19/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Os Protagonistas do Brasil

Publicado em 13/11/2019 12:00 - Rodrigo Amém

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Não discuto bolsonarismo pelo mesmo motivo que não discuto marketing multinível. Não se trata de uma ideologia, ou um ideal. É uma convulsão motivada por frustrações de classe e explorada por, bem, exploradores. Não há um debate. Há o que temos pra hoje. Gente frustrada com a falta de protagonismo político e disposta a apostar em métodos hetorodoxos para tirar o pé da lama. 

É preciso falar sobre esses os gatos pingados que vimos nos risíveis protestos de domingo, dispostos a bater continência a uma réplica em fibra de vidro de uma atração turística norte-americana. 

Esses devotos de Nossa Senhora Muambeira da Tocha são uma fração dos eleitores do presidente? São. Mas são uma minoria sintomática. Foram atraídos para fora de seus clubes domingueiros por uma mesma sensação de desimportância. As viúvas pensionistas, os donos de farmácia, os militares reformados, varejistas, bancários. A parte da população que se sentia o esteio da nação durante os governos militares, os fiscais do Sarney na redemocratização, os principais beneficiários do plano Real. Durante décadas de republicanismo, mal ou bem, esses brasileiros se sentiam os protagonistas do Brasil. O país e seus governos funcionavam em função dessa classe, que precisava de medidas econômicas para proteger seu poder de compra e segurança pública contra "os favelados".   

Isso começa a mudar com o plano Real e vira do avesso durante o governo do PT. Vale lembrar que o Bolsa Família, por exemplo, foi implantado pelo governo FHC, ainda que o Bolsa Escola fosse um programa tradicional nas prefeituras petistas da época. De qualquer maneira, se tratava de uma medida arrojada de redução da desigualdade social. Em outras palavras, não era voltado diretamente à classe média. A isso, seguiu-se à Farmácia Popular, as cotas sociais em universidades, as políticas voltadas às minorias. A classe média não se via representada nas ações do governo. Pelo contrário, a diminuição do fosso social trouxe o desconforto de salas de embarque e gente de chinelos no shopping center. 

Aí, quando surgiram as denúncias de corrupção no governo Lula, a reação dessa faixa social foi fidalgal. As mesmas pessoas que encolhiam os ombros diante das falcatruas de Paulo Maluf em São Paulo ( "Ele rouba, mas faz", diziam) tornaram-se paladinos da moralidade. É importante que se diga, não estavam errados. O combate à corrupção é uma demanda legítima da sociedade. Mesmo quando é conveniente. 

Esse espumar de frustrações da classe média virou a onda perfeita e não faltou gente querendo surfar. A direita, claro. O baixo clero do Congresso, com certeza. Clérigos de variada procedência e qualidade, absolutamente. 

Alguns grupos, confesso, me surpreenderam. Os militares, por exemplo, nunca ganharam tanto dinheiro quanto no governo petista. Existe aí um submarino nuclear brasileiro prestes a ser inaugurado (por mais ridículo que isso possa parecer) por obra do Lula. No entanto, teve general ameaçando o STF pelo twitter, caso o ex-presidente não fosse pra cadeia. Os banqueiros também lavaram a égua. Pergunte lá no Itaú quando for pagar os 300% de juros do seu cartão de crédito. E, no entanto, apoiaram a patuscada toda, provavelmente acreditando que Guedes lhes entregaria a previdência social e o sistema de saúde. 

Todos tinham muito a ganhar. Só quem tinha muito a perder era o cavalo dessa carroça reaça: a classe média renascida em Cristo. Muitos deles já acordaram com a ressaca do "boa noite, Cinderela" que levaram. Taí Frota, Nando Moura e Lobão que não me deixam mentir. Outros não podem se dar a esse luxo. Investiram muito tempo, dinheiro e brigas no Facebook para pular do barco agora. A esses, resta o extremo. Resta aproveitar a indignação pela liberdade de Lula para protestar um bode expiatório. No caso, foi o STF, personificado na figura de Gilmar Mendes. Uma discussão na qual 98% dos protestantes não dispõe de conhecimento adequado para o debate. Mas não é um movimento intelectual. É bile pura. Daí, bater continência para uma estátua de fibra de vidro pode não ter lógica, mas ampara quem precisa ser amparado.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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