26/04/2024 - Edição 540

Poder

Frota: Bolsonaro usa dinheiro público para difundir fake news com “gabinete do ódio”

Publicado em 01/11/2019 12:00 -

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Em sessão marcada por intenso acirramento de ânimos, o deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP) afirmou, no último dia 30, que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) estaria mantendo em seu gabinete assessores pagos com dinheiro público para formar supostas “milícias digitais”.

Segundo o parlamentar, o grupo teria atuado ainda durante as eleições presidenciais de 2018 por meio da disseminação de conteúdos virtuais falsos em defesa do então candidato a chefe do Executivo e também para atacar adversários.

A denúncia foi feita no âmbito de uma oitiva de mais de cinco horas de duração na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, no Senado. De acordo com Frota, os assessores seriam Tercio Arnaud Tomaz, José Matheus Sales Gomes e Mateus Matos Diniz. “Bolsonaro se encantou com essas três figuras e os trouxe pra trabalhar dentro do seu gabinete”, revelou.

Os três assessores apontados também serão ouvidos pela CPMI. Eles já tiveram requerimento de convocação aprovado pelo colegiado, motivo pelo qual terão a obrigação de comparecer. A sessão ainda não tem data marcada.

As informações trazidas à tona por Frota se relacionam com denúncias anteriores feitas por diferentes jornais sobre a existência de um “gabinete do ódio” localizado em sala próxima à do presidente da República, no Palácio do Planalto. O caso foi retratado por veículos como Folha de São Paulo, O Globo e Estadão. Em manifestações feitas à imprensa, o Planalto disse que “nega veementemente” a existência do gabinete.   

Segundo a versão apresentada por Frota, o chefe do Executivo agiria em conjunto com “milícias digitais”. “Os meninos do Bolsonaro, como ele próprio gosta de chamar e já conhecidos nas mais diversas reportagens de revistas de cunho nacional, trabalham com perfis falsos em excesso. Sabemos o quanto é grave a existência da rede de intrigas de Bolsonaro, que produz material em escala atacando quem estiver na frente ou venha a discordar, fazer o contraditório”, explicou.  

As acusações do ex-pesselista também atingiram parlamentares: “Eles estão também em gabinetes de deputados na Câmara, que usam as horas vagas pra atacar. Criam grupos de WhatsApp e operam dessa maneira. Muito em breve poderei apresentar aqui alguns desses gabinetes que mantêm milicianos digitais travestidos de assessores”, anunciou.

Ele acrescentou que pediu ao PSDB para ser incluído na CPMI como membro porque acredita que está “muito perto” de desvendar os nomes e os detalhes operacionais de “milicianos virtuais”.

De acordo com Frota, os nomes envolvidos no esquema também seriam responsáveis “por indicação de cargos e fomentos da raiva e do ódio, ministros e assessores” no que ele classificou como “farra de cargos”.   

O deputado também foi questionado por parlamentares sobre se presenciou conversas com empresários durante a campanha de 2018 a respeito de financiamento do esquema de veiculação de conteúdos falsos. Ele disse que ouviu alguns nomes durante um almoço com Bolsonaro e os filhos Carlos e Eduardo.   

“Houve ali uma discussão entre o Carlos e o Bolsonaro sobre impulsionamento de Facebook. E a conversa continuou. A pergunta era ‘quem iria financiar? quem poderia financiar?’. E aí surge o nome de um empresário chamado Otávio. Surge o nome de Meyer. Pela primeira vez, também ouvi falar ali de uma pessoa chamada Victor Metta, que poderia conseguir esses patrocínios ou essa doação. (…) Também fiquei conhecendo e ouvindo o nome de Letícia Catel, que, posteriormente, veio a ser diretora da Apex”, relatou.

Esses e outros nomes trazidos por Frota estão sendo listados pelos membros da CPMI, que   tendem a explorar melhor o assunto nas próximas semanas, em outras oitivas.   

Carlos Bolsonaro

Frota disse ainda que o grupo de três assessores mencionados seria comandado por Carlos Bolsonaro (PSL), filho do presidente. “Direto do Rio de Janeiro, ele coordena realizando reuniões e disparando via WhatsApp os seus comandos”, acusou.  

Vereador pelo município do Rio de Janeiro, Carlos foi o responsável pela estratégia e a operacionalização da campanha virtual de Bolsonaro no ano passado e é constantemente apontado também como possível administrador atual das páginas do pai. 

Questionado pela oposição se teria informações a respeito do perfil do chefe do Executivo no Twitter, principal canal de comunicação do presidente, Frota disse que os dois teriam o controle sobre a página.  “Até onde eu sei, são os dois. Ele tem a senha e o filho tem a senha, e aí acabam acontecendo problemas, porque, às vezes, o filho posta alguma coisa e o pai não queria ou pai queria, enfim, aí fica essa confusão”, afirmou.  

Um documento apresentado à CPMI pelo líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), pede a convocação de Carlos para uma sabatina na comissão, mas o requerimento ainda não foi avaliado.  

Caso Queiroz

O caso de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), também é destaque entre as declarações de Alexandre Frota, que disse ter recebido ligação do presidente da República para se queixar após o deputado discursar no plenário da Câmara em defesa da prisão de Queiroz. Segundo o tucano, o diálogo teria se dado em 14 de fevereiro deste ano.  

