23/04/2024 - Edição 540

Poder

Incontinência verbal de Eduardo é rechaçada por democratas de esquerda e direita

Publicado em 01/11/2019 12:00 -

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Líderes políticos e entidades da sociedade civil condenaram a declaração do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sobre a possibilidade de se instaurar um "novo AI-5" no país em caso de radicalização da esquerda brasileira. A declaração foi feita em entrevista concedida à jornalista Leda Nagle no início da semana, e publicada na quinta-feira no canal dela no YouTube.

"Vai chegar um momento em que a situação vai ser igual a do final dos anos 60 no Brasil, quando sequestravam aeronaves, quando executavam-se e sequestravam-se grandes autoridades, cônsules, embaixadores, execução de policiais, de militares", afirmou Eduardo.

"Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E a resposta pode ser via um novo AI-5, via uma legislação aprovada através de um plebiscito, como aconteceu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada", completou o filho do presidente Jair Bolsonaro.

O Ato Institucional nº 5 (AI-5) foi editado em 13 de dezembro de 1968 pelo então presidente Artur da Costa e Silva, um dos cinco generais que governaram o país durante o regime militar (1964-1985). Em vigor até dezembro de 1978, a medida é considerada o maior símbolo da repressão política durante a ditadura, tendo fechado o Congresso Nacional e suspendido direitos políticos.

A fala de Eduardo repercutiu mal em Brasília, e o próprio presidente disse não apoiar a declaração. "Quem quer que seja que fale em AI-5 está sonhando. Está sonhando, está sonhando. Não quero nem ver notícia nesse sentido aí", disse Bolsonaro na saída do Palácio do Alvorada.

"O AI-5 existia no passado, existia em outra Constituição. Não existe mais. Esquece", acrescentou o presidente, que em outras ocasiões defendeu o golpe de 1964 e o regime militar. "Eu lamento. Se ele falou isso, que eu não estou sabendo, eu lamento, lamento muito."

Reações

A afirmação do deputado, líder do PSL na Câmara, foi alvo de críticas e indignação, proferidas tanto pela esquerda quanto pela direita.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), afirmou que atos institucionais "atentam contra os princípios e fundamentos da Constituição" e tachou a declaração de Eduardo de "repugnante" e passível de punição.

"Eduardo Bolsonaro ao tomar posse jurou respeitar a Constituição de 1988. Foi essa Constituição, a mais longeva Carta Magna brasileira, que fez o país reencontrar sua normalidade institucional e democrática [após a ditadura]. O Brasil é uma democracia", disse Maia em nota.

"Manifestações como a do senhor Eduardo Bolsonaro são repugnantes, do ponto de vista democrático, e têm de ser repelidas como toda a indignação possível pelas instituições brasileiras. A apologia reiterada a instrumentos da ditadura é passível de punição pelas ferramentas que detêm as instituições democráticas brasileiras. Ninguém está imune a isso. O Brasil jamais regressará aos anos de chumbo", concluiu o deputado.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também se manifestou. Segundo ele, "é lamentável que um agente político, eleito com o voto popular, instrumento fundamental do Estado democrático de direito, possa insinuar contra a ferramenta que lhe outorgou o próprio mandato".

"Mais do que isso: é um absurdo ver um agente político, fruto do sistema democrático, fazer qualquer tipo de incitação antidemocrática. E é inadmissível esse afronta à Constituição. Não há espaço para que se fale em retrocesso autoritário. O fortalecimento das instituições é a prova irrefutável de que o Brasil é, hoje, uma democracia forte e que exige respeito."

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), declarou que a afirmação "não contribui em nada" em meio aos problemas reais do país. "Tempos mais do que estranhos quando há essa tentativa de esgarçamento da democracia. Ventos que querem levar ares democráticos", disse ele ao portal G1. "Péssimo. O presidente e familiares precisam ter mais temperança."

