24/04/2024 - Edição 540

Poder

Entenda o que está em jogo na guerra de Bolsonaro pelo controle do PSL

Publicado em 11/10/2019 12:00 -

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Jair Bolsonaro enfrenta duas questões importantes ao disputar com o cacique do PSL, Luciano Bivar, o controle do partido pelo qual chegou ao Palácio do Planalto.

O lado nobre do debate estaria no fato de o presidente querer controlar o partido para passar a utilizar seu orçamento invejável de 100 milhões de reais anuais na formação de uma estrutura partidária que confira alguma substância programática ao bolsonarismo.

Hoje, a fatia mais apegada a Bolsonaro não passa de uma massa de manobra ambulante presa a um barbante amarrado nos dedos de Bolsonaro e de Olavo de Carvalho, que ditam o show pelas redes sociais. Não há ideologia ou substância política nisso.

A turma de Bolsonaro afirma querer usar o dinheiro para criar uma fundação que forme seus filiados, estabeleça bandeiras mais sólidas de debate e secretarias setoriais que passem a adotar as visões ideológicas do bolsonarismo em debates sobre mulheres, negros, minorias, família…

Essa é a parte palatável da conversa. O lado B disso é o velho e bom caciquismo. Para ser eleito, Bolsonaro, é bom lembrar, precisou pegar carona num acordo obscuro com um partido de aluguel que estava fadado a morrer pela cláusula de barreira. Bivar entregou seu PSL ao presidente porque sabia disso.

O PSL de agora tem uma luxuosa sede no coração de Brasília, foi convertido em partido grande, com orçamento multimilionário. Por que Bivar entregaria seu negócio familiar de anos a Bolsonaro? Não é de hoje que essas legendas de aluguel são utilizadas como espécie de empresas familiares pelos caciques que empregam a parentada toda nos seus diretórios.

A ala que apoia o cacique pernambucano afirma que Bolsonaro ataca Bivar porque quer botar a mão na grana do partido para gerar mais um negócio familiar. Por esse ângulo, não há nobres nesse debate. Só a clara deformação do sistema partidário incapaz de evitar o uso de verbas públicas para toda sorte de interesses inconfessáveis.

TSE deve dificultar

A pedido de um parlamentar do bloco bolsonarista do PSL, um advogado que presta serviço a partidos políticos esteve na noite desta quarta-feira com um ministro do Tribunal Superior Eleitoral. Conversaram sobre a hipótese de Jair Bolsonaro deixar o PSL, levando consigo algo como duas dezenas de parlamentares. O ministro informou ao interlocutor que o TSE tende a ser rigoroso na aplicação da lei em casos de infidelidade partidária.

O mandato de Bolsonaro não seria afetado em caso de abandono do partido. Mas os deputados que o acompanhassem numa eventual pulada de cerca correriam elevado risco de perda dos respectivos mandatos. E não levariam para a outra legenda nem o tempo de propaganda na televisão nem a verba dos fundos partidário e eleitoral correspondente aos votos que obtiveram em 2018.

Para desassossego de Bolsonaro e do seu grupo, o ministro informou ao advogado que, em tese, não havendo expulsão nem justa causa para a saída, a vitrine televisiva e o dinheiro ficam com o PSL. Está em jogo uma caixa de R$ 359 milhões para o ano eleitoral de 2019 —R$ 113,9 milhões do fundo partidário e R$ 245,2 milhões do fundo eleitoral.

O advogado perguntou ao ministro se a falta de transparência na gestão das verbas públicas destinadas ao PSL poderia caracterizar a "justa causa" para a troca de legenda. Embora o membro do TSE não tenha soado categórico, deu a entender que a tese dificilmente prevaleceria no tribunal. Se comprovados, eventuais desvios na aplicação dos recursos sujeitariam os dirigentes partidários a punições, mas não serviriam de pretexto para a infidelidade partidária.

