28/03/2024 - Edição 540

Brasil

Mães e professoras denunciam assédio em colégio militar do Amazonas

Publicado em 24/10/2019 12:00 -

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No último dia 17 de setembro, Maria* recebeu uma ligação para comparecer à Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente de Manaus. Quem fazia o pedido era o tenente-coronel Augusto Cesar Paula de Andrade, diretor do Colégio Militar da Polícia Militar do Amazonas I, o CMPM1, onde sua filha de 16 anos estuda há nove meses.

Chegando ao local, a mãe soube que a filha adolescente e mais duas amigas foram à delegacia para prestar queixa de assédio sexual contra um sargento que atuava na escola. As garotas acusam o militar de tocá-las em suas partes íntimas. De acordo com as vítimas, abordagens tendenciosas por parte do policial militar aconteciam há pelo menos dois meses, até que as garotas decidiram levar a denúncia adiante.

A filha de Maria não deixou a escola, mas a mãe viu mudanças em seu comportamento. “Ela está mais retraída, introvertida”, descreve. “Claro que o meu desejo é que o abusador seja punido, mas minha vontade maior é que isso pare de acontecer dentro da escola. É preciso que a PM faça um pente fino de quais militares atuarão ali, porque a função deles é cuidar de nossas crianças e adolescentes”, desabafa.

O caso de violência é mais um entre os 120 que foram encaminhados ao Ministério Público do Amazonas (MP-AM). São denúncias de assédio moral, sexual e violência que recaem sobre nove colégios militares do Amazonas – o CMPM1, no entanto, lidera os casos.

Segundo o órgão, um grupo de trabalho apura as denúncias e as investigações seguem sob sigilo por conta do teor e pelo envolvimento de menores de idade.

Além do caso das três jovens, a reportagem conversou com outras duas vítimas que encaminharam denúncias contra o colégio.

Uma professora afirma ter sido assediada por um PM, que atua como professor de Matemática dentro da unidade. A entrevistada conta que, em conversa com o militar sobre as notas baixas de sua filha e da chance de reprovação, ouviu: “Ela só reprova se você quiser”. Na sequência, o cabo teria deixado claro que a revisão das notas da aluna dependeria da aceitação ou não do convite para um encontro sexual com ele.

A professora está afastada do colégio desde agosto, quando o policial acusado foi reincorporado às atividades da escola, após afastamento temporário. Segundo ela, a Polícia Militar abriu sindicância para apurar a conduta do militar, sobre quem recai pelo menos mais uma denúncia de assédio.

“Estou tomando remédio controlado e ainda sinto medo, fora a sensação de que a errada sou eu, de que eu provoquei essa situação”, desabafa a professora, que diz ter sido chamada para depor no dia 30 de outubro pela Polícia Militar, já que seu caso também foi registrado na corregedoria da corporação.

Além dela, outra mãe também contou à reportagem ter encaminhado denúncia por conta de uma perseguição sofrida pela filha dentro da escola.

A mãe acusa o mesmo militar denunciado por assédio sexual de ter prejudicado sua filha. Segundo ela, como forma de retaliação a um desentendimento que mãe teve com um integrante da corporação dentro da escola. “De maio para cá, minha filha tem registro de 76 faltas e ela nunca falta à escola”, relata.

Entenda o caso

Cerca de 80 mães registraram denúncias de assédio moral, sexual e violência contra os militares dos colégios geridos pela PM no estado do Amazonas. As violações, que se acumulam pelo menos desde 2015, vieram à tona depois que o deputado Fausto Júnior (PV-AM) convocou uma audiência pública na Assembleia Legislativa para acolher os casos. Muitas vítimas afirmam sofrer ameaças para retirar suas queixas.

O advogado das Associações de Pais, Mestres e Comunitários, Ricardo Gomes, representa algumas destas denúncias e afirma que já são mais de 100 professores afastados por situações de assédio.

Por outro lado, em relação à PM, o que se sabe é que apenas um policial militar foi afastado – um coronel que atuava na direção do CMPM VIII, no bairro Compensa, na Zona Oeste de Manaus, e foi denunciado por convidar estudantes, via mensagem de aplicativo, para participarem de um ménage.

“O que tem prevalecido até o momento é a omissão, prevaricação e o corporativismo que impedem que as situações sejam investigadas com imparcialidade. Como que um militar acusado de assédio pode continuar a frequentar uma escola e conviver com crianças e adolescentes?”, questiona o advogado, que cobra também uma regulamentação mais clara na definição dos papéis da Polícia Militar e das Secretarias de Educação nas escolas militarizadas.

