24/04/2024 - Edição 540

Poder

Governo suja o nome do Brasil lá fora ao brigar com dados e estatísticas

Publicado em 09/12/2019 12:00 -

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O Financial Times, um dos jornais sobre economia mais importantes do mundo, trouxe uma reportagem questionando a credibilidade de dados divulgados pelo governo Jair Bolsonaro.

"O Ministério da Economia do Brasil revisou seus números de exportação pela segunda vez em menos de uma semana, colocando dúvidas sobre as principais divulgações de dados relevantes e deixando os analistas se perguntando se ainda devem confiar nas estatísticas brasileiras", afirma o texto.

De acordo com a reportagem, números mostravam uma deterioração do saldo da balança comercial. Daí, o Ministério da Economia revelou que as exportações em novembro foram 3,8 bilhões de dólares maior do que anteriormente divulgado. Dias depois, afirmou que o erro havia sido uma falha no registro nos últimos três meses e que exportações de setembro e outubro também haviam sido subnotificadas em 1,37 bilhão e 1,35 bilhão de dólares, respectivamente.

"As recentes revisões e a possibilidade de mais por vir levantaram dúvidas pela primeira vez sobre os dados brasileiros, vistos há muitos tempo como um exemplo de pontualidade e transparência entre os países emergentes", afirma a reportagem.

Quem deseja cortes e mais cortes no quadro de servidores públicos deve saber que eles trazem consequências, como sobrecarga de pessoal encarregado de produzir informações, por exemplo. Cortes que o próprio Financial Times defende, diga-se de passagem.

O Brasil sempre produziu números confiáveis, nossos institutos têm renome internacional e os trabalhadores desses órgãos são de grande competência. Não é preciso ser especialista para entender que um país deve fornecer dados confiáveis não apenas sobre sua economia, mas a respeito dos outros aspectos da vida cotidiana, a fim de que pessoas, organizações e empresas tomem decisões baseadas na realidade. Mesmo, e principalmente, se os dados forem negativos. Diante disso, não importa se erros são originados por má gestão, incompetência ou má fé, esse tipo de coisa é desastrosa para a imagem do país lá fora.

Ainda mais em um momento em que o próprio governo, insatisfeito com a realidade, vem comprando brigas com indicadores. Para ele, não raro, o problema não é a febre, mas o termômetro.

Bolsonaro já afirmou que a metodologia de cálculo de desemprego do IBGE estava errada porque não concordava com ela. O general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, disse que as taxa de desmatamento eram manipuladas e infladas. Osmar Terra, do Ministério da Cidadania, disse não confiar em pesquisas da Fiocruz, instituição de renome internacional. O chanceler Ernesto Araújo não acredita em mudanças climáticas e afirmou que o aumento da média da temperatura global ocorreu porque estações de medição de temperatura que estavam no "mato" hoje estariam no "asfalto". O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, menosprezou o questionário do Censo.

Um bom exemplo foram as brigas públicas durante o salto no desmatamento ocorrido neste ano. Após dizer que tem a "convicção" de que dados de desmatamento da Amazônia do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais são "mentirosos"; acusar Ricardo Galvão, chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, de estar "a serviço de alguma ONG"; ouvir resposta do próprio Galvão, afirmando que ele tomou uma atitude "covarde" e que espera a repetição da acusação olho no olho, Bolsonaro revelou que o objetivo era maquiagem.

Disse que estava preocupado com dados que podem "prejudicar o país", ser "propaganda negativa" ao Brasil no exterior. E que se Galvão tivesse identificado dados alarmantes, deveria ter procurado seus superiores para avisar por questão de "responsabilidade" e "patriotismo".

Bolsonaro é um motorista que conduz o governo por uma estrada esburacada e, ao invés de usar toda informação possível para uma travessia tranquila, grita que as placas sinalizando "pista escorregadia" são fake news e acelera. Após um esperado acidente, lamenta o acidente dizendo que nunca desconfiou das placas ou as culpa por uma suposta falta de clareza – e critica quem diz que ele não sabe dirigir.

Isso seria engraçado se nós não fossemos passageiros desse carro, que não conta com cinto de segurança e, claro, nem cadeirinha de bebê porque o governo disse que sua obrigatoriedade é um absurdo.

Políticos pouco afeitos à democracia, quando colocados contra a parede, tendem a reduzir a transparência de informações às quais a sociedade tem acesso a fim de adaptar a realidade à sua narrativa. Esperemos que diante de cenários negativos o governo não esteja pensando em torturar os números até que eles gritem o que ele deseja ouvir. O Brasil, que já anda com a credibilidade baixa, vai passar a ser visto como o café-com-leite das relações internacionais.

"Falhas" na divulgação de dados econômicos, críticas às estimativas públicas sobre desemprego, ataques a índices de desmatamento… O governo brasileiro ainda está longe do descrédito que acometeu a Argentina do tempo da então presidente Cristina Kirchner, em que os dados oficiais do Indec, o IBGE argentino, sobre PIB, inflação e até sobre pobreza eram motivo de chacota no mundo todo. Mas poderá chegar lá rapidamente se esses tropeços e discursos mal explicados continuarem.

Pibinho

A economia cresceu 0,6% no penúltimo trimestre do ano (julho, agosto e setembro). O resultado é comparável ao mesmo período de 2012. Ou seja: o crescimento é lento. O PIB está longe de alcançar os patamares pré-recessão.

No momento, o que tisna o desempenho da ecomomia é a expressão "no entanto". O mercado de trabalho melhora. No entanto, 41% da força de trabalho é informal. O consumo das famílias cresce. No entanto, a taxa e investimentos ainda é baixa.

Crescem os investimentos na construção civil. No entanto, os investimentos em infraestrutura permanecem estacionados. Aprovou-se a reforma da Previdência. No entanto, as reformas pós-Previdência não deslancharam.


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