28/03/2024 - Edição 540

Brasil

Lealdade a Trump e os riscos da política externa de Bolsonaro

Publicado em 10/10/2019 12:00 -

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O governo Bolsonaro tem buscado mudanças profundas na forma como o Brasil se relaciona com o mundo. São guinadas na política externa que geram oportunidades, mas também riscos. Entre as mudanças está o alinhamento quase automático com o governo Donald Trump. A relação entre os dois presidentes divide a opinião pública, especialmente sobre suas vantagens para o Brasil.

Uma enquete realizada pela revista Semana On entre seus leitores no Facebook, entre os dias 27 de setembro a 3 de outubro, mostrou exatamente isso. Dos 173 participantes, 88 (51%) disseram que a relação entre ambos não está sendo positiva para o Brasil. Outros 85 leitores (49%) pensam ao contrário, e disseram que, sim, a relação está sendo positiva.

A aproximação entre os dois presidentes trouxe algumas vantagens ao Brasil, como a decisão do presidente Donald Trump de tornar o nosso país oficialmente um aliado estratégico extra-Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) — isso significa que o Brasil terá vantagens de acesso a tecnologia militar americana

Mas os reveses são também importantes. Na quinta-feira (10) o governo dos Estados Unidos recusou a solicitação do Brasil para fazer parte da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). O secretário de Estado dos EUA, Michael Pompeo, rejeitou um pedido para discutir o aumento do clube dos países mais ricos. A informação foi obtida a partir da cópia de uma carta enviada ao secretário-geral da OCDE, Angel Gurria, em 28 de agosto. Ele acrescentou que Washington apenas apoiou as ofertas de membros da Argentina e da Romênia.

Os EUA continuam a preferir o alargamento a um ritmo lento que leva em consideração a necessidade de pressionar pelo planejamento de governança e sucessão", afirmou o governo na carta.

A mensagem contradiz a postura pública adotada pelos Estados Unidos sobre a questão. Em março, o presidente Donald Trump declarou, em conferência com o presidente Jair Bolsonaro, na Casa Branca, que ele apoiaria o Brasil na tentativa de entrar no grupo de 36 países. Em julho, o secretário do Comércio dos Estados Unidos, Wilbur Ross, reiterou o apoio de Washington ao Brasil, que apresentou seu pedido de adesão à OCDE em maio de 2017.

Os EUA apoiam a ampliação comedida da OCDE e um eventual convite para o Brasil, mas estão trabalhando primeiro para as entradas de Argentina e Romênia, tendo em vista os esforços de reforma econômica e o compromisso com o livre mercado desses países, disse uma autoridade sênior dos EUA, que pediu para não ser identificada porque não está autorizada a falar publicamente sobre deliberações políticas internas.

O ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, havia dito durante o Fórum de Investimentos Brasil 2019, em São Paulo, que o Brasil estava "pronto" para entrar na organização. "Estamos vivendo uma extraordinária abertura econômica. Estamos prontos para integrar a OCDE. Nós e o setor privado acreditamos que isso será chave para o desenvolvimento do Brasil."

"A abertura do Brasil para cadeia global de valor exige parcerias com todos investidores. Para isso, estamos com uma agenda dinâmica que pode criar oportunidade de desenvolvimento para todos", disse o chanceler.

Ele apontou ainda que considera que a liberdade econômica e política caminham juntas. "Estamos convencidos de que o eixo do patriotismo é o que vai levar realmente o país para frente", afirmou Araújo.

É um grande revés para o governo Bolsonaro, que trabalha intensamente em uma aproximação com os Estados Unidos. A entrada na OCDE era vista como a principal vitória após uma viagem a Washington, em março. Em julho, o presidente chegou a afirmar em uma live nas redes sociais que a negociação estava "bastante avançada". "Todos os países concordam com a nossa entrada", disse na ocasião. Em maio, o blog de Jami Chade já havia antecipado uma hesitação de diplomatas americanos em atender o pleito brasileiro.

Segundo especialistas, as apostas na política externa também geram riscos no médio e longo prazo, como os listados a seguir:

— Possibilidade de isolamento do Brasil, caso governos aliados caiam

— Resistência da União Europeia em aprovar o acordo comercial do Mercosul

— Restrições dos europeus à entrada do Brasil na OCDE

— Potenciais boicotes a produtos brasileiros

O risco de colocar 'todas as fichas' no político A

Desde que tomou posse, Bolsonaro tem investido em se aproximar de Donald Trump, num comportamento que especialistas em relações exteriores dizem caracterizar um "alinhamento automático", quando uma nação passa a apoiar a outra em todas as questões de conflito internacional.

O presidente também tem fortalecido a aliança com outros governos e líderes conservadores ou nacionalistas. Alguns exemplos são Benjamin Netanyahu, em Israel, Viktor Orban, na Hungria, e Matteo Salvini, na Itália.

Fugindo da tradição de neutralidade, Bolsonaro tem ainda opinado diretamente no processo eleitoral da Argentina, defendendo a candidatura de Mauricio Macri e fazendo críticas pesadas ao adversário dele, Alberto Fernandez, que tem a ex-presidente Cristina Kirchner como vice na chapa.

Mais de uma vez, o presidente brasileiro disse que a Argentina poderá se tornar "uma Venezuela" se Fernandez vencer.

"Olhem o que está acontecendo na Argentina agora. A Argentina está mergulhando no caos. A Argentina começa a trilhar o rumo da Venezuela, porque nas primárias bandidos de esquerda começaram a voltar ao poder", afirmou Bolsonaro em agosto, durante evento no Piauí.

O risco dessa nova estratégia de política externa brasileira é o Brasil apostar fichas demais em governos que podem, eventualmente, cair ou simplesmente não se reeleger, aponta o professor de Relações Internacionais Marco Vieira, da Universidade de Birmingham, no Reino Unido.

A relação acaba sendo menos pragmática e mais pautada na identificação ideológica com líderes estrangeiros. Ou seja, deixa de ser uma relação entre Estados, para se tornar uma relação entre líderes.

"É uma política arriscada, porque pode levar a um isolamento do Brasil. O governo está apostando muito numa aliança bilateral com os Estados Unidos e é uma aliança que pode não ter futuro, a depender do resultado das eleições no ano que vem", disse Vieira.

Trump vai tentar a reeleição em novembro de 2020. Mas, antes disso, terá que enfrentar a maior crise desde que se elegeu presidente em 2016. Ele virou alvo de um processo de impeachment por ter pedido ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, que investigasse o filho do Democrata Joe Biden, potencial adversário do presidente americano na eleição do ano que vem.

Ou seja, se Trump é afastado do cargo ou não se reelege, os benefícios que o Brasil esperava obter com essa proximidade com Estados Unidos podem não chegar a se concretizar.

Vale lembrar que o Partido Democrata, de oposição a Trump tem tido postura crítica ao governo Bolsonaro. Um dia depois do discurso de Bolsonaro na ONU, um grupo de 16 parlamentares apresentou uma resolução à Câmara dos Representantes para cancelar a designação do Brasil como aliado preferencial extra-Otan e suspender todo o apoio militar e policial oferecido pelos EUA ao governo brasileiro.

Se os democratas ganharem a eleição americana em 2020, a relação do Brasil com os Estados Unidos pode mudar radicalmente.


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