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Cultura e Entretenimento

Nas artes plásticas, identidade do Estado revela “Brasil profundo”

Publicado em 15/10/2019 12:00 -

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Identidade é querer ser alguém, é a busca de caminho próprio. “Somos o Brasil profundo”, define Humberto Espíndola, artista plástico consagrado, criador da bovinocultura – termo de uma iconografia que também transfere a arte para o campo sociológico. “O boi é uma cultura nossa não há como não falar dele”, explica. Primeiro secretário de Cultura do Estado e ex-diretor do MARCO (Museu de Arte Contemporânea), Humberto diz que a identidade aparece automaticamente quando se tem um trabalho sólido. A base, segundo ele, é a educação e a cultura, e a consciência de buscar um espaço é mais importante do que buscar uma figura. “Para encontrar uma identidade, o artista tem é que trabalhar, produzir muito”, observa Humberto.

Uma das funções da arte é criticar a sociedade, mostrar o que não quer ver. A arte lê o pensamento de um período histórico. O artista deve refletir seu meio ambiente. A obra tem que ter força social, durabilidade.

Neste contexto, é preciso lembrar de duas importantes artistas plásticas que, de certa forma, são a fonte desta identidade: Inês Correa da Costa e Lídia Baís, cuja residência era vizinha a de Espíndola. Lídia pintou cerca de 100 quadros e é considerada principal nome da nossa arte. “Se ela tivesse participado dos movimentos culturais, seria nossa Anita Malfatti”, declara Humberto.

Em 1966, época em que o Brasil fervilhava cultura, Campo Grande foi palco do primeiro movimento cultural em busca desta “identidade”. Organizado justamente por Espíndola e pela historiadora e crítica de arte Aline Figueiredo, os dois à época jovens universitários conseguiram reunir dos municípios do Mato Grosso Uno artistas plásticos potenciais e os apresentaram na 1ª Exposição de Pintura dos Artistas Mato-grossenses, no Rádio Clube.

“As artes plásticas, mesmo antes da criação de Mato Grosso do Sul, começam em Campo Grande”, explica Aline Figueiredo, corumbaense, hoje radicada em Cuiabá. Apesar dos esforços, a 1ª Exposição no Rádio Clube não agradou ao renomado crítico paulista Pietro M. Bardi, que afirmou que a produção dos artistas era incipiente. “Estávamos na periferia”, concorda Espíndola, que a partir daí, junto com Aline Figueiredo, sente a necessidade de construir algo novo.

No ano seguinte, em 1967, 10 anos antes da divisão do Estado, cria-se em Campo Grande a Associação Mato-Grossense de Arte (AMA), que dá início ao movimento contemporâneo. “Entender esse processo nas artes permite compreender muito sobre esse processo histórico”, pontua Aline, autora do livro “Artes plásticas no Centro Oeste”. O movimento, inclusive, deu projeção nacional a alguns nomes de sul-mato-grossenses como Jorapimo, Humberto Espíndola, Ilton Silva e Conceição dos Bugres. Neste ano, Espíndola cria o tema Bovinocultura e expõe com sucesso no IV Salão de Arte Moderna do Distrito Federal em Brasília.

Outro momento importante para criação da sonhada identidade cultural, foi o movimento Guaicuru, criado pelo artista plástico Henrique Spengler. Inspirado na cultura dos índios kadiwéu, Spengler levou para as telas a arte que os nativos originalmente reproduziam em vasos de cerâmica e transformou os traços indígenas em marca de identidade. Junto com ele, o Índio (José Carlos da Silva, 1948-1991) Jonir Figueiredo e Adilson Schieffer, fundam a Unidade Guaicuru, e o grupo trabalha a iconografia com clara preocupação relativa à cultura indígena, fazendo uma releitura cromática dos signos kadiwéu, terena e guarani, consolidando a parcela geométrica de nossa tendência abstracionista, ao lado de Áurea Katsuren e do douradense Paulo Rigotti.

A identidade cultural do Estado e o mercado de consumo da arte

A cultura de Mato Grosso do Sul também é marcada pelas artes plásticas de Isaac de Oliveira (1953-2019). Um dos criadores da identidade cultural do Estado, o artista foi responsável por abrir um importante espaço de mercado para a temática regional. Com cores exuberantes, flores, pássaros, ipês e índios, os traços de Isaac ganharam vida fora das icônicas telas (expostas também no exterior) e foram parar, inclusive, em objetos como canecas, almofadas, capas de tablets, abajours e até capas de celular. Com esta atitude, ele conseguiu agregar os fãs de arte e alcançar públicos distintos que antes não consumia arte local.

Na opinião da crítica de arte e professora doutora Maria Adélia Menegazzo, a busca por uma identidade cultural sul-mato-grossense persiste desde a criação do Estado.  Por uma questão geográfica, mas também histórica, econômica e linguística, estamos abrigados sob o rótulo de arte regional, o que implica ocupar um lugar periférico e marginal no mapeamento da arte brasileira, geralmente condescendente e pouco esclarecedora de seus valores. Visto de uma outra perspectiva, este dado deveria abrir para uma ideia de lugar especial, cultivado a partir da troca de experiências com outros regionalismos, entre artistas e, até mesmo, instituições. 

Em sua análise, nosso regionalismo se identifica com a natureza e dela retira suas referências. “Não tenho dúvida de que a noção de regionalismo esteja vinculada ao meio, mas o meio não é apenas formado de animais, plantas e águas, há também o homem e sua maneira de viver”, diz. Segundo ela, não podemos esquecer que Mato Grosso do Sul tem vida urbana, rural e cultural, e que sua população é variada, composta por muitos povos.

“Se voltarmos para alguns dos chamados artista históricos, aqueles que estavam produzindo no momento da divisão, podemos perceber que havia em suas obras uma determinação cultural e coletiva de configurar uma identidade regional”, neste contexto, a professora cita as obras de Humberto Espíndola – que, à época da criação do Estado de Mato Grosso do Sul, fez a obra emblemática “Divisão do Estado”, série de oito quadros que estão expostos no MARCO e dava conta da sociedade do boi; Ilton Silva, das populações marginalizadas; Jorapimo, das águas e dos homens e mulheres dos nossos rios; Mary Slessor, dos indígenas e suas culturas; Conceição dos Bugres, que humanizava a madeira com seus entalhes; Jonir Figueiredo, que denuncia a matança dos jacarés; Neide Ono, que figurava, com suas peças em cerâmica, uma natureza mínima e harmônica; e Therezinha Neder, que trazia o cotidiano na leveza de suas telas.


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