28/03/2024 - Edição 540

Brasil

Por que Bolsonaro vetou projeto que obrigava hospitais a notificar violência doméstica

Publicado em 11/10/2019 12:00 -

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O presidente Jair Bolsonaro vetou de forma integral o projeto de lei que obrigava profissionais rede pública e privada de saúde a notificar indícios e casos explícitos de violência contra a mulher à polícia em, no máximo, 24 horas.

Em sua justificativa ao veto à proposta, o governo alegou que a decisão foi tomada “por contrariedade ao interesse público”. O projeto havia passado pelo Senado em março, e voltado à Câmara em setembro, quando foi aprovado.

Redes de saúde já são obrigadas por lei a notificar os casos, mas não havia prazo para a comunicação e nem a obrigação de notificar indícios de violência contra a mulher. A proposta tinha intenção evitar a subnotificação.

Inicialmente, a medida previa uma alteração na Lei Maria da Penha. Mas o Senado decidiu adicioná-la na Lei 10.778, de 2003, que já regula este tipo de prática em hospitais tanto públicos quanto privados.   

Bolsonaro afirmou que, antes de vetar o PL, consultou o Ministério da Saúde e também o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que se manifestaram a favor da não aprovação integral do projeto de lei. 

“A proposta contraria o interesse público ao determinar a identificação da vítima, mesmo sem o seu consentimento e ainda que não haja risco de morte, mediante notificação compulsória para fora do sistema de saúde”, afirmaram.

Texto ainda aponta que a identificação compulsória da vítima “vulnerabiliza ainda mais a mulher”, destacando a importância do sigilo nesses casos, evitando que esta mulher seja exposta a outros episódios de violência.

“O sigilo é fundamental para garantir o atendimento à saúde sem preocupações com futuras retaliações do agressor, especialmente quando ambos ainda habitam o mesmo lar ou ainda não romperam a relação de afeto ou dependência.”

A deputada Renata Abreu (PTN-SP), autora do projeto, na justificativa, afirma  que “não existe por parte dos órgãos governamentais qualquer canal de comunicação entre hospitais e delegacias que mapeie de forma significativa as áreas com maior concentração de violência à mulher”

Para a deputada, “uma vez que, a mulher agredida, por medo, deixa de registrar o boletim de ocorrência, porém, procura um hospital devido às lesões”.

Ainda na justificativa, Abreu escreve que “muitas vezes não há conhecimento das secretarias de justiça do ocorrido e tal estatística passa despercebido. Diante disso, o preenchimento dessa lacuna poderá ser uma boa arma nesse enfrentamento, pois, muitas vezes o médico identifica a violência praticada, porém, não tem opções para fornecer ajuda à vítima.”

Na época em que foi aprovado pelo Senado, a Rede de Feminista de Ginecologistas e Obstetras, emitiu uma nota pública em que reconhece o olhar atento do Congresso Nacional sobre o tema, mas aponta incongruências no projeto de lei que, segundo o grupo, é inconstitucional por tornar compulsória a notificação dos casos de violência e ignorar a exposição da vítima.

“Os dispositivos do PL 2.538/2019 impõem a quebra do dever de sigilo profissional e representam uma clara violação dos direitos à privacidade e à autonomia da mulher em situação de violência”, diz a nota. “A obrigatoriedade da notificação às autoridades policiais expõe ainda a mulher a um maior risco de retaliação por parte do agressor e tem pouco ou nenhum efeito na condenação do autor do crime, conforme demonstrado em estudos prévios.”

A postura do coletivo vai ao encontro da postura do Ministério da Saúde e Ministério dos Direitos Humanos, que considera que o PL, além de prejudicial à relação de confiança dos profissionais de saúde e a mulher fere o princípio da dignidade e autonomia da mulher e os seus derivados constitucionais.

Lei Maria da Penha, uma referência que visa prevenção

Nesta semana, outros dois projetos que alteram a Lei Maria da Penha e visam ampliar a proteção de mulheres vítimas de violência doméstica foram sancionados pelo presidente Jair Bolsonaro. Os textos entram em vigor assim que forem publicados no Diário Oficial da União.

