25/04/2024 - Edição 540

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Bolsonaro é denunciado no Tribunal Penal Internacional por ataques a indígenas

Publicado em 29/11/2019 12:00 -

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O presidente Jair Bolsonaro foi denunciado ao Tribunal Penal Internacional (TPI) por incitar o genocídio e promover ataques sistemáticos contra os povos indígenas do Brasil. A denúncia foi feita pelo Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) e pela Comissão Arns, que reúne ex-ministros e defensores dos direitos humanos. O documento foi entregue à procuradora-chefe do TPI, Fatou Bensouda. Ela vai solicitar informações sobre as ações de Bolsonaro a Estados, órgãos das Nações Unidas, organizações intergovernamentais ou não-governamentais e a outras fontes que considere relevantes.

Se ela entender que há base suficiente para sustentar as denúncias, vai apresentar um pedido de autorização de investigação à Câmara de Questões Preliminares, instaurando um inquérito para apurar os crimes. As normas do tribunal são claras quanto às possibilidades de responsabilização de chefes de Estado quando estes incitam, praticam ou se omitem diante de crimes contra a humanidade. De acordo com o direito internacional, eles têm o dever de coibir crimes e proteger populações vulneráveis. Portanto, ao agir de forma oposta ao seu dever, deve ser responsabilizado.

Crimes sob jurisdição do Tribunal Penal Internacional não prescrevem. Mesmo que a análise da denúncia se prolongue e o mandato de presidente tenha terminado, Bolsonaro continuará passível de punição pelo tribunal. No documento, as organizações afirmam que o chefe do executivo brasileiro, desde o início de seu governo, incitou violações e violência contra populações indígenas e tradicionais, enfraqueceu instituições de controle e fiscalização, demitiu pesquisadores laureados de órgãos de pesquisa e foi flagrantemente omisso na resposta aos crimes ambientais na Amazônia, entre outras ações que alçaram a situação a um ponto de alerta mundial.

“Os incêndios, que ainda se perpetuam na região, geram um dano ambiental e social desigual e de difícil reversão. Acompanham as pressões sobre a floresta e associam-se à disputa — frequentemente violenta — pela terra para empreendimentos agropecuários, grandes obras de infraestrutura, grilagem, garimpo e exploração de madeira. Tais atividades exercem grande impacto sobre a floresta e os povos que a habitam e vêm sendo ora estimuladas ora negligenciadas em seu potencial de degradação”, diz a denúncia ao Tribunal Penal Internacional.

Por esse conjunto de ações, o CADHu e a Comissão Arns entendem que Bolsonaro é pessoalmente responsável por um crime contra a humanidade. “O cenário é gravíssimo: há desmonte total de políticas que funcionam como garantia de direitos e de existência de povos indígenas e tradicionais. O desmatamento, o incêndio e a violência são fruto de uma política de governo. Não se trata apenas da omissão do governo — que se transmuda em aquiescência das ilegalidades que ocorrem na região amazônica —, mas restará evidenciado a configuração de um plano preconcebido, admitido pelo próprio presidente da República”, afirma Eloísa Machado, advogada do CADHu.

Blindado

"A Justiça nacional não tem condição de responsabilizar o presidente pelos seus atos neste momento, quer pela proximidade e escolha de um procurador-geral da República aliado com sua pauta antidireitos, quer pelas diversas manifestações que mostram uma intenção do presidente de influenciar no comando da Polícia Federal. Blindado no país, Bolsonaro teve que ser denunciado no Tribunal Penal Internacional."

A avaliação é de Eloísa Machado, uma das advogadas que assina a denúncia feita contra o Jair Bolsonaro ao TPI. A advogada também cita como razão da denúncia contra o presidente, "a gravidade dos atos de incitação ao genocídio e crimes contra a humanidade que têm sido praticados desde que ele tomou posse – atos que tiveram como ápice, até o momento, o enorme incêndio que devastou parte de nossa floresta amazônica".

Ele não pode ignorar o caso. Se ele for instado a se manifestar, terá que responder, assim como não pode ignorar as leis ambientais, assim como não pode ignorar a Constituição. O nosso objetivo é justamente fazê-lo seguir as normas do país e as normas de direito internacional que foram ratificadas pelo país. Esperamos que com essa supervisão internacional, Bolsonaro tenha que prestar contas pelos seus atos nos tribunais internacionais já que, aqui no país, parece que isso não vai acontecer", afirma a advogada – que é professora da FGV Direito-SP e coordenadora do centro de pesquisas Supremo em Pauta – em entrevista ao jornalista Leonardo Sakamoto.

O que diz a queixa apresentada contra Bolsonaro

Na nota informativa entregue pelas entidades de diretos humanos à Procuradoria do TPI, os autores afirmam haver "atividades específicas de desmantelamento de políticas públicas protegendo direitos sociais e ambientais, junto a processos de demarcação de terras indígenas".

O texto cita também a "perseguição e demissão de servidores de departamentos sociais e ambientais por advertir contra políticas de desmantelamento ou por questionar versões oficiais dos fatos".

