25/04/2024 - Edição 540

Poder

Moro tratou país como Casa da Mãe Joana ao liberar grampos em Lula e Dilma

Publicado em 29/11/2019 12:00 -

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Se o ensino de História não for trocado pelo de Propaganda Estatal no futuro próximo, o 16 de março de 2016 será estudado como um momento em que as instituições brasileiras deram tilt. Nesse dia, o então juiz federal Sergio Moro mandou retirar o sigilo do grampo telefônico que tinha Lula como alvo. No pacote, havia uma conversa com a então presidente Dilma Rousseff a respeito de sua nomeação como ministro-chefe da Casa Civil, captada após o final do prazo autorizado para interceptação e que, portanto, deveria ser descartada. Além disso, envolvia uma chefe de Estado. Portanto, o grampo só poderia ter sido liberado com autorização do Supremo Tribunal Federal.

Um juiz de primeira instância quebrou a lei de forma ostensiva contra um adversário do seu campo político, da mesma forma que, durante as eleições do ano passado, vazou as delações de Antônio Palocci, criando um factoide sem novidades, prejudicando a candidatura do PT. Para quem discorda, bradando que o referido magistrado não contava com preferências políticas, sugiro que pergunte isso ao hoje ministro da Justiça e Segurança Pública do governo de Jair Bolsonaro.

Não existe o condicional em História, mas seria mais difícil concretizar o impeachment de Dilma caso Lula assumisse formalmente o papel de articulação política de seu governo. A força-tarefa da Lava Jato afirmou que o interesse da nomeação era dar foro especial a Lula no STF para o julgamento do caso. Pode ser. Mas outros grampos não revelados por Moro apontam que a razão era salvar o governo, o que é motivo político e, portanto, inconteste. Em um deles, Lula conversou com o então vice-presidente Michel Temer sobre a necessidade de reunir os partidos para lutar contra a antipolítica diante das manifestações de rua.

As revelações em torno daquele dia fatídico continuam a irritar Sergio Moro. Neste domingo, reportagem de Ricardo Balthazar, da Folha de S. Paulo, e Rafael Neves, do The Intercept Brasil, trata de uma pesquisa da própria força-tarefa da Lava Jato mostrando que os grampos foram liberados sem sigilo apenas no caso do ex-presidente dos grampos.

Como resposta, Moro afirmou que o sigilo foi levantado em vários processos e que "questionar a publicidade de processos judiciais, três anos depois, além de ser uma tentativa sensacionalista e descontextualizada de revisionismo, revela mera intenção de invalidar sentenças de criminosos". Ou seja, sentiu.

A Laja Jato prestou um serviço ao Brasil ao punir envolvidos em corrupção – foi uma das raras vezes em que empresários passaram uma temporada na cadeia, o que é raro neste país em que presídio é feito para conter pobre. Mas, ao mesmo tempo, há farta evidência que fez malabarismo jurídicos para condenar e foi utilizada como instrumento para beneficiar determinada ideologia e, consequentemente, seus grupos políticos. Ou seja, tornou-se um problema para a democracia.

Moro foi criticado pelo ministro Teori Zavascki e pediu uma desculpa meia boca, nunca assumindo publicamente que cometeu um delito. Foi apoiado por colegas e tribunais, que ainda consideram que a Lava Jato podia tomar medidas extraordinárias por tratar de situações extraordinárias. Ou seja, dando a Curitiba soberania para fazer o que achasse melhor. Mais do que isso: conferindo a Moro e procuradores poderes absolutistas, o que não combina com uma república.

Depois disso, o ministro Gilmar Mendes bloqueou a nomeação de Lula e o governo Dilma perdeu sua última chance de se manter. Independentemente de gostar de Dilma, Lula ou o PT, essa história separa a civilização (que deve ser capaz de processar e punir criminosos dentro de parâmetros estabelecidos) da barbárie (que passa por cima de direitos e regras).

Ironicamente, Moro e a Lava Jato reclamam dos vazamentos das conversas do aplicativo de mensagens Telegram, que mostraram como o juiz orientou os procuradores e fez o que estava e, principalmente, o que não estava a seu alcance para cassar Dilma e prender Lula.