Em privado, Bolsonaro disse aos deputados com os quais se reuniu nesta quarta que busca alternativas jurídicas para abrir a maçaneta da porta de saída do PSL. Aos repórteres, negou que esteja fazendo as malas. Classificou suas desavenças com o partido e seu presidente, Luciano Bivar, de "briga de marido e mulher". Coisa que "de vez em quando acontece". Considerando-se o caráter mercantil da relação de Bolsonaro com o PSL, o matrimônio deveria se chamar "patrimônio". No caso específico, um patrimônio público.

A fazenda e os bois

Bolsonaro agiu de forma inconsequente para tentar se afastar das denúncias de corrupção sobre seu partido, antecipando sua saída da legenda e criando um problema para parlamentares que desejam segui-lo. Ou adotou uma estratégia arriscada a fim de criar uma justificativa, no médio prazo, para que a transferência de seus aliados venha junto com a manutenção do mandato, do tempo de rádio e TV e do dinheiro dos fundos públicos. A avaliação é de dois advogados eleitorais ouvidos pelo blog sob o compromisso de anonimato devido ao envolvimento no caso.

Poucos acreditam que Bolsonaro permaneça muito tempo no PSL. Da mesma forma, quase ninguém que acompanha a política nacional daria o Oscar de melhor ator ao presidente – pois não soou acidental a gravação em que aparece falando mal do PSL e de seu presidente, Luciano Bivar, ao atender um grupo de fãs. A questão foi de timing (ou a falta dele). Bolsonaro pode deixar a fazenda a qualquer momento. "Mas devido a questões legais será difícil levar o rebanho", afirmou um dos especialistas ouvidos.

Quando o Supremo Tribunal Federal criou a obrigatoriedade da fidelidade partidária, o Tribunal Superior Eleitoral gerou uma resolução que descreve quatro razões que configurariam uma justa causa para desfiliação em cargos proporcionais (deputados federais, estaduais e distritais e vereadores). Ou seja, casos em que o parlamentar dá tchauzinho para a sua antiga legenda e leva junto o mandato, o tempo de rádio e TV e a fatia no fundo partidário.

São eles: grave perseguição pessoal, desvio reiterado do programa partidário, fusão ou incorporação do partido e a criação de um novo partido.

Para um dos advogados ouvidos pelo blog, isso destampou o inferno. Basicamente, o TSE disse que quem quisessem sair, bastaria criar algo novo. E quase uma dezena de siglas foram criadas. O ministro Gilmar Mendes chegou a reclamar disso, ao afirmar que toda vez que o STF e o TSE tentam corrigir o sistema, eles o pioram.

Grandes partidos do Congresso Nacional, com medo de perderem gente (e dinheiro) resolveram colocar isso em lei e mudar o entendimento, segundo um dos advogados. Tiraram a quarta hipótese (saída par a criação de um novo partido). E afirmaram que, mesmo com a justa causa, o parlamentar não pode levar tempo de rádio e TV e dinheiro nas outras três hipótese, apenas o seu mandato.

Outro advogado ouvido afirma que a constitucionalidade dessas mudanças estão sendo debatidas na Justiça, mas não há decisão do STF até agora.

Janela de transferência

E foi criada uma quarta nova hipótese: no último ano de seu mandato, durante uma janela de transferência, o parlamentar pode mudar de partido. A ideia é que se ele ou ela cumpriu o compromisso com o mandato e os eleitores, pode querer um novo rumo político e sair por outra agremiação política. Mas não vale para qualquer eleição – por exemplo, não seria beneficiado um deputado federal que queira sair candidato a prefeito, como é o caso de vários membros do PSL, em 2020.

De acordo com os advogados, a jurisprudência foi balizando o que são as três hipóteses. Na grave perseguição pessoal, por exemplo, estaria claro que ser excluído de órgãos do partido ou de comissões e mesmo receber menos recursos do fundo não seria o caso. Pois isso diria respeito à dinâmica interna de cada um, não cabendo à Justiça decidir.

