26/04/2024 - Edição 540

Comportamento

Aqui está o motivo que pode fazer você ficar ‘viciado’ em fazer compras online

Publicado em 10/12/2019 12:00 -

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Não é segredo que algumas pessoas são obcecadas por compras (como este americano que mandou fazer um bolo no formato de uma caixa da Amazon para o aniversário da mulher). Mas, mais que isso, as pessoas estão obcecadas por comprar pela internet. Ainda mais nessa época do ano, quando qualquer festa serve de desculpa perfeita para justificar nossos gastos.

Mas, para alguns, as compras online podem ser uma obsessão perigosa – há pessoas que compram coisas todos os dias, às vezes a toda hora. Estima-se que cerca de 5% dos adultos nos países ricos tenham algum tipo de problema com consumo compulsivo – algo que especialistas chamam de transtorno de compras compulsivas. (Uma estimativa sugere que 6% dos americanos sofrem do problema.)

Alguns pesquisadores afirmam que esse transtorno deve ser formalmente classificado como doença mental, já que pode haver impactos negativos na vida das pessoas. Isso é especialmente verdade com a disseminação do comércio eletrônico. Segundo um novo estudo publicado pela revista científica Comprehensive Psychiatry, o transtorno de compras compulsivas oficialmente entrou para o ramo do varejo online. Cerca de 1/3 dos pacientes que buscam tratamento para o problema relatou sintomas de obsessão por compras na internet.

“Considerando as pesquisas recentes, a alta prevalência de transtorno de compras compulsivas e a interferência na vida diária, ela deveria ser reconhecida como uma doença mental à parte”, diz a autora principal do estudo, Astrid Müller, psicoterapeuta da Escola de Medicina de Hannover, na Alemanha.

É importante notar que o estudo foi realizado com um grupo pequeno de participantes (122), então é difícil tirar conclusões definitivas em relação à população como um todo. Os especialistas afirmam que é necessário fazer mais estudos, mas vários deles já acreditam ser o caso de estabelecer uma nova categoria de doença mental. 

Hoje, o transtorno compulsivo de compras é classificado como um “outro transtorno específico de controle de impulsos” na Classificação Internacional de Doenças. Mas certos especialistas afirmam que, como a compulsão por jogo, esse transtorno pode ter efeitos graves na vida diária das pessoas.

O que transforma as compras em uma preocupação de saúde mental

A compulsão por compras é essencialmente uma mistura de vício com transtorno de controle de impulsos. Segundo Müller, a característica básica é uma preocupação extrema e um desejo incontrolável de fazer compras. Na maioria das vezes, não há necessidade de comprar os itens, e eles ficam sem uso. Muita gente gasta além do que pode para satisfazer essa compulsão.

O ato de comprar traz prazer – às vezes até mesmo euforia – no momento, mas depois vêm efeitos potencialmente debilitantes. As compras são acompanhadas de consequências negativas, incluindo sensação de culpa, vergonha ou arrependimento. No longo prazo, pode haver impacto nos relacionamentos e sérios problemas financeiros.

É importante não confundir esse transtorno com certos “exageros” que todos fazemos de vez em quando. Passar um pouco dos limites é normal, diz Elias Aboujaoude, diretor da Clínica de Transtornos de Controle de Impulsos da Universidade Stanford.

“Não são só as pessoas com compulsão por compras que têm dificuldade de se controlar nas compras online. Acho que todo mundo cai em algum lugar desse espectro”, afirma Aboujaoude.

A diferença está nos efeitos que o transtorno pode ter em sua saúde mental e em sua vida. 

A compulsão por compras existe há muito tempo, mas o comércio online adicionou um novo capítulo

Compras compulsivas não são um problema novo. A questão tem mais de 100 anos, quando o psiquiatra alemão Emil Kraepelin a definiu como “mania por compras”. Desde então, milhões de pessoas ― incluindo celebridades como Jackie Kennedy  e William Randolph Hearst – teriam sofrido do problema.

Quando a internet surgiu, acreditava-se que a rede pudesse ajudar as pessoas compulsivas por compras, diz Aboujaoude. A expectativa era que o comércio eletrônico servisse como proteção contra os truques de marketing das lojas e as oportunidades de fazer ótimos negócios.

“Obviamente, não foi o que aconteceu. O marketing pela internet é muito mais sofisticado e focado em comparação com as lojas físicas. Você pode comprar o dia inteiro, o que também dificulta o controle”, afirma Aboujaoude.

Além da conveniência de “comprar com um clique”, pesquisas indicam que é muito mais fácil gastar dinheiro virtual do que dinheiro físico. Um estudo descobriu que as pessoas gastam até o dobro quando usam crédito em vez de dinheiro vivo.

Alguns pesquisadores atribuem isso a um conceito chamado acoplamento, ou o quanto a compra está e vinculada ao ato de pagar. Quando pagamos em dinheiro, sabemos imediatamente o quanto o produto nos custou – o acoplamento é direto. Com cartão de crédito, há uma desconexão temporal entre os atos de comprar e pagar.

“Sempre que você pode comprar algo com um mero clique, a distância entre você e seu dinheiro é tão maior, que você quase não a registra”, diz April Benson, psicóloga de Nova York especializada em compras excessivas.

Todos esses fatores ― a velocidade das compras online, as infinitas opções, a segmentação excessiva, a facilidade dos sistemas de pagamento ― alimentam a parte do cérebro associada ao vício e resultam na compulsão por compras, de acordo com Müller.

Como superar o problema

Donald Black, professor de psiquiatria da Universidade de Iowa, que pesquisou extensivamente comportamentos compulsivos de compras, dá conselhos para quem deseja entender melhor seus hábitos de compra.

Primeiro, livre-se dos seus cartões de crédito ou talão de cheques. “O crédito fácil alimenta o problema, assim como os cheques”, afirma Black. Por causa do fenômeno do acoplamento, usar dinheiro vivo ajuda a manter os gastos sob controle.

Depois, evite fazer compras sozinho. A maioria das pessoas costuma não comprar compulsivamente quando tem companhia, afirma ele.

Black também recomenda encontrar outras atividades além de fazer compras. Caminhar, exercitar-se, fazer trabalho voluntário ou então encontrar algum hobby criativo, como tricô. (Bônus: todas essas atividades também melhoram sua saúde mental.)

Benson, que aconselha as pessoas com problemas de vício em compras, sugere que seus pacientes anotem todos os seus gastos, pontuando cada um deles de acordo com a necessidade. O objetivo, diz ela, é mostrar quanto você pode economizar comprando só o que é realmente necessário.

Os desejos de comprar acabarão por diminuir, especialmente se você parar de alimentá-los, afirma Benson. Ela acrescenta que é necessário tomar algumas medidas concretas para progredir e superar o que pode ser um problema realmente incapacitante. 

“Acho que essa afirmação é muito verdadeira vai ao cerne da questão: você nunca vai ter o bastante daquilo de que não precisa”, disse Benson.

*Este texto foi originalmente publicado no HuffPost US e traduzido do inglês.


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