29/03/2024 - Edição 540

Poder

Uma história muito mal contada

Publicado em 01/11/2019 12:00 -

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A perícia do Ministério Público do Rio que contrapôs o depoimento do porteiro do condomínio Vivendas da Barra na investigação da morte da vereadora Marielle Franco foi concluída às pressas, um dia após a veiculação da reportagem do Jornal Nacional que revelou as declarações do profissional que trabalhava na guarita. A informação consta do processo sobre o crime, cujo sigilo foi retirado. A perícia também é incompleta por ter analisado somente os áudios que foram gravados em um CD do condomínio, e não o computador original que poderia apontar eventuais adulterações. O risco foi apontado em reportagem publicada pela ‘Folha de S.Paulo’.

O depoimento do porteiro envolveu o nome do presidente Jair Bolsonaro nas investigações. Ele disse que um dos suspeitos de ter assassinado Marielle, Élcio de Queiroz, dissera na portaria, no dia do crime, que iria à casa do então deputado. Mas os aúdios periciados mostram que o visitante foi anunciado para a casa de Ronnie Lessa, o outro suspeito. O Jornal Nacional mostrou na reportagem que Bolsonaro estava em Brasília.

Os detalhes do pedido de perícia aparecem no ofício de nº 996/2019, assinado pela coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) Simone Sibílio e protocolado às 13h05m daquele dia, duas horas e 25 minutos antes da apresentação dos resultados em uma coletiva de imprensa, convocada às 14h14m daquele dia.

Embora a Coordenadoria de Segurança e Inteligência do MP estivesse em posse das mídias entregues pelo síndico desde o dia 15 deste mês, a oficialização dos “quesitos”, ou seja, critérios técnicos a serem observados pelos peritos e dúvidas da investigação a serem respondidas pelo laudo, ocorreu apenas após a reportagem do Jornal Nacional com a divulgação dos registros da portaria do Vivendas da Barra.

Análise foi feita em CD

A reportagem mostrou a existência de uma planilha em que consta um registro de entrada de Élcio de Queiroz em 14 de março de 2018, dia do crime. Segundo o registro feito pela portaria, Élcio teria informado que visitaria a casa de número 58, onde vivia o então deputado federal Jair Bolsonaro.

Ainda de acordo com a reportagem, o porteiro afirmou duas vezes à Delegacia de Homícidos (DH) da Capital ter ouvido a voz de Bolsonaro autorizando a entrada.

A perícia se deu com base em um CD apresentado pelo síndico do condomínio. Não houve, segundo o MP, apreensão dos equipamentos do sistema de portaria. Na última quarta-feira, por volta de 10h40m, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) publicou no Twitter um vídeo em que acessa os registros da data do crime no sistema. Os critérios da perícia só foram criados pelo MP mais de duas horas depois.

Ao jornal “Folha de S. Paulo”, o presidente da Associação Brasileira de Criminalística, Leandro Cerqueira, afirmou que não é possível identificar se um arquivo foi apagado ou renomeado, uma vez que a perícia não teve acesso ao equipamento original no qual foi gravado.

Já a Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais criticou o arquivamento da notícia crime “sem o devido exame pericial oficial”.

“Isso abre espaço para que tome conta do debate uma guerra de versões e opiniões, distantes da materialidade dos fatos”, afirmou a nota divulgada ontem.

Na coletiva do dia 30, três promotoras do GAECO (incluindo Sibílio) anunciaram que a perícia constatou que a voz em questão era de Lessa. A conclusão foi tomada a partir da comparação dos áudios da portaria com os da videoconferência na qual ele foi interrogado em 4 de outubro.

Foram oito os “quesitos” solicitados aos peritos por Sibilio na terça-feira. Entre eles, a questão se “a gravação é íntegra e se há indício de adulteração”; a verificação se “nos ramais 65/66 (referentes à casa do PM reformado) consta a voz de Ronnie Lessa com base no padrão vocálico obtido no interrogatório do mesmo” e o detalhamento de todas as ligações do dia 14 de março, “confrontando com a voz de Ronnie Lessa”. Segundo os analistas do MP, todas essas perguntas tiveram respostas positivas.

