25/04/2024 - Edição 540

Poder

TRF ignora STF e mantém sítio e triplex definindo futuro do país

Publicado em 29/11/2019 12:00 -

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O Tribunal Regional Federal da 4ª Região ignorou decisão do Supremo Tribunal Federal, de que a defesa dos réus delatados deve apresentar alegações finais após os delatores, e confirmou a condenação de Lula no caso em que é acusado de aceitar propina através de reformas num sítio em Atibaia (SP). Por unanimidade, ampliaram sua pena de 12 anos e 11 meses para 17 anos e 40 dias.

Os desembargadores disseram que não foi demonstrado prejuízo com a inversão de ordem de delatores e delatado no caso do ex-presidente. "Nem houve inversão, houve prazo comum, todos no mesmo prazo e na mesma data", afirmou o relator João Pedro Gebran Neto.

A questão sobre prejuízo é sempre bastante complicada de aferir. Porque, para um réu, é difícil imaginar prejuízo maior do que ser condenado.

Do ponto de vista jurídico, apesar do Supremo ter assentado um posicionamento, o TRF-4 não considerou essa decisão vinculante. Há professores de Direito Penal consultados pelo blog que afirmam que isso não é tão heterodoxo. Como a questão não foi resolvida, deve subir ao Superior Tribunal de Justiça e, muito provavelmente, voltar ao STF.

Do ponto de vista político, contudo, pode-se dizer que o TRF-4 fez o que a parcela antipetista e lavajatista da população brasileira queria, remetendo a decisão ao STF – corte que, junto a esse público, ganhou fama de leniente. Para os mesmos professores, o tribunal jogou para a galera e devolveu a batata quente para os ministros.

Mas isso também pode ser um tiro na água. Junto ao público que não é nem Lula Livre, nem bolsonarista e lavajatista, isso tende a alimentar o discurso do ex-presidente como vítima de uma armação. Dando um giro por portais de veículos de comunicação logo após a decisão ser tomada, incluindo aqueles simpáticos à operação, a maioria das manchetes dizia que os desembargadores contrariaram, ignoraram, driblaram o Supremo para confirmar a condenação.

E, principalmente, por uma questão de tempo. Se o TRF tivesse mandado o caso de volta à primeira instância agora, a defesa faria suas alegações finais, o magistrado responsável daria a mesma decisão (sem usar as partes que a juíza Gabriela Hardt copiou de sentença anterior do então juiz federal Sérgio Moro com relação ao caso do tríplex do Guarujá) e o tribunal certamente o condenaria.

A Lava Jato, que quer Lula de volta à cadeia, ganharia tempo, pois a questão da prisão em segunda instância só deve andar no Congresso Nacional em 2020. E, do jeito em que está o processo, há uma boa chance do STF mandá-lo de volta à primeira instância para que novas alegações finais sejam feitas. 

Se isso acontecer e se o Supremo Tribunal Federal votar pela suspeição de Moro no julgamento de Lula (tendo como base os vazamentos dos diálogos divulgados pelo site The Intercept Brasil), Lula estará com dois casos novamente na primeira instância. E, portanto, seria cancelada sua inelegibilidade. A depender do momento em que isso aconteça, podemos ter uma corrida da Justiça Federal do Paraná e do TRF-4 pela condenação, como foi em 2018.

Claro que, para existir um Lula elegível em 2022, é necessário uma tempestade perfeita – improvável, mas não impossível por conta do roteirista desta chanchada chamada Brasil. No meio do caminho, o ministro Luiz Fux assume o STF e Luís Roberto Barroso, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), dois nomes que não darão trégua ao ex-presidente, além da aposentadoria compulsória do decano e garantista Celso de Mello.

De qualquer maneira, um sítio e um triplex seguirão definindo, por um bom tempo, o destino do país.

Se Congresso aprovar prisão em segunda instância, Lula volta para a cadeia?

Na semana passada, a Câmara e o Senado avançaram com propostas para voltar com a prisão em segunda instância — que era a regra até o dia 7 de novembro, quando o STF decidiu que ninguém pode ser preso antes do fim do processo.

Mas se o Congresso realmente aprovar uma lei ou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) nesse sentido, o que acontecerá com as pessoas que estavam presas e foram soltas graças à decisão do STF no começo do mês? O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltará para a cadeia?

A resposta é: depende.