Professor agredido

As denúncias de violações levadas adiante por mães e professoras acontecem no mesmo ambiente em que o professor de Língua Portuguesa, Anderson Pimenta Rodrigues, foi duramente agredido dentro do Colégio Militar da Polícia Militar (CMPM) 1, unidade Petrópolis, em Manaus, unidade em que atuava desde 2015, dando aulas de Língua Portuguesa. O agressor é o tenente-coronel Augusto Cesar Paula de Andrade, diretor do CMPM1.

Rodrigues conta que o caso começou ao se negar a assinar um livro de ocorrências onde estavam registradas três infrações que alega não ter cometido. A negativa lhe rendeu um tapa no rosto desferido pelo tenente. Em um vídeo que circula pelas redes sociais, é possível ver o momento em que o professor é conduzido para uma sala por Andrade e mais dois militares, após a primeira agressão.

“Lá, sofri tortura física e psicológica. Fui empurrado, tive arma apontada para a minha cabeça e fui chamado de ‘professor de merda’”, relatou. Rodrigues registrou um boletim de ocorrência por lesão corporal. O laudo do exame de corpo de delito produzido pelo Instituto Médico Legal comprovou “lesões compatíveis com as produzidas por instrumento ou meio contundente”.

Desde o ocorrido, o professor está em licença médica, mas afirma não ter mais coragem de retornar ao colégio. “Emagreci 10 quilos, desenvolvi síndrome do pânico, sofro de insônia. Estamos mexendo com o alto escalão da polícia, é impossível não ter medo.”

O caso do professor está entre os 120 que foram encaminhados ao Ministério Público do Amazonas no início do mês. No CMPM 1, unidade em que Anderson trabalhava, há ao menos outros três casos graves. As violações, que se acumulam pelo menos desde 2015, vieram à tona depois que o deputado Fausto Júnior (PV) convocou uma audiência pública na Assembleia Legislativa. Muitas vítimas afirmam sofrer ameaças para retirar suas queixas.

Segundo o MP-Amazonas, foi instaurado um grupo de trabalho para apurar as denúncias. As investigações seguem sob sigilo pelo teor e por envolverem menores de idade.

O professor Anderson também foi chamado pelo Comando Geral da Polícia Militar para prestar depoimento no dia 21 de outubro. A corporação instaurou uma sindicância para apurar as denúncias que recaem sobre os colégios, segundo portaria publicada no dia 13 de setembro. De acordo com o documento, as investigações estão sob o comando do coronel PM Silvio Mouzinho Pereira, subcomandante da tropa, e tinham prazo de 30 dias para finalização, período que se completou no último dia 13 de outubro. A reportagem questionou a PM sobre o término da sindicância, mas não teve resposta até o fechamento da reportagem.

Em nota conjunta assinada pela Secretaria de Educação (Seduc-AM) e PM, e encaminhada à reportagem, as instituições afirmam que “não se abstém de agir diante de denúncias de práticas de assédio ou violência que cheguem ao seu conhecimento”. No texto, a Seduc-AM afirma ter recebido 19 denúncias e processos relacionados a assédio moral e abuso de poder.

“Os registros foram recebidos pela Ouvidoria da secretaria, 14 estão sob averiguação e cinco sob apuração. Nos 14 processos, a Seduc-AM adotou as medidas administrativas, encaminhamentos e solicitações aos co-gestores da Polícia Militar do Amazonas (PMAM) que atuam nas escolas da rede de modelo militar. Quanto aos casos que ainda estão em análise, a secretaria tem o compromisso de encaminhar as medidas administrativas que forem necessárias quando constatadas ou não a veracidade das denúncias”.

A reportagem teve acesso ao registro de manifestações da ouvidoria da Seduc-AM e contabilizou, este ano, 32 casos tipificados como assédio moral e abuso de autoridade. Questionada sobre a divergência entre os números, a Secretaria de Educação informou que os 19 casos citados inicialmente fazem referência somente até o mês de agosto. A pasta reconheceu 28 casos tendo como tipificação abusos de poder e ou assédio moral pela ouvidoria.

O advogado das Associações de Pais, Mestres e Comunitários, Ricardo Gomes, que vem representando grande parte dos casos questiona a conduta da Secretaria de Educação e da PM. “O que tem prevalecido até o momento é a omissão, prevaricação e o corporativismo que impedem que as situações sejam investigadas com imparcialidade. Como que um militar acusado de assédio pode continuar a frequentar uma escola e conviver com crianças e adolescentes?”, questiona.

*O nome da entrevistada foi alterado por questões de segurança.


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