Seu colega de Supremo, o ministro Gilmar Mendes engrossou o coro dos críticos. Sem se referir diretamente ao filho do presidente, Gilmar usou sua conta no Twitter para afirmar que o ato, editado durante a ditadura militar, foi o “símbolo maior da tortura institucionalizada”.

Para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), "é gravíssima" a declaração de Eduardo, ainda mais vindo do líder do partido do presidente da República. "É uma afronta à Constituição, ao Estado democrático de direito e um flerte inaceitável com exemplos fascistas e com um passado de arbítrio, censura à imprensa, tortura e falta de liberdade."

O próprio PSL disse "repudiar com veemência qualquer manifestação antidemocrática que, de alguma forma, considere a reedição de atos autoritários". O texto foi assinado pelo presidente nacional da sigla, Luciano Bivar, que vem travando uma barulhenta disputa interna pelo controle do partido contra Bolsonaro, seus filhos e apoiadores.

"A simples lembrança de um período de restrição de liberdades é inaceitável", afirma a nota. "O PSL é contra qualquer iniciativa que resulte em retirada de direitos e garantias constitucionais. Em nosso partido, a democracia não é negociável. Fica aqui nossa manifestação de repúdio a esta tentativa de golpe ao povo brasileiro."

Parlamentares do PSL também se pronunciaram. O senador Major Olimpio (PSL-SP), líder do partido no Senado, chamou de "lamentável" a discussão de atos semelhantes ao AI-5. "O Congresso foi fechado. Como que eu, parlamentar, vou defender hoje o fechamento do Congresso, que representa a população brasileira?", questionou.

A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), que foi recentemente destituída do cargo de líder do governo no Congresso e tem se distanciado do clã Bolsonaro, disse que "qualquer um que flerte com autoritarismo é digno de repúdio numa democracia".

Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo e candidato do PT à Presidência da República em 2018, falou em "perda do mandato" como "única punição cabível" ao deputado federal.

Em declaração semelhante, mas em tom mais duro, Ciro Gomes, candidato do PDT na disputa presidencial, escreveu no Twitter que vai pedir ao seu partido que acione o Conselho de Ética da Câmara para cassar o mandato de Eduardo.

Candidato não declarado à sucessão presidencial de 2022, o governador tucano de São Paulo, João Doria, engrossou o coro de repúdio à hipótese de adoção de "um novo AI-5". "Reviver o passado traumático da nossa história é condenar o futuro do país e do seu povo", declarou Doria. "A democracia brasileira não tem medo de bravatas".

Para o governador paulista, o Brasil "quer distância dos radicais que pregam medidas de exceção e atentam contra a Constituição". O governador disse repudiar "a tentação autoritária e o silêncio de quem a patrocina." Acrescentou: "Conheci de perto o mal que ditadores e ditaduras fazem às pessoas, às famílias e ao país".

Afronta

A declaração do deputado é uma afronta à Constituição, dizem juristas. Para Guilherme Amorim Campos da Silva, professor do Programa de Mestrado em Direito da Uninove, a fala do filho do presidente Jair Bolsonaro é “irresponsável” por ir contra os valores estabelecidos pela Constituição Federal de 1988. “Ele atenta contra os valores democráticos, contra o Estado de Direito, contra as instituições e contra o povo brasileiro”, diz.

De acordo com os juristas, a declaração é incompatível também com o cargo de Eduardo Bolsonaro como membro do Congresso: “Uma declaração nesse sentido é preocupante, pois ela afronta totalmente a Constituição e um dos deveres que todo parlamentar assume em seu mandato, que é o juramento de lealdade constitucional”, afirma o advogado Cristiano Vilela, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP).

“Sugerir a ruptura da institucionalidade democrática, promovendo o avanço de medidas autoritárias e incentivando o apelo à barbárie é inadmissível numa sociedade democrática é crime”, afirma a jurista Juliana Vieira dos Santos, doutora em Direito do Estado pela USP. “Essa atitude tem que ser rechaçada, repudiada e punida de forma vigorosa”, acrescenta.

