19/03/2024 - Edição 540

Poder

Bolsonaro criará novo problema, não um partido

Publicado em 15/11/2019 12:00 -

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Quando enganchou o seu projeto presidencial no PSL, Partido Social Liberal, Jair Bolsonaro sabia que estava lidando com uma legenda que era capaz de tudo, menos de demonstrar vocação social e de afastar do déficit público o seu hipotético pendor liberal. Tratava-se de uma legenda nanica à procura de bons negócios. A candidatura de Bolsonaro revelou-se um ótimo negócio, com dividendos milionários.

O site do TSE informa que há no país 32 partidos formalmente registrados. Se mudasse de legenda, Jair Bolsonaro iria apenas trocar de problema, levando sua fábrica de crises para outra freguesia. Ao criar uma nova agremiação, vai apenas fundar um novo problema. Nada disso combina com aquilo que o atual presidente da República dizia representar.

A Presidência de Jair Bolsonaro foi vendida desde a campanha como uma flor do lodo. Depois de exercer sete mandatos parlamentares, Bolsonaro apresentou-se ao eleitor como uma fulgurante novidade. Ele dizia ser o único político radical o bastante para combater os maus costumes. De saída, a opção pelo PSL já transformou esse tipo de pregação numa teatralização da ética.

Como ocorre em todo matrimônio baseado em interesses pecuniários, o relacionamento de Bolsonaro com o PSL resumiu-se ao patrimônio. É por dinheiro que o presidente se desentende com seu partido. O bom senso recomendaria negociar. Mas Bolsonaro parece preferir, como de hábito, radicalizar. Perde votos no Congresso e corre o risco de chegar a pé nas eleições municipais de 2020, porta de entrada para 2022, pois não é simples criar um novo partido. Bolsonaro não tem muito talento para desfazer crises. Mas é genial na organização das próximas confusões.

Divulgou-se um manifesto. Anota que a Aliança pelo Brasil, nome da nova legenda, "é o sonho e a inspiração de pessoas leais ao presidente Jair Bolsonaro de unir o país com aliados em ideais e intenções patrióticas". O documento afirma também que o partido tem como objetivo "o resgate de um país massacrado pela corrupção e pela degradação moral contra as boas práticas e os bons costumes".

Simultaneamente, discute-se a hipótese de entregar a presidência do partido ao senador Flávio Bolsonaro. Ele leva para a nova legenda o rastro pegajoso do processo em que é tratado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro como suspeito de peculato e lavagem de dinheiro. Junto com Flávio vai aos quadros da nova legenda a assombração do PM Fabrício Queiroz e seus vínculos com a milícia carioca.

Quer dizer: não deve ser levada a sério a parte do manifesto que fala em resgatar "um país massacrado pela corrupção e pela degradação moral". Restou o trecho que menciona "o sonho e a inspiração de pessoas leais ao presidente Jair Bolsonaro". Trata-se, portanto, de uma iniciativa personalista. O nome mais adequado para a legenda seria PC —não de Partido Comunista, mas de Partido do Capitão.

A aposta é lamentável e desnecessária. É lamentável porque já existem 32 partidos no Brasil. Eles têm em comum o fato de que são execrados pela sociedade. Se Bolsonaro for bem sucedido haverá 33 legendas no caldeirão. A iniciativa é desnecessária porque o capitão aposta que terá o mesmo êxito que obteve em 2018. Isso só vai acontecer se houver no Brasil desemprego baixo e geladeira cheia. Nessa hipótese, Bolsonaro se reelegeria por qualquer partido. Mas não será perdendo tempo com a criação de uma legenda hipoteticamente nova que Bolsonaro atingirá a prosperidade.

Pelo celular

Uma das ideias de Bolsonaro é dispensar os cabos eleitorais nas ruas coletando assinaturas em papel. Os interessados em apoiar o novo partido do presidente da República usariam apenas um aplicativo de celular e o leitor de digitais de seus próprios aparelhos para firmar a adesão. Com o novo meio de coleta de assinaturas, a sigla reuniria as quase 500 mil assinaturas necessárias em 3 a 4 meses — a tempo de lançar candidatos nas eleições municipais de 2020.

Estão sendo confeccionados o site e o aplicativo de celular para a coleta de assinaturas.  De acordo com o projeto, a assinatura via celular estaria disponível para qualquer pessoa cujo smartphone possua um leitor de impressões digitais — hoje, esse dispositivo é usado por aplicativos de bancos, por exemplo. Quem não tenha acesso a essa tecnologia precisaria ir a um local fixo, caso deseje assinar.

Os defensores da proposta dizem que usarão o recesso do Judiciário, de 20 de dezembro até 6 de janeiro, para mover uma campanha na internet em busca de apoio. A ideia é reunir as assinaturas necessárias dentro deste prazo. O registro do novo partido seria pedido ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já em janeiro de 2020.

A princípio, porém, a coleta de assinaturas começará de forma analógica, no papel. O aplicativo só entrará em cena se seu uso for permitido a tempo pelo TSE.

"Logo depois da convenção já começaremos a coleta dessas 492 mil assinaturas, distribuídas por pelo menos nove Estados. Assim que for atingido o número de assinaturas levaremos para homologação (no TSE), para que a sigla tenha vida política e possa criar a janela legal para os deputados ingressarem", diz Sanderson.

A partir de quinta-feira, o grupo político do presidente também começará a designar comissões responsáveis por coletar assinaturas em cada Estado.

Segundo os defensores da ideia, a resolução atual do TSE que rege a criação de partidos políticos já permite o uso de meios digitais – o tribunal já utiliza um sistema informatizado para organizar a criação de novas legendas. "A gente traria só um pouquinho mais de tecnologia", diz uma pessoa que acompanha o caso.

A última alteração nessa resolução ocorreu em junho de 2018, e foi relatada pelo então ministro Admar Gonzaga- que hoje é um dos advogados eleitorais de Bolsonaro.

Além da rapidez, outra vantagem seria a maior segurança do processo digital – haveria menos chances da Justiça Eleitoral rejeitar assinaturas coletadas de forma biométrica.

Apesar do que dizem os defensores da ideia, há dúvidas sobre se o entendimento atual da Justiça Eleitoral permite este novo tipo de coleta de assinaturas.

Em dezembro de 2018, o deputado federal Jerônimo Goergen (PP-RS) formulou uma consulta ao TSE sobre a possibilidade de usar um outro mecanismo – a chamada assinatura digital – para coletar apoios a um novo partido. A consulta ainda não foi decidida pela corte.


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