As facções estão usando as prisões como centro de treinamento para se expandirem no Brasil”, afirma.

Ministério de Direitos Humanos desconhece valor total da economia com fim de colegiados

O fim de comitês, conselhos e comissões ligados à área de direitos humanos foi anunciado em abril de 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro como um ato de “gigantesca economia, desburocratização e redução do poder de entidades aparelhadas politicamente usando nomes bonitos para impor suas vontades”. O governo, no entanto, não sabe qual o valor economizado com a ação. 

Assinado pelo presidente em 11 de abril de 2019, em meio às celebrações dos 100 dias do governo Bolsonaro, o decreto extinguiu todos os conselhos da administração federal que não tinham sido criados por lei, além de algumas exceções.

Em resposta a pedido feito pela reportagem, via Lei de Acesso à Informação (LAI), de quais colegiados ligados ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos foram afetados e qual o montante economizado, a pasta respondeu que os conselhos, comissões e comitês extintos “são todos os que se encontravam aptos a extinção” nos termos do decreto e inicialmente não apresentou uma lista.

O texto do decreto assinado pelo presidente e pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, é abrangente e afirma que o impacto será em colegiados instituídos por decretos e outros atos normativos infralegais.

O ministério afirmou que “a maior parte dos colegiados foram extintos por estarem inoperantes”, de modo que “a extinção não teve qualquer efeito prático” e foi tomada para “garantir a segurança jurídica e simplificação normativa da Administração”. Também segundo a pasta, outros colegiados foram extintos “por não estarem funcionando corretamente, ocasionando gastos exorbitantes à Administração Pública”. 

Quanto ao impacto financeiro, contudo, o ministério respondeu que “não é possível informar o valor individualmente, tendo em vista que refere-se tanto a colegiados criados no âmbito deste Ministério quanto colegiados de outras pastas de que o Ministério também faz parte, sendo necessário tanto para uma avaliação individual quanto para avaliação total da economia gerada aos cofres públicos, análise acurada pela administração pública de forma geral, uma vez que envolve outros órgãos”.

Apesar de alegar desconhecimento de despesas realizadas pelo próprio ministério, a pasta afirmou que “houve economia principalmente no tocante a manutenção desses colegiados, ou seja, redução de despesas com diárias, passagens e outros gastos inerentes a manutenção”.

Em recurso, via LAI, o ministério pela ministra Damares Alves informou a lista de colegiados ativos que coordena e os em processo de recriação após o decreto [leia abaixo]. Apontou também os que não seriam recriados: Comitê Permanente para a Desburocratização, Comitê de Convênios e Contratos Administrativo, Comitê de Gênero Janaína Romão, Comitê de Diversidade e Inclusão e Comitê da Segurança da Informação e Comunicação. De acordo com o ministério, “esses colegiados tiveram suas atribuições e temas acolhidos por outras instâncias de participação” dentro do órgão.

De acordo com o decreto presidencial, para serem recriados, os colegiados extintos precisavam apresentar, ainda em 2019, uma proposta de reformulação a ser avaliada pelo Executivo. 

Esses documentos deveriam incluir breve resumo das reuniões de eventual colegiado antecessor em 2018 e 2019; justificar a necessidade, a conveniência, a oportunidade e a racionalidade de o colegiado possuir número superior a sete membros e limitar a possibilidade de criação de subcolegiados.

Outra exigência era prever que as futuras reuniões dos colegiados seriam feitas por videoconferências ou, no caso de inviabilidade ou a inconveniência de usar esse procedimento, estimar os gastos com diárias e passagens dos membros do colegiado e comprovar a disponibilidade orçamentária e financeira para as atividades.

Gastos dos conselhos de direitos humanos

Mesmo no recurso via Lei de Acesso à Informação, o Ministério de Direitos Humanos não respondeu o valor da economia. Em outro pedido, a pasta informou apenas os gastos executados em 2018 com a manutenção de alguns colegiados ligados ao órgão naquele ano.

Segundo o ministério, foram gastos R$ 119.125,72 com reuniões mensais de maio a outubro de 2019 da Comissão da Anistia.

Os valores relativos a apenas 16 comissões e conselhos em 2018 somam R$ 4,05 milhões. Em 2018, a pasta executou R$ 302,4 milhões. Proporcionalmente, a soma dos custos desses colegiados seria o equivalente a 1,3% do total. 

Questionado sobre o discurso de corte de gastos e o desconhecimento desses valores, o Ministério de Direitos Humanos afirmou, em nota, que o orçamento das políticas que incluem participação social dos conselhos de direitos “não ultrapassa 25% dos R$ 300 milhões destinados a esta pasta, isto é, R$ 75 milhões. Deste total, 5% (R$ 4,05 milhões) consiste em despesa com passagens e diárias para conselheiros da sociedade civil”.