Segundo os pesquisadores, a declaração de Eduardo pode levar à cassação do mandato. Para Guilherme Amorim Campos da Silva, a Comissão de Ética da Câmara deve examinar se houve quebra de decoro parlamentar, e o deputado pode responder ainda por crime de responsabilidade. “A Constituição Federal aponta os caminhos jurídicos para a apuração desse crime. Resta saber agora se a Câmara dos Deputados encaminhará isso”, comenta.

Nas redes, a declaração de Eduardo também foi mal recebida. Segundo levantamento feito pela plataforma de monitoramento digital Torabit na quinta, 31, quase 100% das menções ao tema (96%) nas redes refletia sentimento negativo até as 17h. Apenas 2% das menções eram positivas para o filho do presidente Jair Bolsonaro – os outros 2% eram de menções neutras.

O termo entrou 52 vezes nos Trending Topics Brasil e duas vezes nos Trends mundiais. Às 15h, após repercussão negativa da declaração de Eduardo, começou a subir a hashtag #DitaduraNuncaMais, que chegou ao 5º lugar nos assuntos mais falados do Brasil no início da noite.

Os homens foram responsáveis por 63.2% das menções. Já os principais Estados a se manifestarem nas redes foram São Paulo, com 24.5% das menções; Rio de Janeiro, com 19.9%; Minas Gerais, com 9%; DF, com 5%, Rio Grande do Sul, Paraná e Pernambuco, com 4.5% cada, segundo a plataforma.

Reações de Eduardo

Após as críticas, inclusive do pai, o deputado recuou e disse que "não existe qualquer possibilidade de retorno do AI-5". "Esse não é o ponto que nós vivemos hoje, no contexto atual do Brasil. A gente vive um regime democrático, nós seguimos a Constituição", afirmou ele em vídeo publicado em rede social.

"Inclusive esse é o cenário que me fez ser o deputado mais votado da história. Então não tem por que eu descambar para o autoritarismo, eu tenho a meu favor a democracia", continuou o parlamentar, acrescentando que não fica "nem um pouco constrangido de pedir desculpa".

Mais cedo, contudo, mesmo após reações indignadas, Eduardo tinha ido ao Facebook para outro gesto de exaltação à ditadura. "Se você está do lado da verdade, não tenhais medo!", escreveu o filho do presidente.

Essa mensagem foi acompanhada de um vídeo de 2016 que mostra Jair Bolsonaro, então deputado federal, enaltecendo o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, reconhecido pela Justiça de São Paulo como torturador durante o regime militar.

Generais da ativa reprovam declarações

Ao defender um “novo AI-5”, Eduardo Bolsonaro alimenta um radicalismo, incita um clima de convulsão social, atrapalha tentativas de melhorias no país e pode tumultuar a atuação cotidiana dos militares. Esta é a leitura de generais do Alto Comando do Exército ouvidos pelo jornal O Globo, em condição de anonimato.

Esses generais dizem que o filho do presidente Jair Bolsonaro, líder do PSL na Câmara, deve ser responsabilizado por “falar o que quer”. A defesa do Ato Institucional número 5 não representa a posição atual dos militares, segundo generais da cúpula do Exército. O comentário feito por um filho do presidente, com poder dentro do Congresso, não muda essa constatação, de acordo com esses oficiais.

Com a ampliação das apostas de membros do governo e dos filhos do presidente Bolsonaro em radicalismos, a cúpula do Exército vem tentando se afastar de uma associação à família. A missão é mais difícil diante do forte engajamento de generais da ativa e da reserva na eleição do presidente e na composição inicial do governo. Até agora, porém, vem prevalecendo no Planalto a ala ideológica e alguns militares lotados no Palácio já se alinharam a ela.

