28/03/2024 - Edição 540

Poder

Bolsonaro fala em botar ministro no pau de arara

Publicado em 13/12/2019 12:00 -

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Bolsonaro afirmou, na quinta (12), que vai colocar no "pau de arara" o ministro que comprovadamente for envolvido em um caso de corrupção. A declaração, dada em Palmas, no Tocantins, é mais uma bravata contada pelo presidente da República para entreter a parcela de seus seguidores que gosta de um autoengano. Mas uma bravata ignóbil, repetindo outras vezes em que usou a tortura como referência para punição de agentes públicos.

"Se aparecer, boto no pau de arara o ministro, se ele tiver responsabilidade, obviamente. Às vezes, lá na ponta da linha, está um assessor fazendo besteira sem a gente saber. Mas isso é obrigação nossa, é dever", afirmou.

Isso não se aplica, contudo, ao ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio. Ele não é exatamente alguém "lá na ponta da linha", mas um de seus assessores diretos. E Bolsonaro conhece bem a história que o envolveu em corrupção.

Uma série de reportagens do jornal Folha de S.Paulo mostrou que Álvaro Antônio comandou um esquema de desvio de recursos públicos usando candidaturas de fachada de mulheres. Após a Polícia Federal tê-lo indiciado, em outubro, o Ministério Público em Minas Gerais o denunciou sob acusação de ter plantado um laranjal, durante as eleições do ano passado, enquanto era presidente do PSL no estado.

O presidente diz que não acredita em denúncias da imprensa. Mas, neste caso, quem viu irregularidade foi um órgão vinculado ao Ministério da Justiça, que é comandando por seu advogado pessoal, Sergio Moro. Há quem diga que Bolsonaro tem uma dívida de gratidão pela ajuda dada por Álvaro Antônio quando ele foi esfaqueado, em setembro do ano passado. Outros que ele não quer ver esse novelo desenrolado – um das reportagens da Folha mostrou que parte dos recursos foi usado para produzir material de campanha para o então candidato à deputado federal e, hoje, ministro, e também para Jair.

E não foi a primeira vez que ele citou a tortura usada nos porões da ditadura como exemplo de punição.

No dia de 31 de outubro, Bolsonaro disse, em sua live semanal, que "quem quer atrapalhar o progresso, vai atrapalhar na Ponta da Praia". Ele se referia a funcionários públicos que estariam demorando para conceder licenças para a construção de um empreendimento.

"Ponta da Praia", por sua vez, diz respeito à base da Marinha na Restinga de Marambaia, no Rio de Janeiro, que teria sido usada como centro de tortura e execução de dissidentes durante a ditadura.

O uso da expressão ocorreu no mesmo dia em que seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, foi duramente criticado por afirmar, em uma entrevista à jornalista Leda Nagle, que "se a esquerda radicalizar", o governo terá que dar "uma resposta que pode ser via um novo AI-5". O ato institucional, de 1968, deu poderes ao Poder Executivo para fechar o Congresso, cassar direitos e censurar e adotar violência contra opositores.

O presidente sempre defendeu as bizarrices que aconteceram entre 1964 e 1985. Ordenou que o aniversário do golpe militar fosse celebrado nos quartéis. E homenageou, repetidas vezes, o falecido coronel Carlos Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-Codi, acusado de ser um dos mais violentos torturadores da época.

Usando as manifestações por direitos sociais, no Chile, como justificativa, Bolsonaro defende a aprovação de projetos que podem aumentar a letalidade policial – como é o caso do que garante o excludente de ilicitude a policiais e militares que atuem em operações da Garantia da Lei e da Ordem. Representantes da sociedade civil e do Ministério Público temem que, uma vez aprovado, permita o emprego de forças de segurança contra manifestações e movimentos populares.

Se por um lado, tudo isso reafirma o projeto de país do clã (um governo populista autoritário apoiado, não por instituições, mas por setores da extrema-direita da população), por outro serve como distração diante da falta de políticas para demandas sociais.

Como a geração de postos de trabalho decentes. Reportagem do UOL mostrou que o programa "Emprego Verde Amarelo", lançado por ele com a promessa de 1,8 milhão de vagas formais para jovens, irá gerar apenas 271 mil até o final do seu mandato. O resto já será criado independente da ação do governo.

Isso não é apenas galhofa de um político brincalhão, mas uma irresponsabilidade. Ao usar como exemplo de punição um instrumento de tortura adotado, hoje, no submundo de policiais que se tornam criminosos, o presidente mostra que está mais próximo das milícias do que da Constituição.

Torturando a lógica

A fala de Bolsonaro foi feita na véspera desta sexta-feira, 13. Cultor da ditadura, o capitão sabe que não é um dia qualquer.

Há 51 anos, em 13 de dezembro de 1968, o general Costa e Silva baixou o AI-5, Ato Institucional número cinco. Um golpe dentro do golpe. Vigorou por dez anos. Período sombrio, marcado por arbitrariedades hediondas.