Comunicado interno

Questionado sobre a solicitação de quesitos para a perícia, o MP informou que “o material foi encaminhado via comunicação interna no dia 15 já com a solicitação de análise” e que, no entanto, “a quesitação foi formalizada no dia 30, data em que foi anexada nos autos do processo”. O MP não apresentou documento que comprove o comunicado interno mencionado.

História mal contada

Só aos que temem a elucidação do assassinato de Marielle Franco (PSOL-RJ) e do seu motorista interessa a produção de fatos que possam embaralhar as investigações. É o caso dos assassinos. E também dos seus cúmplices. E mesmo daqueles que à distância, por uma razão ou outra, preferem que fique tudo por isso mesmo.

Existe sua Excelência, o Fato. Que vem a ser alguma coisa que aconteceu e que pode ser comprovada. E existe também a chamada Ilação, que é o que se deduz de algum fato sem dispor, no entanto, de provas concretas. Marielle foi assassinada, fato. Políticos amigos de milicianos não querem ver o crime esclarecido, ilação.

É fato, narrado por ele próprio, e não desmentido pelo governador Wilson Witzel, do Rio, que Bolsonaro ficou sabendo no último dia 9 que seu nome fora citado no inquérito que apura a morte da vereadora. Foi Witzel que informou a Bolsonaro quando os dois se encontraram por acaso numa festa do Clube Naval, no Rio.

É fato que Bolsonaro levou 21 dias para revelar que Witzel teve acesso a informações de um inquérito que corria sob segredo de Justiça. E que só o fez depois que o Jornal Nacional noticiou que ele havia sido citado pelo porteiro do condomínio onde tem duas casas. Ali morava um dos acusados de ter matado Marielle.

Em entrevistas à imprensa, Bolsonaro acusou Witzel de dois crimes: o de ter tido acesso a inquérito sigiloso e o de manipular o inquérito para incriminá-lo. Isso também é fato. Como é fato que Bolsonaro escondeu durante 21 dias que Witzel agiu, portanto, de forma criminosa. Ao esconder, tornou-se cúmplice dele.

Ilação: quem mais se beneficiou do que fez Witzel e do que Bolsonaro escondeu? Bolsonaro. Impossível que não tenha aproveitado os 21 dias de segredo para se informar melhor sobre o que Witzel lhe informara superficialmente. E para reunir provas, indícios e argumentos para defender-se se tudo viesse a público.

É fato que no dia 17 passado, um grupo de procuradores do Rio foi a Brasília dizer a Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, que Bolsonaro fora citado no caso de Marielle. É fato que Toffoli até ontem não decidiu se o caso, por envolver o presidente da República, deveria ser federalizado.

É fato, pois, que o presidente do Supremo sabia há pelo menos 12 dias o que o país só soube anteontem. E que se calou a respeito, a exemplo do que fizera Bolsonaro. Ilação: é possível que ele e Bolsonaro imaginassem que a citação do nome do presidente da República em um crime de sangue acabaria sendo abafado.

O Ministério Público do Rio revelou somente no fim de tarde de quarta-feira (30) que o porteiro do condomínio onde Bolsonaro tem duas casas não ligou para uma das casas dele avisando no dia da morte de Marielle que havia um homem pedindo licença para ir até lá. Ligou, sim, para a casa onde morava o ex-policial Ronnie Lessa.

E por que somente no mesmo dia Ministério Público do Rio revelou que o porteiro mentira ou se enganara em dois depoimentos prestados à polícia em meados deste mês? Porque somente na quinta-feira o Ministério Público disse que teve acesso à gravação dos telefonemas dados pelo porteiro no dia do crime.

Quer dizer: quando procuradores viajaram a Brasília ao encontro de Toffoli, desconheciam que o porteiro mentira ou se enganara. Não haviam checado a veracidade das suas declarações. Os procuradores se precipitaram ou foram relapsos. É fato, somado a certa dose de ilação que não compromete o fato, só o reforça.

O Procurador Geral da República mandou investigar o porteiro que poderá ser processado por caluniar ou difamar Bolsonaro. Ao mesmo tempo, arquivou informações sobre a suspeita de que um dos supostos assassinos de Marielle citou o nome de Bolsonaro para entrar no condomínio onde, à época, Bolsonaro morava.