No Alto Comando do Exército, generais dizem que, por fim, o que sobressaiu foi o gesto de Bolsonaro horas depois de a declaração do filho vir à tona. O presidente desautorizou Eduardo, afirmando que “quem quer que fale de AI-5 está sonhando”. Os militares dizem estar associados à fala do pai, e não à do filho.

Esses generais costumam repetir que “as instituições estão funcionando” e que comentários “de um ou outro” não podem alterar esse quadro. O radicalismo, entretanto, tem efeitos para a ordem e, logo, repercute nas ações do Exército. A fala de Eduardo foi interpretada como um radicalismo de direita que se equipara aos de esquerda, como os vistos em protestos recentes no Chile, segundo oficiais ouvidos.

Já generais da reserva que integram o governo, mas não atuam diretamente no Planalto, enxergaram o episódio como nova polêmica desnecessária. O gesto de Eduardo repetiria tática comum desde o início do mandato, com defesas da ditadura e apostas no conflito, de forma desconectada do “momento complicado” do país.

No Planalto, Bolsonaro e os filhos têm encontrado respaldo principalmente no ministro Augusto Heleno, general da reserva que comanda o Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Heleno não se opõe à família mesmo em situações como a de ontem. Outro auxiliar do presidente, o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, submerge nesses casos. Ramos, que deixou o Comando Militar do Sudeste para se tornar ministro, costumava repetir que houve, sim, um golpe em 1964, tortura e “barbaridades” por parte do Exército.

General de Pijama

Companheiros de farda que sempre respeitaram e enalteceram a experiência do general Augusto Heleno passaram a fazer ressalvas ao comportamento do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. Esperavam que Heleno aproveitasse a amizade que o une a Jair Bolsonaro para levar ao presidente palavras de ponderação. E receiam que esteja ocorrendo o contrário: Heleno é que começa a incorporar à sua retórica o timbre radicalizado dos filhos do presidente e da chamada ala ideológica do governo.

Oficiais da ativa do Exército, entre eles um grande amigo de Heleno, avaliam que o ministro errou, por exemplo, ao comentar de forma superficial a hipótese de edição de um "novo AI-5", mencionada Por Eduardo. Em entrevista ao Estadão, Heleno soou assim: "Se ele falou, tem de estudar como vai fazer". Em privado, colegas de farda do ministro avaliaram que ele poderia refutar a ideia do filho Zero Três do presidente ou silenciar, jamais deixar no ar a impressão de que endossa algo que não é levado a sério na cúpula das Forças Armadas.

Dissemina-se entre os oficiais militares a avaliação segundo a qual o presidente e seus filhos com mandato tornaram-se fatores de instabilidade que prejudicam o funcionamento do governo. Um dos oficiais recordou comentário feito pelo general Carlos Alberto dos Santos Cruz. Demitido em junho do posto de ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência, Santos Cruz afirmou que o governo convive com um "show de besteiras" que acaba "tirando a atenção da coisas importantes" —as reformas econômicas, por exemplo.

A exemplo de Heleno, Santos Cruz era visto pelos colegas como um amigo de Bolsonaro, que dispunha de liberdade para alertar o presidente sobre as "besteiras". Porém, o capitão livrou-se do general-amigo sem nenhuma cerimônia. Imagina-se que Heleno, num esforço para evitar que sua cabeça vá à bandeja como a de Santos Cruz, tempera o discurso, apimentando-o. Faz isso num instante em que os militares franzem a testa para a usina de crises instalada no Planalto e no anexo familiar.

Reincidentes

A fala de Eduardo Bolsonaro afrontando a democracia não é novidade. Declarações controversas do presidente Jair Bolsonaro e de seus filhos contra instituições democráticas têm gerado uma série de reações inflamadas de políticos, magistrados e entidades de classe.

A dimensão da repercussão tem levado a alguns recuos da família, mas estes parecem apenas anteceder a polêmica seguinte.

Na quarta-feira (30), Bolsonaro ameaçou não renovar a concessão pública da TV Globo depois que a emissora veiculou reportagem sobre uma citação ao presidente na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco. Horas depois, ele disse não ter feito ameaças e negou liderar uma ditadura.

