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Artigo da Semana

Barbárie no sistema carcerário brasileiro segue sem controle

Publicado em 08/10/2019 12:00 -

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Nos últimos anos vimos um crescimento vertiginoso dos números de encarcerados no Brasil. De 1990 para cá, a população prisional se multiplicou em mais de sete vezes, alçando o Brasil ao terceiro país que mais encarcera no mundo. 

Apesar do reconhecimento de que o sistema prisional brasileiro se trata de uma tragédia anunciada, não houve um enfrentamento efetivo da tortura, tampouco o compromisso com políticas de redução da população encarcerada. Pelo contrário: o projeto de barbárie segue intacto.

Em maio, 55 presos foram mortos em Manaus. Em julho, 62 foram assassinados em Altamira

No caso do massacre do Manaus, o serviço de inteligência da Secretaria identificou com antecedência o risco das mortes e o secretário Marcus Vinicius de Almeida, dois dias antes, elogiou o sistema de intervenção rápida nos presídios, informando que este seria capaz de agir em até 10 minutos.

Apesar disso, os assassinatos iniciaram-se com 15 mortes no dia 26, e se estenderam com mais 40 mortes durante o dia 27, não tendo as autoridades responsáveis atuado para impedir que a contagem de corpos seguisse, ignorando por mais de um dia os pedidos de socorro. Cabe frisar que as unidades prisionais amazonenses, que produziram ao menos 111 mortos nos massacres de 2017 e 2019, são privatizadas. 

Em Altamira, quatro presos que haviam sobrevivido ao massacre foram mortos durante a transferência. O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PSL), debochou das dezenas de mortes e, quanto aos quatro detentos assassinados no transporte oficial, declarou que “problemas acontecem”. É neste cenário de barbárie que o sistema prisional se fecha mais ao controle externo. 

Parte significativa das denúncias são feitas por familiares de pessoas presas. No entanto, as dificuldades impostas às visitas só aumentam: em Roraima e Ceará familiares de pessoas presas são obrigadas a vestir uniformes para fazer a visita; a persistência da revista vexatória em alguns locais convive com a realização de procedimentos médicos invasivos e humilhantes em outros.

Esses impedimentos à visita de familiares configuram-se como graves ataques ao que se pode entender como um sistema mais amplo de prevenção e combate à tortura.

Em casos como o da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, Roraima, famílias chegaram a ficar meses impedidas de entrar e visitar os sobreviventes. “Eu tô desesperada”, apontou a mãe de um preso em Altamira. “A gente ouve bomba, tem sempre gente entrando. A gente precisa saber, porque caso tenha acontecido o pior, temos que lidar com funeral”, afirmou à Pastoral.

Outras entidades sofrem restrições semelhantes. A Pastoral Carcerária, entidade da igreja católica que presta assistência humanitária e religiosa nas unidades prisionais, em relatório sobre limitações ao seu trabalho, apontou que “fica evidente que há também estreita conexão entre as restrições ao trabalho e a sua perspectiva que contempla a promoção integral do ser humano, inclusive denunciando irregularidades e torturas.”
É possível observar, nesse sentido, um fechamento do cárcere à sociedade civil que se acentua na medida em que a situação de barbárie nos presídios se agrava. As dificuldades maiores à entrada e conversa com os presos parecem ser uma marca, também, da atuação da Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária, vinculada ao Departamento Penitenciário Nacional.

Luisa Cytrynowicz – Integrante da área jurídica da Pastoral Carcerária Nacional, e o texto acima foi sua fala em audiência temática da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre o combate à tortura no Brasil


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