A principal questão é saber qual tipo de norma será aprovada pelo Congresso — e também como o STF irá reagir, segundo advogados criminalistas e um procurador da República.

Mas há um ponto no qual especialistas favoráveis e contrários à prisão em segunda instância concordam: uma simples mudança no Código de Processo Penal (CPP) não poderia levar nem Lula, nem o DJ de funk Rennan da Penha ou qualquer outro de volta à cadeia. A nova norma passaria a valer para crimes cometidos depois da sua aprovação.

Mudar o CPP é a estratégia proposta pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Enquanto isso, na Câmara, o que avança é uma proposta de emenda à Constituição sobre o mesmo tema.

Lula pede 'juízo' ao Congresso; senadora diz que projeto não visa petista

Condenado em 2ª instância no caso do "tríplex do Guarujá", Lula teve a sentença mantida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em abril deste ano. O petista deixou a cadeia em 8 de novembro, no dia seguinte à decisão do STF sobre segunda instância.

É também o caso do DJ carioca de funk Rennan da Penha: condenado em 2ª instância por associação ao tráfico, ele deixou a cadeia no último dia 23.

A pressão pela volta da prisão em segunda instância começou no Congresso no dia seguinte à soltura de Lula.

Em sua primeira entrevista após deixar à prisão, Lula pediu "juízo" aos congressistas ao deliberarem sobre o assunto. "Espero que o Congresso tenha juízo. Constituição não é um manuscrito que a gente pode jogar fora toda hora", disse ele ao jornalista e escritor Fernando Morais.

Mas nem todos os defensores da prisão em segunda instância admitem que o debate gira em torno de Lula. A senadora Selma Arruda (Pode-MT) lembra que o projeto anticrime de Sergio Moro, que já previa a prisão após segunda instância, é anterior à soltura de Lula.

"Este fantasma da soltura de Lula não é o que nos guia. O que nos guia são as milhares de pessoas que estão sendo soltas no Brasil todos os dias por causa de uma decisão (do STF) que visou, sim, beneficiar o Lula. Mas o que nos interessa são os estupradores, os latrocidas, os corruptos, os canalhas que estão sendo soltos todos os dias por conta desta decisão do STF", disse ela à BBC News Brasil.

Selma Arruda é a relatora de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) sobre o tema na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado — embora, no momento, a maioria dos senadores aposte na aprovação do projeto de lei que muda o Código de Processo Penal (CPP).

Projeto de Moro não levaria Lula de volta à cadeia

Para parte dos senadores, o foco é aprovar um projeto de lei para mudar o Código de Processo Penal (CPP) — de forma a determinar que o cumprimento da pena possa ser iniciado já depois da condenação pela segunda instância. Como projeto de lei, a aprovação é mais rápida que uma emenda à Constituição, que tem um rito mais longo a ser cumprido no Congresso, além de precisar de mais votos.

Apesar disso, também há no Senado uma PEC sobre o mesmo tema — que pode ser votada na CCJ da Casa esta semana.

O projeto de lei atual é inspirado numa proposta anterior sobre o tema, que integrava o "pacote anticrime" apresentado por Sergio Moro ao Congresso no começo do ano. O projeto foi apresentado após um grupo de senadores se reunir com Moro no último dia 20.

"Aprovar um pacote é muito mais difícil que aprovar um projeto de lei específico. Então tiramos aquela ideia básica do Moro, aprimoramos um pouco aquela ideia básica dele, para poder agora fazer um projeto de lei", disse a senadora Selma Arruda.

"Nós optamos pelo projeto de lei por a tramitação ser mais rápida. Ocorre que, tanto o projeto de lei quanto a PEC, não são antagônicos. Então não vamos abrir mão nem da aprovação de um, nem de outro", disse ela.

Caso o Senado opte por alterar o Código de Processo Penal (CPP), porém, isto não significaria o retorno de Lula, de Rennan da Penha ou de qualquer outra pessoa à cadeia: um projeto deste tipo teria reflexos no direito penal, e por isso seus efeitos não poderiam atingir situações passadas — a não ser que beneficiassem os réus.

A análise foi feita de forma independente por três especialistas consultados pela BBC News Brasil: os advogados e professores de direito penal Fernando Castelo Branco e João Paulo Martinelli, e o procurador da República Bruno Calabrich.