Há casos em que o presidente de um diretório concorda que não há mais clima e fornece uma carta ao parlamentar de comum acordo. E a Justiça eleitoral tem aceito isso como prova da grave perseguição pessoal. "O que é bizarro", na leitura de um dos advogados, "porque o cara pode comprar o mandato, por exemplo, dar R$ 50 mil para o presidente do diretório, e levar a carta". Para ele, há indícios de que, no futuro, o TSE vai entender que isso não é válido.

Para os advogados, é difícil reconhecer a questão do desvio do programa partidário como justa causa para saída. Dizem que a tendência da Justiça não é ser paternalista com deputados que reclamam de qualquer coisa, mas obrigar que mostrem as mudanças profundas a partir das quais a convivência se tornou insuportável. Um deles cita o exemplo da saída da vereadora Soninha Francine, do PT em direção ao PPS, em 2007, quando esse argumento foi usado. "Adotou-se a justificativa da ética. Era a época do Mensalão. Mas o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo não julgou o caso. Sentou em cima do processo e deixou ela terminar o mandato. Não arriscou julgar a tese."

A justificativa que o governo está tentando construir é de que Bivar se recusa a dar transparência à gestão do PSL, bloqueando uma dissidência interna que estaria tentando construir um programa de compliance, segundo outro advogado, diretrizes e regras para que o partido cumprisse as normais legais e evitasse, detectasse e combatesse desvios.

Mas tentar criar uma justificativa a partir disso é algo complexo. Não é possível dizer ainda que há uma tentativa estrutural de impedir mais transparência e governança ao partido. E há um problema simples, segundo um dos especialistas ouvidos, o PSL vai prestar as contas de 2019 apenas em junho de 2020. Ou seja, não dá para dizer que descumpriu algo que ainda está em curso em uma situação em que rumos podem ser corrigidos.

Para garantir que deputados possam sair como candidatos do próximo partido de Bolsonaro, seja lá esse qual for, eles precisam sair até o início de abril do ano que vem.

Produzindo evidências

Para os advogados ouvidos, os argumentos que os bolsonaristas têm, por enquanto, são fracos e dificilmente o TSE compraria isso – mesmo um TSE que tem sido simpático ao governo, como no caso da investigação incompleta sobre a aquisição de envios maciços de mensagens, via WhatsApp, por empresários simpáticos ao então candidato. Mas os deputados podem ficar fustigando publicamente isso para fazer com que Luciano Bivar e aliados adotem represálias contra eles, construindo, assim, o argumento da perseguição.

A Justiça Eleitoral, contudo, segundo os especialistas, não aceita que um parlamentar trate uma ofensa que sofrer como um bônus e guardá-lo para usar no futuro. "Se alguém mandou ele tomar no cu lá atrás e ele continuou convivendo por meses, essa justificativa não será aceita." Fazer com que três dezenas de deputados saiam juntos vai demandar uma justificativa individual para cada um, o que é mais difícil. E sair aos pouquinhos não gera o clímax politico que Bolsonaro e bolsonaristas querem.

O presidente da República pode largar o PSL como já deixou outros – ele mesmo não esconde a sua dificuldade em conviver com a vida partidária. Para garantir a simpatia de seu eleitorado, principalmente o naco lavajatista, precisa se afastar das denúncias envolvendo a utilização de laranjas nas eleições.

Reportagem de Camila Mattoso e Ranier Bragon, da Folha de S.Paulo, mostra que parte dos recursos foi usado para produzir material de campanha do seu ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, ao cargo de deputado federal, mas também para Bolsonaro, pode ter ajudado a catalisar esse processo.

Ele pode ter pensado, estrategicamente, que jogar tudo no ventilador era a melhor coisa. Mas sua estratégia parece não ter tido tempo de analisar os impactos disso para seus aliados no Congresso Nacional. O que seria Bolsonaro sendo Bolsonaro.


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