Os principais personagens dessa história mal contada têm carteirinha de autoridade – Bolsonaro, Witzel, Toffoli, o Procurador Geral da República e os procuradores do Rio. Menos, o porteiro, a quem ainda não perguntaram por que – diabos! – teria procurado encrenca logo com o homem mais poderoso do país.

A tuba e o porteiro

Está entendido que a voz do "seu Jair" não pode ter soado no interfone da casa 58 do condomínio Vivendas da Barra, no Rio, no dia 14 de março de 2018. Proprietário do imóvel, o então deputado Jair Bolsonaro dava expediente na Câmara, em Brasília. Não teria como autorizar a entrada de Élcio Queiroz, hoje preso sob a acusação de matar Marielle Franco. A voz que soa no sistema de áudio da portaria, atesta a perícia, é a do morador da casa 65, Ronnie Lessa, outro suspeito preso pelo mesmo crime. Falta esclarecer o seguinte: Quem colocou na tuba do inquérito um porteiro capaz de inventar em dois depoimentos à polícia que falou com "seu Jair"?

Afora os depoimentos, o áudio da portaria e os rastros de Bolsonaro em Brasília há sobre a mesa a planilha com os lançamentos feitos pelo porteiro naquele fatídico 14 de março do ano passado, dia da execução de Marielle Franco. Nesse documento, está anotado o nome de Élcio Queiroz e o número da casa 58 de Bolsonaro, não do imóvel 65 de Ronnie Lessa. Supondo-se que o porteiro não fosse um vidente capaz de antecipar a futura conversão de Bolsonaro de deputado em presidente da República, cabe perguntar: por que meteu o capitão na encrenca?

Há outro mistério no lance da irritação do presidente da República com a reportagem em que o Jornal Nacional levou os depoimentos do porteiro ao ventilador, sem sonegar à plateia a informação de que seu relato não ornava com os registros de presença do "seu Jair" na Câmara. Numa live improvisada na madrugada da Arábia Saudita, o capitão perdeu a linha: "Patifaria", "porra", "canalhas", "imprensa porca", "jornalismo podre"…

Entende-se que uma resposta era necessária. Mas isso poderia ter sido feito organizadamente, sem a teatralização bizarra que apequenou o ofendido. O próprio Bolsonaro declarou que o governador fluminense Wilson Witzel lhe informara 20 dias antes sobre as menções que o porteiro fizera ao seu nome. O caso subiu para o Supremo, disse o governador ao presidente. Por que Bolsonaro esperou a encrenca chegar à vitrine do Jornal Nacional para tomar providências?

Para que todo o mistério seja esclarecido, é essencial que os investigadores e a lógica comecem a caminhar na mesma direção.

A postura do clã Bolsonaro no caso Marielle Franco

Brasil, 14 de março de 2018. Horas após os assassinatos da vereadora carioca Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, praticamente todos os pré-candidatos à Presidência lamentaram as mortes e cobraram investigações rigorosas. "Barbárie" e "crime grotesco" deram o tom de algumas declarações.

Apenas um pré-candidato não quis comentar, seja para cobrar apuração, seja para lamentar: Jair Bolsonaro. No dia seguinte, um assessor afirmou que o então deputado não pretendia comentar o caso porque sua "opinião seria polêmica demais".

Nos primeiros meses que se seguiram, o futuro presidente e seu clã político intercalariam silêncio com declarações e ações para minimizar a gravidade do crime, manifestando ainda, em algumas ocasiões, desprezo pela comoção nacional e internacional com a morte da vereadora, que atuava na cidade que há décadas é a base eleitoral de Jair Bolsonaro.

"Crime comum" e "mais uma morte no Rio de Janeiro" foram algumas das declarações que partiram inicialmente do clã. Menos de um mês depois do crime, à época da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um dos filhos do presidente também afirmou que "se Marielle estivesse viva, provavelmente defenderia o ladrão Lula".

Enquanto Jair permanecia em silêncio na semana seguinte ao crime, seus filhos Carlos, Eduardo e Flávio usaram as redes sociais tanto para reforçar uma narrativa de crime comum quanto para demonstrar desconfiança com a hipótese de participação de policiais ou ex-policiais ligados à milícia.

