28/03/2024 - Edição 540

Poder

Zero Um terá de trocar cinismo por explicações

Publicado em 29/11/2019 12:00 -

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O Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou o amplo compartilhamento de dados financeiros por órgãos de fiscalização e controle, como a Receita e o antigo Coaf, rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira (UIF), com membros do Ministério Público, procuradores e policiais para integrar investigações de crimes de lavagem de dinheiro, sem autorização judicial prévia. O julgamento foi encerrado por volta das 18h40 de quinta-feira, 28.

Oito ministros votaram pelo total compartilhamento das informações. Foram eles: Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Por outro lado, o presidente da Corte, Dias Toffoli, e os ministros Marco Aurélio Mello e Celso de Mello votaram por impor restrições. Na prática, o julgamento derruba a liminar que suspendia as investigações baseadas em dados de órgãos de fiscalização e controle, entre elas a que envolvia o senador Flávio Bolsonaro.

Antes de encerrar a sessão, o ministro Dias Toffoli afirmou que, na próxima sessão, marcada para a quarta-feira (4), o plenário irá debater o alcance da decisão.

O tema do compartilhamento de informações por órgãos de fiscalização e controle ganhou repercussão nos últimos dias depois que Toffoli pediu à UIF (Unidade de Inteligência Financeira) cópias de todos os Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) produzidos nos últimos três anos. No total, eram cerca de 19.000 relatórios sigilosos, que tinham informações sobre 600.000 pessoas e empresas, incluindo políticos com foro privilegiado. Diante de críticas de entidades que representam procuradores, Toffoli voltou atrás na decisão.

Zero um

Flávio Bolsonaro está na bica de ser devolvido à grelha do Ministério Público do Rio de Janeiro. Formou-se no Supremo Tribunal Federal uma maioria a favor do óbvio: o antigo Coaf tem o dever de comunicar indícios de crimes às autoridades encarregadas de investigar e denunciar criminosos.

O repasse de dados dispensa ordem judicial. O mesmo entendimento deve ser estendido à Receita Federal.

Prevalecendo a lógica, esse julgamento resultará em duas consequências. A primeira, inquestionável, é o reconhecimento de que Dias Toffoli, presidente do Supremo, fez uma lambança ao congelar há quatro meses a investigação contra o filho Zero Um do presidente e outros 935 inquéritos.

A segunda consequência, ainda pendente de reconhecimento, é a provável revogação da liminar que blindou Flávio Bolsonaro e Cia. Nessa hipótese, o primogênito de Bolsonaro terá de abandonar o cinismo das firulas jurídicas e levar meio quilo de explicações à balança da Justiça.

O que acontece agora ?

O filho do presidente Jair Bolsonaro é investigado por suspeitas de desvio de recursos de seu ex-gabinete de deputado estadual no Rio de Janeiro, apuração que foi alimentada por dados do antigo Coaf. Flávio Bolsonaro nega as acusações e questiona a idoneidade das investigações das quais é alvo.

A princípio, a decisão do STF abre caminho para a retomada da investigação contra o senador. No entanto, a Corte deixou para a próxima quarta-feira a definição de parâmetros mais específicos para a atuação da UIF. A partir disso, ficará mais claro o futuro do caso de Flávio Bolsonaro.

Além disso, há ainda uma decisão específica de setembro, do ministro Gilmar Mendes, paralisando a apuração contra o senador. Essa decisão atendeu a outro recurso da defesa do parlamentar, argumentando que o Ministério Público do Rio de Janeiro estava desrespeitando a decisão de Toffoli e continuava investigando Flávio Bolsonaro. Como a decisão de Mendes se baseia na liminar de Toffoli, a expectativa é que ela também será revogada.

Na tentativa de anular a investigação, a defesa de Flávio Bolsonaro argumenta que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) pediu ao antigo Coaf que o órgão solicitasse informações extras sobre o parlamentar a bancos. Além disso, acusa os promotores de terem pedido isso por por e-mail, ou seja, fora do sistema oficial da UIF.

O Ministério Público do Rio, por sua vez, repudiou essas acusações e disse por meio de nota que "em nenhum momento deixou de cumprir rigorosamente a legislação pertinente e o procedimento oficial no que tange à obtenção de informações" da UIF.

A depender das regras que o STF definir na semana que vem, é possível que a defesa do senador apresente novos recursos questionando a forma como os promotores do Rio de Janeiro solicitaram seus dados ao antigo Coaf.

Vale lembrar que o primeiro RIF que respingava sobre o senador tratava exclusivamente de Fabrício Queiroz, ex-assessor no seu antigo gabinete de deputado estadual. Esse relatório apontava movimentação suspeita de R$ 1,2 milhão no período de um ano. Posteriormente, porém, o Ministério Público do Rio de Janeiro recebeu relatório sobre as movimentações do senador.

Ao longo do julgamento, ministros como Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux ressaltaram que a UIF não pode solicitar dados aos bancos, mas apenas produz Relatórios de Inteligência Financeira a partir de informações que lhe são enviadas por instituições financeiras, joalherias e concessionárias seguindo regras pré-estabelecidas que definem o que são transações suspeitas – por exemplo, compras em alto valor pagas em dinheiro vivo ou uma série de depósitos sequenciados em dinheiro.

"Quando o Ministério Público solicita à UIF informações sobre operações suspeitas referentes a determinados investigado/acusado, a UIF simplesmente consulta sua base de dados já existente para prestar a informação, mas não lhe é permitido solicitar aos bancos informações novas sobre movimentações financeiras", destacou Barroso.

Para Fachin, a forma de atuação do Coaf impede que sejam produzidos RIFs encomendados, como repudiou Dias Toffoli em seu voto.

"Isso retira, a meu ver, a possibilidade que se verifica de alegadas devassas sob encomenda", argumentou Fachin.

No caso da Receita Federal, votaram para permitir o repasse de dados detalhados pelo órgão ao Ministério Público quando houver indícios criminosos levantados em processo administrativo fiscal os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.

"O compartilhamento dessa prova nada mais é do que prova emprestada, lícita", argumentou Moraes.

"Se a prova foi obtida pela Receita licitamente (no processo administrativo), não deve haver fundamento jurídico que impeça esse compartilhamento com o Ministério Público diante de indícios de conduta criminosa", defendeu também Barroso.

Já Celso de Mello e Marco Aurélio votaram contra a possibilidade do Fisco compartilhar qualquer informação com o órgão de investigação por considerar que isso fere o direito constitucional à privacidade.

O presidente do STF, por sua vez, autorizou em seu voto apenas o livre compartilhamento de "informações globais", tais como inconsistência entre patrimônio e renda totais declarados e algumas movimentações financeiras, mas não permitiu que a Receita repasse dados detalhados como extratos bancários ou a íntegra da declaração de Imposto de Renda sem autorização judicial por considerar que isso seria quebra de sigilo fiscal e bancário.


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