Ainda de acordo com a pasta, esse valor é maior do que o orçamento de duas das oito secretarias que compõem o órgão, a da Pessoa Idosa e da Pessoa com Deficiência, “o que mostra o alto custo com passagens e diárias para o Ministério diante de sua complexidade e leque de pautas”.

Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos

Nem todos os recursos para essa área vêm do Executivo. No caso da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, por exemplo, que gastou R$ 1.293,35, “parte substancial provém de emendas parlamentares destinadas a este fim”, segundo o ministério.

O montante inclui atividades no Rio de Janeiro, Foz Iguaçu (PR) e na Bahia, uma expedição ao Araguaia, reuniões em Brasília, realização do Encontro Nacional de Familiares de Desaparecidos Políticos e pagamento ao Centro de Antropologia e Arqueologia Forense. Os gastos também incluem ações ligadas à Vala Clandestina de Perus, algumas no âmbito do projeto de cooperação internacional com o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).

A comissão foi criada, por lei, em 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso, a fim de realizar o reconhecimento de desaparecidos por atividades políticas entre 1961 e 1979, período que inclui a ditadura militar.

Em agosto, o presidente Jair Bolsonaro trocou 4 dos 7 integrantes da comissão, uma semana após o colegiado declarar que o pai do atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi vítima do regime de exceção. O atestado de óbito emitido pela comissão apontou que a morte de Fernando Santa Cruz, pai de Felipe Santa Cruz, se deu de forma “não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro”.

Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

O Executivo também tem intervindo nos conselhos que não foram extintos. Em setembro, um decreto presidencial reduziu de 56 para 36 o número de representantes no Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), modificou as regras para a escolha dos membros do grupo e determinou que as reuniões ordinárias passassem a ser trimestrais, em vez de mensais.

A medida foi derrubada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, em dezembro.

Criado em 1991, por lei, o Conanda é responsável pela elaboração das normas gerais da política nacional de atendimento dos direitos das crianças e dos adolescentes. Cabe aos conselheiros, por exemplo, fiscalizar a execução das políticas públicas nessa área, nos âmbitos federal, estadual e municipal.

No mês anterior, foi a vez da ministra Damares Alves exonerar a coordenadora geral do CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos), Caroline Dias dos Reis, após dizer que o colegiado “está longe de se preocupar com direitos humanos”. O episódio levou a ministra a ser denunciada por censura na Organização das Nações Unidas (ONU).

Em documento à ONU sobre desaparecimentos forçados, governo Bolsonaro esconde ditadura militar

Em um relatório sobre o desaparecimento forçado de pessoas no Brasil, entregue à Organização das Nações Unidas (ONU) em junho de 2019, o Itamaraty omitiu a existência da ditadura militar, que comandou o país desde o golpe contra João Goulart em 1964 até o ano de 1985, com a eleição indireta de Tancredo Neves para a Presidência da República.

Segundo reportagem do jornalista Jamil Chade no portal UOL, o informe veio a público agora e trata dos crimes de desaparecimento no Brasil, obrigação que o governo brasileiro tem diante da ONU por ser parte de tratados internacionais – como a Convenção Internacional para a Proteção de Pessoas do Desaparecimento Forçado, que o Brasil aderiu em 2007 e deu origem à uma lei sancionada em 2016.

Seguindo ordens de Jair Bolsonaro e do chanceler Ernesto Araújo, doutrinado de Olavo de Carvalho, o governo justifica a ditadura em razão da Guerra Fria.

No documento, o governo não fez nenhuma menção à ditadura e diz que a Comissão da Verdade foi criada em 2012 como “uma forma de reparação, direito à verdade e, no médio e longo prazo, como uma orientação para a não-repetição”, sem citar que o foco do trabalho são os desaparecidos na Ditadura Militar.

O Itamaraty também omite o termo ao dizer que leis instruíram a mudança de de ruas que levavam o nome de “pessoas envolvidas na repressão, violência e esquemas de tortura”.

Ao tratar do Grupo de Trabalho que investiga as ossadas de Perus, onde a ditadura teria escondido corpos de assassinados pelo regime, o documento diz que “as últimas investigações nesse caso e outros, dados e levantamentos estão sendo investigados para efetivamente encontrar a verdade precisa, sem uma representação desvirtuada e ideológica”.

No entanto, o texto do governo destaca que, mesmo que qualquer tipificação do crime de desaparecimento forçado seja feita no Brasil, ela será limitada pela Lei da Anistia, que isentou os perpetradores de responsabilização.

Leia a reportagem na íntegra.


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