Flávio, então deputado estadual no Rio, chegou a publicar no Twitter inicialmente uma mensagem em que lamentava a morte de Marielle. "Apesar de profundas divergências políticas, sempre tive relação respeitosa com ela." Apagou o texto pouco depois. No lugar, publicou uma mensagem prestando solidariedade à família de um PM do Rio que morreu em um assalto.

Em outubro, ele também defenderia dois candidatos do PSL que quebraram uma placa em homenagem a Marielle afixada em uma rua do centro do Rio. Segundo ele, os correligionários "nada mais fizeram do que restaurar a ordem", e a homenagem havia sido "ilegal".

Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), que havia sido colega de Marielle na Câmara Municipal do Rio, também não lamentou a morte e sugeriu que as Nações Unidas eram hipócritas por se manifestarem sobre o caso. Dois dias depois do crime, publicou no Twitter o link de uma reportagem sobre a morte de um empresário em um assalto e escreveu: "Ninguém verá a ONU se manifestar por isso." 

No final de março de 2018, voltou a usar o mesmo tom ao comentar a morte de um PM catarinense. "Essa realidade a Globo, a ONU, o Psol, as feministas e toda esquerda continuarão ignorando."

No Carnaval de 2019, quase um ano após o crime, Carlos também criticou a escola de samba Mangueira, que homenageou Marielle em seu desfile. "Dizem que a Mangueira, escola de samba campeã do carnaval e que homenageou Marielle, tem o presidente preso, envolvimento com tráfico, bicheiros e milícias. Esse país está de cabeça pra baixo mesmo."

Já as primeiras manifestações do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sobre o caso atacaram a hipótese de que Marielle e Anderson teriam sido mortos por policiais. "Vão falar, refalar, bater, repetir tanto que a vereadora foi executada por um PM mesmo sem uma prova concreta disso. Daí quando surgir uma possibilidade qualquer de se ligar o crime a policial em particular, pronto, ele já estará condenado", escreveu em 15 de março.

No mesmo dia, ele também reproduziu uma mensagem que dizia: "O assassino da vereadora Mirielle Franco [sic] se for um PM guilhotina, se for um traficante é vítima da sociedade. Assim é a esquerda."

No início de abril de 2018, Eduardo também reclamou no Twitter da cobertura de manifestações em homenagem a Marielle. "Jornal Nacional: 'manifestantes no Brasil e no exterior homenageiam Mariele'. Só vi imagens fechadas para não mostrar os vazios e poucas pessoas acendendo velas."

Eduardo também mencionou a vereadora após um ato que precedeu a prisão de Lula, em abril. "Quase todo Psol, inclusive seu presidenciável, estavam [sic] no ato em apoio ao maior corrupto da Terra, Lula. Se Mariele [sic] estivesse viva provavelmente estaria lá a defender o ladrão Lula. Não desejo a morte de ninguém, mas querer meter goela abaixo que Psol é exemplo de algo também não dá."

Jair Bolsonaro, por sua vez, enquanto era cobrado para se manifestar nos dias seguintes ao crime, usou o Twitter para saudar a descoberta de uma proteína no "leite do ornitorrinco" que pode combater superbactérias. O futuro presidente só rompeu o silêncio no dia 20 de março, e para reclamar da cobrança da imprensa por uma manifestação. "Nos enterros dos PMs nenhum presidenciável foi, e vocês não deram porrada neles como dão em mim", disse a jornalistas.

Nos meses seguintes ao crime, em entrevistas, Bolsonaro também minimizaria o caso. "Para a democracia não significa nada. Mais uma morte no Rio de Janeiro e temos que aguardar a investigação", disse ao jornal O Globo no final de abril.

Em maio, quando as investigações apontaram que a morte de Marielle poderia estar relacionada a denúncias da vereadora contra a grilagem de terras por milícias, Bolsonaro chamou de "demagogia" a possível entrada da Polícia Federal no caso.

Disse ainda a um jornalista do portal O Tempo: "Qual é a diferença da minha vida e da sua com a da Marielle?" "Num primeiro momento, falaram absurdos: 'Crime político', que era uma mulher que 'poderia ser presidente da República'. Confesso que mal conhecia a senhora Marielle. […] É outro crime comum como outro qualquer."