No dia seguinte, o presidente anunciou o cancelamento de todas as assinaturas do jornal Folha de S.Paulo no âmbito do governo federal e fez ameaças aos anunciantes do veículo. "Não vamos mais gastar dinheiro com esse tipo de jornal. E quem anuncia na Folha de S.Paulo presta atenção, está certo?", disse Bolsonaro em uma live nas redes sociais.

"Os ventos, pouco a pouco, estão levando embora os ares democráticos", afirmou o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, à Folha.

A principal tese defendida pelos autores do livro best-seller Como as Democracias Morrem é que os sistemas democráticos passaram a declinar com ataques sutis e coordenados contra instituições, e não mais com os tradicionais tanques nas rua e fechamento do Congresso.

"Muito frequentemente, quando um populista chega ao poder, você vê rapidamente uma crise institucional entre um presidente e o Congresso, o Judiciário, a imprensa. E isso leva ao colapso da democracia", afirmou Steven Levitsky, professor da Universidade Harvard e um dos autores da obra, em entrevista à BBC News Brasil em 2018. "E é claramente o caso de Bolsonaro."

Na terceira vez em pouco mais de dez anos, o Supremo Tribunal Federal pode mudar seu entendimento sobre o momento em que o réu deve começar a cumprir a pena a que foi condenado.

Até 2016, era preciso esperar o "trânsito em julgado", com o fim de todos os recursos disponíveis em tribunais superiores. Naquele ano, porém, o STF entendeu que o réu pode começar a cumprir pena logo depois da decisão da segunda instância do Judiciário.

Agora, novamente, a Corte pode rever mais uma vez este entendimento, decisão com potencial de tirar da cadeia milhares de pessoas hoje presas, entre elas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em meio ao debate inflamado na mídia e nas redes sociais, o perfil do presidente Jair Bolsonaro no Twitter publicou em 17 de outubro uma defesa do cumprimento da pena imediatamente após condenação em segunda instância.

"Aos que questionam, sempre deixamos clara nossa posição favorável em relação à prisão em segunda instância. Proposta de Emenda à Constituição que encontra-se no Congresso Nacional sob a relatoria da Deputada Federal @CarolDeToni."

A mensagem foi recebida por autoridades como uma tentativa de pressão sobre os poderes Judiciário e Legislativo, e foi apagada logo depois.

Responsável pelas redes sociais do pai, o vereador Carlos Bolsonaro pediu desculpas pela publicação. "Eu escrevi o tuíte sobre segunda instância sem autorização do Presidente. Me desculpem a todos! A intenção jamais foi atacar ninguém! Apenas expor o que acontece na Casa Legislativa!"

No dia 28 do mesmo mês, uma nova mensagem foi publicada e em seguida apagada das redes sociais de Jair Bolsonaro.

O vídeo veiculado trazia um leão identificado como Bolsonaro e cercado por hienas identificadas como PT, STF, OAB, ONU e veículos de imprensa, entre outros. Decano do Supremo, Celso de Mello afirmou que "o atrevimento presidencial parece não encontrar limites".

Horas depois, Bolsonaro, que havia autorização a publicação do vídeo, pediu desculpas públicas à Corte. "Me desculpo publicamente ao STF, a quem por ventura ficou ofendido. Foi uma injustiça, sim, corrigimos e vamos publicar uma matéria que leva para esse lado das desculpas. Erramos e haverá retratação."

Fechar Supremo com cabo e soldado

Em julho de 2018, Eduardo Bolsonaro afirmou em um cursinho no Paraná para candidatos de um concurso da Polícia Federal que bastariam um soldado e um cabo para fechar o Supremo Tribunal Federal. O vídeo veio à tona em outubro.

O parlamentar fez sua declaração após ser questionado sobre uma hipotética possibilidade do STF de impedir que Bolsonaro assumisse a Presidência da República em caso de vitória nas eleições.