"A violação criminosa das comunicações de autoridades constituídas é uma grave e ilícita afronta ao Estado." A frase não é da defesa de Dilma Rousseff, mas estava na nota pública divulgada pelo Ministério Público Federal no Paraná, no dia 9 de junho deste ano, reclamando da série de reportagens do site The Intercept Brasil.

Ou seja, só é ilegal quando nos atinge.

As reportagens mostram que Deltan Dallagnol e Sergio Moro trocaram mensagens antes de levantar o sigilo sobre os áudios. E, diante da repercussão, conversaram sobre o caso novamente:

Dallagnol – A liberação dos grampos foi um ato de defesa. Analisar coisas com hindsight privilege é fácil, mas ainda assim não entendo que tivéssemos outra opção, sob pena de abrir margem para ataques que estavam sendo tentados de todo jeito […]

Moro – nao me arrependo do levantamento do sigilo. Era melhor decisão. Mas a reação está ruim.

O dia 16 de março acelerou o processo de derretimento das instituições e do respeito da sociedade a elas, o que não pode ser freado do dia para a noite após iniciado. Demanda nova pactuação política e social, aliada a muito suor em articulações para a construção de consensos. A reação em cadeia de determinados atos nos levou para o incerto, com a eleição de uma figura sem apreço pelas instituições e a aceitação de soluções autoritárias por parte de uma população cansada do clima de "vale tudo" e de "ninguém é de ninguém".

O Supremo Tribunal Federal, por sua ação e inação, por dar pesos diferentes a crimes semelhantes dependendo do réu, por se calar quando precisávamos que ele reafirmasse a Constituição Federal e por passar por cima da Constituição quando bem quis, também é responsável pelo esgarçamento institucional que vivemos. Discurso e prática deveriam ter sido outros há muito. Temo que, infelizmente, o tempo para que uma corte hesitante e dividida evite que a Justiça saia dos trilhos passou. E, agora, vai ser difícil remediar.

Há uma chance disso no julgamento sobre a suspeição de Moro no Caso do Triplex atribuído a Lula. Não apaga o papel do STF até aqui, adubo para o crescimento de "medidas extraordinárias". Mas indica que o devido processo legal, que garante que todos sejam julgados de forma isenta, ainda não morreu no Brasil.

Para o professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Wagner Romão, o julgamento do habeas corpus da defesa de Lula que questiona a suspeição de Moro precisa ocorrer “o mais rápido possível”.

Segundo a colunista Mônica Bergamo, no jornal Folha de S.Paulo, a análise da suspeição de Moro poderia ficar apenas para o início do ano que vem. Aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, Romão afirmou que a demora em julgar a atuação do ex-juiz, que atuou politicamente para tirar Lula da disputa eleitoral do ano passado, seria inclusive uma violação aos direitos civis de condenados na Lava Jato que aguardam revisão das suas sentenças.

“A suspeição está evidente. Vai ter um impacto não só no julgamento do Lula, mas também no julgamento de uma série de atores políticos que já foram julgados nas primeiras instâncias. Se ficar para o início do ano que vem, já é tardio. A gente precisa entender que aquelas pessoas que estão em julgamento ficam tensionadas pelo resultado. Isso já é uma violência contra direitos civis. Vamos aguardar que essa decisão ocorra o mais rápido possível, para que essas pessoas tenham um julgamento justo”, afirmou o professor.

Corporativismo

Além da atuação política de Moro, as conversas reveladas pela Vaza Jato denunciam a partidarização de setores do Ministério Público (MP). A instituição, criada para atuar na defesa dos direitos difusos e coletivos, se distanciou dessa missão, segundo o professor da Unicamp, e o corporativismo entre os seus integrantes também impede uma depuração entre os seus quadros. O caso mais explicito da “autodefesa” movida pelos integrantes do MP é a demora para que o procurador Deltan Dallagnol seja submetido a julgamento pelos seus próprios pares pelos abusos cometidos na condução da Lava Jato.

“O que precisamos é cobrar o MP e fortalecer os setores ainda comprometidos com a democracia e denunciar essa corporativização do MP, que acaba defendendo não só um lado da política contra outro, mas também acaba se autodefendo, livrando a cara desses maus procuradores”, disse Romão.


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