No mês seguinte, Bolsonaro afirmou que a possível participação de milicianos suspeitos de grilagem de terras nas mortes demonstrava "que não foi crime político". "É econômico. É briga de milícia", disse ao jornal Correio Braziliense.

"A grande mídia deu espaço enorme. [Chamou] de 'heroína', 'futura presidente', 'mulher lésbica'. Peraí… Morre gente da sociedade […] e ninguém toma uma providência. Grande parte das redações são tomadas por gente de esquerda que faz um estardalhaço terrível", acrescentou.

Bolsonaro não voltaria ao tema Marielle até 12 de março de 2019, quando os ex-PMs Ronnie Lessa e Élcio Queiroz foram presos por suspeita de executarem a vereadora e o motorista. A essa altura, uma série de elos já havia associado o clã Bolsonaro ao crime.

Em janeiro, uma operação contra milicianos revelou que Flávio havia empregado em seu gabinete a mulher e a mãe de outro ex-PM que chegou a ser apontado como suspeito pelos assassinatos em outra linha de investigação.

O ex-PM em questão já havia sido homenageado por Flávio na Assembleia Legislativa do Rio em 2005 e havia sido defendido por Jair Bolsonaro em um discurso na Câmara meses depois, quando foi condenado por homicídio. O caso levou a imprensa a revisitar antigas declarações do clã de apoio à milícia.

A prisões de Lessa e Queiroz revelaram mais elos. Lessa foi preso em sua casa, que fica no mesmo condomínio fechado em que Jair e Carlos têm suas residências. O delegado do caso também confirmou que um dos filhos do presidente namorou a filha de Lessa. No entanto, a polícia e o Ministério Público apontaram que encaram esses episódios como coincidências.

Pouco depois, a Polícia Civil revelou que encontrou 117 fuzis na casa de um comparsa de Lessa, reforçando a suspeita de que ele também era um traficante de armas. Por fim, a imprensa brasileira divulgou uma fotografia de 2011 na qual Élcio Queiroz aparece ao lado de Jair Bolsonaro.  

Em março, quando questionado sobre as prisões, Bolsonaro adotou um tom mais brando, em contraste com a postura de 2018. "Espero que realmente a apuração tenha chegado de fato a esse, se é que foram eles os executores, e o mais importante, quem mandou matar", disse.

Com uma postura defensiva, também lembrou o atentado que sofreu em setembro de 2018, cuja investigação não apontou um mandante. "Também estou interessado em saber quem mandou me matar." Sobre a fotografia ao lado de um dos suspeitos, disse: "Tenho foto com milhares de policiais civis e militares, com milhares no Brasil todo."

No dia seguinte, ainda disse a jornalistas que não mantinha qualquer relação com seu vizinho suspeito pelo crime. "Não lembro desse cara. Meu condomínio tem 150 casas", afirmou. "O que tenho a ver com ele? Não tem vida social no meu condomínio", disse o presidente.

Eduardo, por sua vez, voltou a afirmar que a morte de Marielle e de Anderson não se distingue de outros homicídios e que há "um desespero" para relacionar o crime ao seu pai. "É um desespero para tentar dizer que Bolsonaro tem culpa no cartório. Pelo amor de Deus, tentar fazer essa relação é mais do que absurda, é repugnante", disse ao jornal O Globo. "Esse caso de assassinato é como vários outros casos de assassinato", concluiu.

Seu irmão Flávio também adotou a mesma postura defensiva. "Forçação total de barra. Agora virou fator importante para o crime o cara [Lessa] coincidentemente morar no condomínio dele? Essa narrativa não vai colar, não", disse o senador.

Ainda em março, em entrevista à rede americana Fox News, Jair Bolsonaro foi questionado sobre seus elos com os suspeitos e o fato de um deles ser seu vizinho. "Só soube quem era Marielle Franco depois que ela foi assassinada. Que motivo eu teria para encomendar um assassinato desses?", respondeu o presidente. 

Nos meses seguintes, o clã não mencionou mais o caso Marielle. Mas, nesta terça-feira (29/10), quando o Jornal Nacional revelou que a investigação havia envolvido diretamente o presidente e que o caso agora pode ser levado para o Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro reagiu de maneira agressiva. Segundo depoimento do porteiro do condomínio do presidente no Rio, um dos suspeitos de matar Marielle pediu para ir à casa de Bolsonaro no dia do crime.  

