26/04/2024 - Edição 540

Poder

Entenda o que está em jogo após a recusa de Lula ao regime semiaberto

Publicado em 04/10/2019 12:00 -

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Com a expectativa de que conseguirá uma decisão favorável no Supremo Tribunal Federal (STF) nas próximas semanas, o ex-presidente Lula anunciou que recusará a progressão para o regime semiaberto, pedida pelo Ministério Público Federal (MPF) à Justiça. A defesa dele tem de se pronunciar sobre a progressão, e especialistas em direito divergem se um preso tem direito a se negar a mudar de regime.

Em uma carta escrita à mão por Lula em sua cela, e lida por seu advogado Cristiano Zanin Martins, o ex-presidente afirmou que não aceita “barganhas” para deixar a cadeia, onde cumpre pena por corrupção e lavagem de dinheiro desde abril de 2018. O petista e seus aliados trabalham dentro de uma estratégia de tentar a anulação da sentença, o que lhe daria liberdade plena.

O pedido, com base em contagem de prazos e no bom comportamento do ex-presidente, foi remetido à juíza Carolina Lebbos, da 12ª Vara de Execuções Penais do Paraná, e será comunicado também ao relator dos casos da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, o ministro Edson Fachin.

Ao jornal Folha de S. Paulo, Cristiano Zanin, advogado do ex-presidente, afirmou em agosto: "O ex-presidente quer sair da prisão com o reconhecimento de que não praticou qualquer crime e que sua condenação foi imposta em um processo injusto. Ele não está focado em abatimento de pena ou mudança de regime, embora tenha plena ciência de todos os seus direitos".

Em entrevista à revista Carta Capital em setembro, