23/04/2024 - Edição 540

Comportamento

Como ajudar meninos a lidar com a raiva

Publicado em 10/12/2019 12:00 -

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Cinco anos atrás, quando descobri que teria meu primeiro filho menino, fiquei emocionada, feliz …e então preocupada com a questão da raiva.

Pouco antes de saber da minha gravidez, havia acontecido mais um massacre numa escola, seguido por uma nova leva de manchetes sobre garotos, discursos de ódio e armas de fogo.

Eu entendo que as raízes desse tipo de violência são profundamente complexas e sei que na minha própria vida estou cercada por homens amorosos e empáticos.

Mas eu era mãe de primeira viagem, estava com os hormônios à flor da pele e fiquei preocupada pensando que meu filho pudesse crescer em um mundo em que meninos jovens comentem esses tipos de atrocidades. 

Eu não era a única mãe que se angustiava com essa ideia. Os receios envolvendo meninos e o discurso de ódio são comuns, algo que o comediante e escritor Michael Ian Black captou em seu artigo de opinião de 2018 “The Boys Are Not All Right”, publicado no New York Times e que viralizou.

“O homem que se sente perdido, mas quer preservar seu eu plenamente masculino, só tem duas escolhas: isolar-se ou sentir raiva”, ele escreveu. O artigo recebeu mais de 2.100 comentários. Ficou claro que o texto bateu muito fundo para muitas pessoas.

Agora que já conheço meus garotos e passei anos observando suas pequenas personalidades belas e complexas se desenvolverem, esses temores que senti durante a gravidez parecem distantes e simplistas.

É claro que eles não têm uma dificuldade inerente em controlar sua raiva apenas porque são garotos. Mas é verdade que eles às vezes reagem com raiva – às vezes quando encaram alguma frustração, às vezes quando lhes peço para fazerem alguma coisa que não querem fazer. O que eu quero é ajudá-los a enfrentar com essa raiva, para que possam sentir a emoção mas não ser dominados por ela.

“Os pais precisam dar a seus filhos as ferramentas para entender seus sentimentos, e isso é algo que precisa ser desenvolvido, assim como se desenvolve a compreensão de outros conceitos complexos e abstratos”, disse Steven Myers, professor de psicologia da Universidade Roosevelt, em Chicago.

Portanto, em primeiro lugar, é útil entender o que é a raiva, basicamente: é uma reação a algo que é apreendido como uma ameaça. O corpo libera adrenalina (o hormônio que exerce um papel chave na resposta de lutar ou fugir), e a frequência cardíaca e pressão sanguínea se elevam. Não há problema algum em sentir raiva, e às vezes isso é altamente positivo.

Mas quando a raiva não é controlada de maneira sadia, ela pode se tornar problemática. Vejam algumas dicas para pais e mães guardarem em mente.

Em primeiro lugar, é preciso entender que pode, sim, haver diferenças no modo como meninos e meninas vivenciam e exprimem a raiva.

É evidente que há muitas nuances em termos de indivíduos e emoções – e como os indivíduos expressam essas emoções. Não é justo, nem preciso, dizer que todos os meninos sentem a raiva de uma maneira e todas as meninas de outra. E pesquisas revelam que a ideia de que meninos e homens sentem mais raiva que meninas e mulheres não passa de um mito.

Mesmo assim, especialistas dizem que há distinções que os pais podem querer ter em mente na hora de ajudam seus filhos a compreenderem tudo isso.

“Os psicólogos costumam dizer que os meninos exteriorizam e as meninas interiorizam os sentimentos mais difíceis. É mais provável que garotos levem sua raiva e seu sofrimento e os expulsem para fora, onde podem converter-se em agressão verbal ou física. No caso das garotas, há uma probabilidade maior de elas dirigirem sua raiva e frustração para dentro, contra elas mesmas, de modo que podem converter-se em sentimentos de culpa e até em depressão”, disse Meyers.

“Estou simplificando, é claro, mas existem, sim, diferenças de gênero nos índices dos diferentes transtornos, tanto no caso de meninos e meninas quanto de mulheres e homens.”

Ensine seu filho a atribuir nome a seus sentimentos

“O primeiro passo para aprender a administrar o estresse a raiva é ajudar seu filho a identificar o que está acontecendo e manifestar empatia com isso”, disse o assistente social Kelsey Torgerson.

As crianças menores nem sempre reconhecem o que estão sentindo. Mesmo os adultos muitas vezes têm dificuldade em identificar seus sentimentos reais.

Mas se você não entende qual é o problema – neste caso, sentimentos de raiva ou frustração que podem levar uma criança a se comportar agressivamente ―, não vai poder resolve-lo. É importantíssimo dar um nome ao sentimento ou emoção.

No caso de uma criança menor, pode ser o caso de descrever as emoções deles explicitamente. Dunn deu um exemplo: dizer “seu corpo dá a impressão de estar frustrado”, ou “parece que você está com raiva porque eu lhe disse ‘não’”.