Em um vídeo publicado direto da Arábia Saudita, onde cumpria viagem oficial, Bolsonaro atacou a TV Globo, ameaçou não renovar a concessão da emissora e chamou a imprensa de "porca" e "nojenta".  Ele também voltou a negar que tenha algo a ver com o crime. "Não tinha motivo nenhum para matar quem quer que seja no Rio de Janeiro!"

Os elos conhecidos da família Bolsonaro com acusados no caso Marielle

“Conheci essa vereadora, fiquei sabendo que ela existia, no dia em que ela foi executada, por coincidência no dia 14 de março.” Em live realizada na noite do último dia 29 para rebater a reportagem da TV Globo que noticiou uma possível ligação com o caso da morte da vereadora Marielle, o presidente Jair Bolsonaro tentou afastar qualquer ligação sua com a parlamentar. Ainda que ele não tenha tido um contato direto com a vereadora, algumas casualidades ligam os principais suspeitos do crime ao ex-capitão – independentemente do depoimentos explosivo do porteiro do condomínio.

O sargento reformado Ronie Lessa, autor dos tiros contra a vereadora segundo denúncia encaminhada ao Ministério Público, morava no mesmo condomínio de Bolsonaro, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. Carlos Bolsonaro também possui um imóvel no local.

Élcio Queiróz, que conduziu o Cobalt prata usado para emboscar Marielle na noite do crime, ostentava nas redes sociais uma fotografia tirada ao lado de Bolsonaro. Outro suspeito preso no início de outubro deste ano sob a acusação de ter lançado ao mar armas usadas na execução da vereadora, o professor de artes marciais Josinaldo Lucas Freitas, o Djaca, também tinha um retrato ao lado do presidente.

No campo das coincidências, há mais. O ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega, apontado como um dos chefes da milícia de Rio das Pedras e associado ao Escritório do Crime, foi homenageado em duas ocasiões pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro, hoje senador da República. Em 2003, o parlamentar apresentou uma moção de louvor ao então capitão do Batalhão de Operações Especiais. Dois anos depois, assinou a proposta para conceder a Medalha Tiradentes, uma das mais valorizadas honrarias do estado.

Além disso, a esposa e a mãe do miliciano trabalharam no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio. Raimunda Vera Magalhães, a mãe, também é citada no relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) como uma das servidoras que fizeram depósitos na conta de um outro Queiroz, o Fabrício, milionário motorista da família Bolsonaro que as autoridades não conseguiam encontrar para depor.

O gabinete do vereador Carlos Bolsonaro era vizinho ao de Marielle no nono andar da Câmara Municipal. Na quarta-feira 30, o UOL divulgou uma reportagem resgatando um trecho do depoimento dado pelo filho de Bolsonaro à Delegacia de Homicídios do Rio, no ano passado, pouco mais de um mês após o crime. Carlos relatou que teve uma discussão com um assessor da vereadora e que o desentendimento teria sido apaziguado pela própria Marielle.

Segundo o vereador, um dos assessores de Marielle dava entrevista a uma emissora espanhola e o chamou de “fascista”. Carlos teria ouvido a declaração ao passar pelo corredor e afirma ter questionado o funcionário sobre o motivo da agressão verbal. Ainda segundo ele, a própria Marielle “intercedeu para acalmar os ânimos, encerrando a discussão”. Carlos não informou a data em que o bate-boca aconteceu. O vereador disse ainda que mantinha um relacionamento “respeitoso e cordial” com Marielle, apesar das divergências políticas. Afirmou ter ficado sabendo do assassinato da vereadora pela imprensa.

Em depoimento colhido dias antes do de Carlos Bolsonaro, integrantes da equipe de Marielle deram outra versão sobre o acontecido. Segundo relatos, uma pessoa ligada a Carlos Bolsonaro, que se encontrava em seu gabinete, fez uns comentários desrespeitosos para um dos assessores de Marielle, tendo se iniciado uma pequena confusão, apaziguada por Marielle e pelo próprio Carlos Bolsonaro.

É muita coincidência…


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