“Posteriormente a isso, 15 minutos depois, aparece o senador Flavio Bolsonaro, que me dá um abraço e fala ‘papai ficou chateado com você por você ter se expressado dessa maneira aqui no plenário’”, acrescentou Frota. Ele disse ainda que, em outro momento, o presidente da República teria lhe puxado pelo braço em um evento e dito a frase: “Cala essa matraca. Eu quero continuar o casamento com você”. O episódio estaria registrado em um vídeo.

As declarações sobre o caso Queiroz estão entre os principais aspectos da oitiva de Frota, que disponibilizou o sigilo telefônico para análise de áudios. A pedido de parlamentares da CPMI, ele também disse que colocará vídeos e fotos à disposição do colegiado.

Os supostos diálogos trazidos à tona pelo tucano tendem a apimentar as críticas ao governo, que tem o caso Queiroz como um de seus calos.  O nome do ex-assessor ronda a imagem da família do presidente desde dezembro de 2018, quando o Coaf apontou a existência de uma “movimentação atípica” nas contas de Queiroz no valor de R$ 1,2 milhão entre os anos de 2016 e 2017, quando ele atuava como assessor de Flávio no Rio de Janeiro.    

Cenário

O depoimento de Frota é o primeiro a ser colhido pelo colegiado, que atua na apuração de diferentes crimes cibernéticos, com destaque para a onda de disseminação de conteúdos falsos que tomou conta das redes sociais durante o último pleito.   

Nos bastidores da política, a oitiva tucano era bastante aguardada pela oposição. Ex-membro do PSL, o deputado foi expulso da legenda em agosto deste ano, em meio às intensas dissidências internas do partido, e hoje está entre os protagonistas do grupo de ex-aliados que jogam gasolina na crise que circunda Bolsonaro. Ele foi convidado pela CPMI para prestar depoimento.  

No início dos trabalhos, a oitiva do tucano foi constantemente intercalada por gritos de protesto de pessoas da plateia acusando Frota de traição. Apoiador de Bolsonaro, o grupo empunhou cartazes que chamam o deputado de “traíra oportunista”. “Olavo tem razão”, bradou um deles, expondo as divergências entre as diferentes alas do PSL. Uma delas é associada ao astrólogo e escritor Olavo de Carvalho, considerado como guru de Bolsonaro e opositor de Frota.

Carvalho também poderá ser ouvido pela CPMI, que irá apreciar requerimento de convocação dele para uma sabatina.

Fábricas de desinformação

O sociólogo Sérgio Amadeu, professor associado da Universidade Federal do ABC (UFABC), diz que a CPMI vai ter muito trabalho pela frente para identificar as “fábricas de desinformação” que foram utilizadas durante a campanha eleitoral do ano passado. Ele afirma que a partir dos metadados de postagens patrocinadas no Facebook e disparos em massa no Whatsapp é possível chegar aos responsáveis que financiaram ilegalmente esses esquemas.

A partir desses metadados, que registram informações como remetente e destinatário das mensagens, segundo Amadeu, é possível identificar o “núcleo duro” de pessoas ligadas ao presidente Jair Bolsonaro que, desde a disputa eleitoral, disseminam informações distorcidas e ataques a adversários políticos. O especialista diz não gostar do termo fake news, pois essa expressão pode dar a entender que a divulgação de uma notícia falsa ocorre por simples descuido ou desconhecimento.

“Essa CPI, além de pegar as estruturas que fazem de conta que são veículos de imprensa e divulgam notícias completamente inverídicas, precisa avançar também para pegar notícias descontextualizadas, informações completamente sem base na realidade. Isso faz parte de uma estratégia. A CPI pode constatar isso com muita facilidade. Tudo isso está registrado nas redes”, afirmou aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria.

Em junho deste ano, uma reportagem da Folha de S.Paulo confirmou que empresários brasileiros contrataram uma empresa espanhola para fazer disparos em massa de mensagens pelo Whatsapp em favor de Bolsonaro. A informação foi confirmada pelo espanhol Luis Novoa, dono da Enviawhatsapps. Ainda durante a campanha eleitoral, o jornal havia denunciado que empresários que empresários estariam investindo milhões para fazer campanha baseada em fake news pelo Whatsapp contra o PT e o seu candidato a presidente Fernando Haddad. A utilização de recursos privados em campanhas políticas é prática proibida, desde 2015, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Responsabilidades

Além de identificar os empresários que cometeram crime eleitoral ao financiarem postagens e disparos em massa de notícias falsas, Amadeu cobrou que as plataformas digitais, como Facebook e Google, tenham uma regulação mais rígida em relação aos conteúdos pagos.

Para o Facebook, ele defende que “todo post pago, em qualquer rede social, e que tenha a ver com política no período das eleições, precisa ser acompanhado do gasto relativo ao impulsionamento”. Assim, segundo ele, será possível identificar a origem dos recursos utilizados. Já no Whatsapp, o professor da UFABC diz que, além de identificar o remetente original da postagem replicada, é preciso tornar acessível a lista de todos os números que tenham também compartilhado a mensagem.


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