Não tenha medo de parecer presunçoso ou de errar na interpretação. Seu filho talvez lhe diga que na realidade ele não está com raiva, mas que está sentindo x, y ou z coisas. E tudo bem. Você o ajudou a identificar o que está acontecendo dentro dele.

Crianças mais velhas e adolescentes provavelmente não vão reagir bem a esse tipo de sugestão, mas mesmo assim é possível que precisem de ajuda para identificar o que estão sentindo no momento.

Para eles, portanto, talvez seja mais o caso de dizer algo como “se eu estivesse nessa situação, provavelmente estaria com raiva. Me conte como isso está sendo para você”, recomendou Dunn.

Ajude-o a se tranquilizar

Os pais podem reagir à ira ou explosão de raiva de um filho, afastando-se (e é verdade que agir estrategicamente, ignorando explosões de raiva, pode ser uma maneira que ajuda a desativar essas explosões). Mas especialistas dizem que há muitas razões para os pais procurarem tranquilizar seu filho.

“A raiva pode tomar conta de uma criança pequena. A criança nem sempre é capaz de se acalmar sozinha”, disse Meyers. “Existem muitas maneiras de tranquilizar e reconfortar uma criança que está com raiva, mas para isso pode ser preciso os pais mudarem sua atitude ou foco no momento.”

Seja paciente e calmo. Deixe claro que você não quer apenas sufocar ou negar a raiva de seu filho naquele momento. Isso é especialmente importante com meninos, que historicamente sempre foram ensinados a reprimir suas emoções.

O objetivo final é ajudar seus filhos a chegarem a um ponto em que consigam se tranquilizar sozinhos. Para isso, talvez seja o caso de respirarem fundo algumas vezes, se afastarem de onde estão ou ficar a sós por alguns instantes para se acalmarem. Quando você mesmo age de maneira tranquilizadora e calma nessa hora, está dando um exemplo de compaixão por si mesmo e por outros, e isso é muito positivo. 

Imponha consequências

Não confunda ser tranquilizador com ser permissivo.

“As consequências são necessárias quando a raiva se manifesta como agressão, especialmente quando os meninos vão ficando mais velhos”, disse Myers. “Uma frase que uso muito quando trabalho com garotos é: ‘Você pode sentir o que quiser sentir, mas nem sempre pode fazer o que quiser’.”

As consequências podem assumir muitas formas, dependendo da idade de seu filho, de quais são as circunstâncias específicas e o que é mais adequado à personalidade dele – e é claro que essas coisas podem mudar a cada dia.

Mas coisas como time-outs curtos (deixar a criança sozinha num local sem distrações, por um tempo determinado) ou perdas de privilégios podem ser ferramentas poderosas para ensinar meninos que existe uma diferença entre emoções e comportamentos.

Passe um pouco de tempo pensando sobre o tipo de consequências que são aceitáveis para você, para não ficar fazendo ameaças aleatórias depois de seu filho ter expressado raiva de uma maneira que você não considera aceitável.

Certas estratégias funcionam melhor com algumas crianças que com outras. Pode ser preciso reavaliar e experimentar técnicas diferentes.

Lembre-se que o que você quer ensinar a seu filho é que é tudo bem ele sentir raiva e expressar que está com raiva. O que não é tudo bem é colocar essa raiva para fora de maneira agressiva.

Se você estiver preocupado com o jeito que seu filho lida com a raiva, procure ajuda

“Para avaliar se um comportamento é um sintoma de um transtorno psicológico, os psicólogos utilizam padrões de frequência do comportamento, duração, intensidade e até que ponto ele é apropriado para uma criança dessa idade”, disse Meyers.

Logo, os pais que estiverem preocupados com a raiva ou agressividade de seu filho devem prestar atenção a esses critérios. Não existem regras rígidas sobre o que é ou não é típico, mas se seu filho parece estar sentindo raiva diariamente, pode ser um sinal de que algo mais sério está acontecendo, disse Meyers.

Para Dunn, também é útil verificar se determinados comportamentos, como agressão, estão ocorrendo em ambientes diversos – por exemplo, se seu filho está tendo problemas semelhantes em casa e na escola.

Esse tipo de consistência sugere que o problema não está tanto na situação em que a criança se encontra, mas está mais relacionado à reação que ela costuma ter quando sente raiva.

Especialistas dizem que, se você estiver preocupado, um bom ponto de partida é conversar com o pediatra de seu filho. Falar com os professores dele também pode ajudar. Pode ser preciso investigar um pouco para chegar à origem do problema.

“Os pais nem sempre sabem o que está acontecendo por baixo da raiva de seus filhos. Pode haver estresse, ansiedade ou depressão”, disse Dunn. “É importante descobrir o que pode ser.”

*Este texto foi originalmente publicado no HuffPost US e traduzido do inglês.


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