Algo como 160 milhões dos 210 milhões de brasileiros não sabe do que Bolsonaro está falando. É gente que não havia nascido na época em que escorria sangue nos porões.

Abre parênteses: no pau de arara, os pulsos do torturado são amarrados aos tornozelos. Antes do início da sessão de suplícios, a vítima é pendurada pelos joelhos, de ponta-cabeça, num pau roliço. Fica à mercê dos algozes. Fecha parênteses.

O capitão assegura que não há perversão no seu governo. Convém não discutir com um especialista, pois há na Esplanada meia dúzia de encrencados: três denunciados, dois investigados e até um condenado.

Esses ministros estão pendurados na folha de pagamento da União, não no pau de arara. Desfilam pelos gabinetes de Brasília como se nada tivesse sido descoberto sobre eles.

Ao discursar no Tocantins, Bolsonaro esqueceu de lembrar —ou lembrou de esquecer— até os casos mais rumorosos. Como o processo do ministro Marcelo Álvaro Antônio, mantido na pasta do Turismo mesmo depois de ser denunciado pelo Ministério Público por envolvimento no escândalo de candidaturas laranjas do PSL.

Ou o caso de Ricardo Salles, o antiministro do Meio Ambiente. Já condenado por improbidade administrativa, ele agora é investigado por enriquecimento ilícito.

De resto, pende da árvore genealógica de Bolsonaro o inquérito que envolve o primogênito Flávio, investigado por suspeita de peculato e lavagem de dinheiro. Coisa da época em que dava expediente como deputado estadual da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Nessa ocasião, o Zero Um confiava a administração da folha do seu gabinete ao policial militar Fabrício Queiroz, um amigo de três décadas do seu pai.

Bolsonaro levou o pau de arara aos lábios em pleno aniversário do AI-5 para movimentar as arquibancadas de sua bolha nas redes sociais.

Quem não frequenta esse ambiente fica com a impressão de que o capitão deveria parar de torturar a lógica. Sob pena de acabar pendurando a si mesmo no pau de arara.

Um 2020 sem apologia à tortura

Vinte e quatro instituições assinaram uma nota pública publicada na quinta-feira (12) em defesa da democracia. Com o título "Por um 2020 sem apologia a ditadores", o texto defende que ditaduras não podem ser objeto de celebração, como ocorreu no Brasil em 2019.

“Apologias a ditadores e ditaduras se reproduziram de forma recorrente no Brasil ao longo de 2019. É profundamente lastimável assistir a líderes políticos e representantes eleitos – que deveriam estar comprometidos com a democracia e ser movidos por seus princípios e práticas – celebrando figuras responsáveis por rupturas democráticas, pela manutenção de longos regimes autoritários e por violações gravíssimas a direitos humanos em diversos países do mundo.

No início do ano, assistimos com assombro ao presidente Jair Bolsonaro tecer elogios ao ditador paraguaio Alfredo Stroessner, cujo governo foi marcado por crimes de assassinato, tortura e corrupção entre 1954 e 1989. Mais recentemente, a Assembleia Legislativa de São Paulo e a Câmara Municipal do Rio de Janeiro também trouxeram o tema ao centro da pauta à ocasião do Dia Internacional dos Direitos Humanos, comemorado em 10 de dezembro. No caso paulista, o deputado Frederico d'Avila (PSL) propôs a realização de uma sessão solene em homenagem a Augusto Pinochet, que liderou um regime autoritário no Chile de 1973 a 1990. Já na capital fluminense, uma moção de louvor e reconhecimento à Coreia do Norte e a seu ditador Kim Jong-un foi realizada em novembro e registrada naquele país no último dia 10, ação de autoria do vereador Leonel Brizola (PSOL).

Somam-se a tais celebrações injustificáveis e repudiáveis as repetidas declarações de exaltação do período ditatorial brasileiro, bem como as alusões a saídas autoritárias evocadas por membros do alto escalão do governo federal.

Nenhuma ditadura pode ser objeto de celebrações. É preciso construir um trabalho de memória e verdade para que declarações como essa não tenham espaço para se repetir. À esquerda ou à direita, experiências marcadas pela ausência de liberdades democráticas, pela ruptura do Estado de Direito e pela violação dos direitos humanos devem ser veementemente rechaçadas. A democracia precisa ser valor e prática inegociáveis na sociedade brasileira.

Por um 2020 sem apologias a ditadores!

Assinam esta nota:

Abong
Ação Educativa
Advocacy Hub
Atados
Bancada Ativista
Casa Fluminense
Cidade Escola Aprendiz
Conectas Direitos Humanos
Congresso em Foco
Delibera Brasil
Engajamundo
Frente Favela Brasil
Fundação Avina
Inesc
Instituto Ethos – Empresas e Responsabilidade Social
Instituto Physis – Cultura & Ambiente
Instituto Sou da Paz
Instituto Update
Instituto Vladimir Herzog
Livres
Pacto – Org. Regenerativas
Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político
ponteAponte
Transparência Brasil”


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