"Aí já está caminhando para um estado de exceção. O STF vai ter que pagar para ver e aí vai ser ele contra nós. Se o STF quiser arguir qualquer coisa, sei lá, recebeu uma doação ilegal de R$ 100 do José da Silva, pô, impugna a candidatura dele. Não acho improvável, não, mas aí vai ter que pagar para ver. Será que vão ter essa força mesmo?", disse.

"Cara, se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo, não." E completou: "O que é o STF? Tira o poder da caneta de um ministro do STF. Se prender um ministro do STF, você acha que vai ter uma manifestação popular a favor do ministro do STF, milhões na rua?"

A declaração gerou reação dura nas cortes superiores. "Juiz algum no país, juízes todos no Brasil (que) honram a toga, se deixam abalar por qualquer manifestação que eventualmente possa ser compreendida como conteúdo inadequado", afirmou Rosa Weber, ministra do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

"As declarações do deputado Eduardo Bolsonaro merecem repúdio dos democratas. Prega a ação direta, ameaça o STF", declarou o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso.

Questionado sobre o assunto, o então candidato à Presidência Jair Bolsonaro desautorizou o filho Eduardo: "Isso não existe. Se alguém falou em fechar o STF, precisa consultar um psiquiatra. Desconheço. Duvido. Alguém tirou de contexto".

Ante a repercussão, Eduardo Bolsonaro afirmou que a declaração "não era motivo para alarde" e que as reações eram "mais uma forçação de barra para atingir Jair Bolsonaro".

Cassação?

Eduardo Bolsonaro enfrentará tentativa de puni-lo na Câmara dos Deputados e no Supremo Tribunal Federal (STF).

No caso da Câmara dos Deputados, caberá ao Conselho de Ética da Casa avaliar a abertura de um processo de cassação contra o parlamentar. Em entrevista ao jornal Folha de SP, o presidente do Conselho, o deputado Juscelino Filho (DEM-MA) afirmou que existe um limite para a imunidade parlamentar. 

“Não dá para considerar que tudo está protegido pela imunidade parlamentar”, disse. “Existe uma coisa chamada imunidade parlamentar, existe uma coisa chamada direito à fala, à expressão e à opinião, mas também existe um limite quanto a isso.”

O deputado, que será responsável por conduzir o pedido da oposição para que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) seja cassado na Casa, afirmou que tratará o caso “de forma mais isenta possível”. 

Disse, no entanto, que na sua opinião como “brasileiro e parlamentar”, as declarações do filho do presidente Jair Bolsonaro foram “graves, muito impactantes e contrárias à nossa Constituição”. 

“Principalmente pelo papel de um deputado eleito pelo voto, que é líder do maior partido do Congresso [o maior partido no Congresso é o PT, com 61 parlamentares. O PSL tem atualmente 56]."

A maior punição a Eduardo, a cassação, depende de a oposição conseguir apoio nas fileiras do centrão no Conselho de Ética. Dos 21 assentos, os partidos que se declaram contrários ao governo ocupam apenas 6 cadeiras. O PSL, legenda do filho do presidente, tem 2 membros.

O professor de direito Constitucional da FGV em São Paulo Roberto Dias explicou que a Constituição garante a Eduardo Bolsonaro não ser punido "por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos". É a chamada "imunidade parlamentar", prevista no artigo 53.

"Essa garantia (imunidade) não é uma proteção da pessoa do parlamentar, mas da própria função parlamentar, para que o Parlamento possa exercer sua função com independência, para que as ideias possam circular livremente, já que os parlamentares representam as pessoas", explica Dias.

No entanto, destaca o professor, a própria Constituição também estabelece no artigo 55 que o parlamentar pode perder seu mandato por "quebra de decoro" se houver "abuso das prerrogativas (direitos)" garantidos aos congressistas.