Apresentado pelo pelo deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), o primeiro projeto de lei determina que arma de fogo do agressor seja apreendida em até 48 horas após a ocorrência de violência doméstica chegar à Justiça. Nesse caso, a aplicação não depende de avaliação do juiz responsável pelo caso.

Na justificativa, o Molon afirma que o Brasil é o quinto país que mata mais mulheres no mundo e que em 2016, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, uma mulher foi assassinada a cada duas horas.

Porém, a alteração na Lei Maria da Penha não permite que o delegado suspenda o porte ou posse de arma ou que a apreenda imediatamente. A arma poderá ser apreendida de imediato somente se tiver sido utilizada na prática do crime ― como como utilizá-la para ameaças ou efetuar disparos.

Para o deputado, a medida poderá ajudar a evitar feminicídios, especialmente aqueles cometidos por pessoas próximas à vítima.

“Muitas mulheres acabam sendo assassinadas pelos seus companheiros, maridos, ex-maridos, ex-companheiros depois da primeira denúncia de violência doméstica. O que nossa lei faz é garantir que toda vez que alguém agrida outra pessoa, se ela tiver a posse ou porte de arma, a arma será recolhida durante a apuração daquela denúncia”, disse em plenário.

Outro projeto aprovado tem foco em assegurar prioridade na matrícula ou transferência em escolas públicas de educação básica aos filhos de mulheres que sofrem violência doméstica. O juiz poderá determinar a matrícula independentemente da existência de vaga.

De autoria da deputada Geovania de Sá (PSDB-SC), proposta visa auxiliar as vítimas nos casos em que é necessário abandonar a moradia do agressor. Muitas vezes, com a mudança repentina de endereço, mulheres encontram dificuldades para matricular os filhos no meio do ano letivo em outra escola.

Deputados aprovaram uma emenda do Senado, feita em março, para impor que os dados da vítima e dos dependentes sejam mantidos em sigilo no processo de matrícula. O acesso às informações será reservado ao juiz, ao Ministério Público e a órgãos competentes do Poder Público.

Proposta estabelece que o juiz responsável pelo caso poderá determinar a matrícula dos dependentes da vítima na escola mais próxima à sua residência, “independentemente da existência de vaga”.

A deputada Flávia Arruda (PL-DF), que apresentou parecer favorável à mudança feita pelo Senado, afirmou que a medida representará um avanço no combate à violência doméstica.

Segundo ela, a garantia de matrícula e o sigilo dos dados servirão para encorajar a mulher a denunciar a violência e deixar a casa onde vive com o agressor. “Uma das principais preocupações é onde os filhos irão estudar.”

Lei Maria da Penha, uma referência que visa prevenção

Em 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha estabeleceu que é dever do Estado criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres e que todas elas, “independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião”, devem gozar dos direitos fundamentais, “oportunidades e facilidades para viver sem violência”. 

Treze anos após ser sancionada, houve um amadurecimento por parte da sociedade, poder público e Justiça na consciência e diagnóstico desse tipo de violência. Mas a criação de políticas públicas de prevenção, atendimento e diretrizes educacionais previstas em lei continuam a ser desafios.

É crescente o número de mulheres assassinadas no País. Segundo o Atlas da Violência de 2019, 4.963 brasileiras foram mortas em 2017, considerado o maior registro em dez anos.

A taxa de assassinato de mulheres negras cresceu quase 30%, enquanto a de mulheres não negras subiu 4,5%. Entre 2012 e 2017, aumentou 28,7% o número de assassinatos de mulheres na própria residência por arma de fogo. 

Dados do 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública evidencial alta dos homicídios contra mulheres em razão de gênero, o chamado feminicídio, descrito no Código Penal, após alteração feita pela Lei nº 13.104, em 2015.

Em 2018, 1.206 mulheres foram vítimas de feminicídio, uma alta de 4% em relação ao ano anterior. De cada dez mulheres mortas, seis eram negras.

A faixa etária das vítimas é mais diluída: 28,2% têm entre 20 e 29 anos, 29,8% entre 30 e 39 anos. E 18,5% entre 40 e 49 anos. Nove em cada dez assassinos de mulheres são companheiros ou ex-companheiros.

A Defensoria Pública, por meio do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem), disponibiliza cartilhas com orientações de atendimentos à mulher vítima de violência, além de endereços de delegacias especializadas.


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