"Este documento mostra como o discurso sistemático do governo, minando as leis de proteção ambiental e desdenhando as populações indígenas, (…) está incentivando a violência contra essas populações e os defensores de direitos sociais e ambientais", diz o texto.

"Desde que o atual governo assumiu, diversos líderes indígenas foram mortos. Esse discurso também reflete o desdém do presidente por informações científicas quando elas não estão alinhadas a seus interesses. (…) Tudo nesta nota informativa leva a um contexto de extrema insegurança para direitos sociais e ambientais, com um aumento na violência, expansão do desmatamento e mais queimadas na região amazônica."

O documento cita o Artigo 15 do Estatuto de Roma, que embasa o TPI, pedindo "responsabilização por incitação ao cometimento de crimes contra a humanidade e apoio para o genocídio contra os povos indígenas e comunidades tradicionais do Brasil".

Segundo comunicado do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos, é esperado que a Procuradoria do TPI solicite informações acerca do caso e, "ao fim dessa consulta, se entender que há base suficiente para iniciar uma investigação, irá apresentar um pedido de autorização de investigação à Câmara de Questões Preliminares". A etapa seguinte seria uma eventual investigação e instauração de inquérito.

EngavetadA?

A denúncia está “fadada ao arquivamento”, DIZEM segundo especialistas em direito internacional. “É uma representação que está na competência do Tribunal e que se houver indicativos de que houve uma incitação poderia levar a uma condenação”, diz Cláudio Finkelstein, professor de direito internacional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).  “Mas, na prática, é improvável que aconteça, pois tem que haver provas irrefutáveis dessa incitação. Por enquanto, me parece fadada ao arquivamento.”

Para Valerio Mazzuoli, professor de direito internacional da Universidade Federal de Mato Grosso, a denúncia mostra que as organizações estão vigilantes e acompanhando a situação da população indígena no Brasil, mas não deve ir para frente. “O Tribunal Penal Internacional atua em grandes crimes contra a humanidade, como no uso de armas químicas, bacteriológicas, ou no uso de uma bomba contra uma capital”, diz.

“Me parece que teria que ser uma conduta muito mais grave e com consequências muito mais palpáveis do que essas que estamos vivendo para o caso ser aceito”, diz Cláudio Finkelstein.

O que é o TPI

O Tribunal Penal Internacional é uma corte independente que desde 2002 está encarregada de julgar indivíduos acusados de quatro crimes graves: crimes contra a humanidade, genocídio, crimes de guerra e, desde 2018, crimes de agressão — em que políticos e militares podem ser responsabilizados por invasões ou ataques de grandes proporções.

Enquanto a Corte Internacional de Justiça é responsável por julgar disputas entre países, o TPI é encarregado de julgar apenas indivíduos.

"A existência do tribunal contribui para prevenir a ocorrência de violações dos direitos humanos e do direito internacional humanitário, além de coibir ameaças contra a paz e a segurança internacionais", destaca documento do Itamaraty sobre o TPI. A criação do tribunal, estabelecida pelo Estatuto de Roma, de 1998, contou com o apoio do Brasil.

Desde sua criação, a corte do TPI analisou 27 casos e emitiu 34 mandados de prisão. A partir deles, 16 pessoas foram presas, três tiveram os casos encerrados após sua morte (por exemplo o ex-líder líbio Muamar Khadafi, morto em outubro de 2011) e outras 15 são consideradas foragidas — entre elas, personagens famosos internacionalmente, como Saif Khadafi, filho de Muamar e acusado de homicídios e perseguição na Líbia; Omar al-Bashir, presidente do Sudão até abril deste ano e acusado de homicídio, extermínio, tortura e estupros na região de Darfur; e o líder rebelde Joseph Kony, do Exército de Resistência do Senhor, grupo acusado de homicídios, escravidão sexual e estupro e outros atos desumanos em Uganda.

No caso da queixa contra Bolsonaro, porém, Gregori destaca que se trata de um pedido "preventivo", uma vez que a avaliação dos autores da denúncia é de que ações do presidente estariam colocando em perigo a sobrevivência dos indígenas.

"É como se fosse um cartão amarelo (para Bolsonaro)", diz o advogado. "Temos um sistema protetivo de direitos humanos para os índios que tem funcionado não de forma satisfatória, mas bem, e vemos sinais de que isso se modifica de forma que achamos prejudicial. O tribunal não reconhece apenas coisas materializadas, é também para denúncias de questões prévias. (…) Quando o fato já se consumou, é menos útil fazer uma advertência sobre a sobrevivência dos indígenas."

"O crime não é um genocídio puro, de 500 pessoas mortas no chão. O risco de genocídio por palavras, atos e omissões (do presidente) é o que motiva a comunicação" ao TPI, afirma Belisário dos Santos Jr. Ele diz que foram entregues à Procuradoria do TPI informações — sobre portarias e Medidas Provisórias, por exemplo — "anunciando um possível cometimento de crimes" por parte do atual governo.


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