É exatamente esse o argumento da oposição para pedir a cassação do filho do presidente. Segundo o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição na Câmara, a representação será apresentada no Conselho de Ética semana que vem.

"Ele está usando a imunidade parlamentar para defender o fim da democracia e da Constituição que ele jurou defender. É uma declaração grave e inaceitável, que fere o decoro parlamentar", disse Molon.

Após a apresentação da representação contra Eduardo, o conselho avaliará se o processo deve ser aberto. Caso isso ocorra, haverá prazo para defesa do parlamentar. Depois da análise do Conselho, ele só perderá o mandato se a maioria simples do plenário da Câmara aprovar (ao menos 257 votos). No caso do ex-deputado Eduardo Cunha, que era presidente da Casa, o processo se arrastou por meses, até sua cassação ser aprovada em setembro de 2016.

Para o jurista Miguel Reale Jr., um dos autores do pedido de impeachment que levou à queda da ex-presidente Dilma Rousseff, a fala de Eduardo Bolsonaro justifica um processo contra ele no Conselho de Ética da Câmara.

"Sem dúvida nenhuma é caso de processo de cassação do deputado. Ele fala na tripla condição de deputado, líder do partido do presidente, e filho do presidente, ele está ameaçando (com uma ação antidemocrática)", criticou.

O que pode ocorrer no STF?

PSOL, PT, PSB, PDT, PCdoB e Rede protocolaram na noite de quinta-feira (31) uma notícia-crime no STF pedindo que Eduardo Bolsonaro seja processado e condenado por "incitar publicamente ato criminoso", crime previsto no Código Penal.

No entanto, segundo integrantes do Ministério Público Federal, o caso teria que ser remetido para análise do procurador-geral da República, Augusto Aras.

Na semana passada, por exemplo, o ministro do STF Celso de Mello arquivou uma notícia-crime movida pelo deputado Paulo Pimenta (PT-RS) contra procuradores da força-tarefa da Lava Jato no Paraná.

Ao rejeitar o pedido do petista, o ministro destacou que "o Poder Judiciário não dispõe de competência para ordenar, para induzir ou, até mesmo, para estimular o oferecimento de acusações penais pelo Ministério Público".

"O monopólio da titularidade da ação penal pública pertence ao Ministério Público, que age, nessa condição, com exclusividade, em nome do Estado", afirmou ainda Celso de Mello.

O PSOL poderia ter apresentado a notícia-crime à PGR, mas não considera Augusto Aras "independente" do governo.

"A PGR poderia ser um caminho, mas com essa PGR agora fica difícil. É um novo engavetador", criticou Ivan Valente, em referência ao ex-procurador-geral Geraldo Brindeiro (1995-2003), que ficou conhecido como engavetador-geral da República.

"Vamos direto ao Supremo. Ato Institucional nº 5 significa também cassação de juízes, fechamento do Judiciário, fechamento do Congresso. Então, acho que o Supremo deve se manifestar", acrescentou o líder do PSOL.

De acordo com Roberto Dias, professor da FGV, se uma denúncia contra Eduardo Bolsonaro chegar de fato ao STF, primeiro os ministros vão avaliar se a fala do deputado sobre o AI-5 teve relação com o exercício do seu mandato, para decidir se a imunidade parlamentar se aplica no caso.

"Se a fala for feita fora do exercício da função, o parlamentar pode ser punido civil e criminalmente. Mas, a princípio, o deputado dando entrevista sobre questões do país, questões institucionais, ele está protegido", destaca.

No entanto, acredita Dias, mesmo que o Supremo entenda que o deputado estava protegido pela imunidade parlamentar, os ministros podem querer avaliar se essa proteção pode ser flexibilizada quando a declaração do deputado vai contra o próprio Congresso.

"Ele está usando a imunidade parlamentar para defender algo que destrói o próprio Parlamento. Seria uma discussão complexa. Não lembro de o Supremo já ter se deparado com essa questão, então não sei que caminho adotaria", ressaltou.


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