Castelo Branco, por exemplo, acredita que leis ou PECs deste tipo seriam consideradas inconstitucionais pelo STF. E mesmo que não fossem, uma alteração no CPP não poderia retroagir para prejudicar o réu.

"O que se discute é que temos efeitos penais nessa alteração (do CPP) (…). Eu entendo que, apesar de ser uma regra processual, ela tem efeitos penais. E quando existem efeitos penais, não se pode retroagir para prejudicar o réu. Já as normas processuais puras têm efeitos imediatos, não importa se são mais ou menos benevolentes", explica ele, que é professor de processo penal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e da Escola de Direito do Brasil (EDB).

Castelo Branco lembra ainda que, em novembro de 2020, se aposentará o ministro Celso de Mello, atual decano do STF — ele foi favorável à tese contrária à prisão em segunda instância. Em seguida, em julho de 2021, se aposenta Marco Aurélio Mello, outro defensor do trânsito em julgado. Por isso, o equilíbrio no tribunal sobre essa questão pode mudar.

"Há uma certa confusão. Algumas pessoas pensam que, por se tratar de uma mudança no Código de Processo Penal, que se trataria de uma norma apenas processual. Mas não: tem implicações no direito material. E por isso não pode retroagir para prejudicar o réu", explica Martinelli, que é advogado e doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP).

Segundo Martinelli, há duas hipóteses nas quais Lula poderia voltar para a cadeia: caso seja preso preventivamente — se algum juiz entender que ele está tentando obstruir as investigações, por exemplo. Ou se o STF julgar (e rejeitar) o recurso apresentado pelo ex-presidente no caso do "tríplex do Guarujá".

Desta forma, o processo terá transitado em julgado, não cabendo mais recursos.

A proposta da Câmara: reviver a PEC de Peluso

Ao contrário dos senadores, os deputados desejam alterar o texto da Constituição.

No último dia 20, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou uma proposta que permite o início do cumprimento da pena logo depois da segunda instância. A proposta teve 50 votos favoráveis e apenas 12 contrários.

Agora, a PEC precisa passar por uma comissão especial (um grupo de deputados designado para analisá-la) antes de seguir para o plenário da Câmara.

A proposta foi apresentada pelo deputado Alex Manente (Cidadania-SP), e não mexe no Art. 5º da Constituição. Em vez disso, muda outros pontos da Constituição para alterar o conceito de "trânsito em julgado": este passaria a ocorrer depois da condenação em 2ª Instância (hoje, isto só ocorre depois de esgotados todos os recursos, inclusive no STJ e no STF).

O inciso 57 (LVII) do Art. 5º é aquele segundo o qual "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Trata-se de uma cláusula pétrea da Constituição — que não pode ser alterada.

A proposta de Alex Manente recupera uma ideia apresentada em 2011 pelo ex-ministro do STF Antonio Cezar Peluso, e que ficou conhecida à época como "PEC dos Recursos": pela proposta, os processos judiciais terminariam (isto é, transitariam em julgado) depois de julgados pela segunda instância (TJs dos Estados e Tribunais Regionais Federais). Os recursos hoje possíveis ao STF e ao STJ passariam a ser novas ações, independentes dos processos originais.

Para o procurador da República Bruno Calabrich, uma proposta deste tipo poderia, em tese, representar a volta de pessoas como Lula e Rennan da Penha para a cadeia — a depender do que o texto final aprovado pelo Congresso dirá sobre o que os casos anteriores.

"No caso de uma proposta de Emenda à Constituição é mais fácil defender a tese de que essas pessoas deveriam retornar à cadeia. Mas é temerário fazer afirmações sobre o que aconteceria sem antes ver qual o texto aprovado", disse ele.

No entanto, nem todos concordam com esta leitura: para o advogado criminalista Fernando Augusto Fernandes, a proposta da Câmara representaria uma espécie de "burla" à decisão do STF no começo do mês, e certamente seria contestada na corte.

"O art. 5º não pode ser alterado, porque é cláusula pétrea. E as outras reformas, que pretendem alterar os artigos (da Constituição) relativos ao recurso especial (ao STJ) e ao recurso extraordinário (ao STF), transformando-os em ações (independentes) não teriam qualquer efeito, seriam inconstitucionais. O objetivo no fundo é alterar o art. 5º, por via transversa. Nenhuma reforma que está sendo realizada pode superar a decisão do STF. Essas mudanças são inviáveis", avaliou ele.


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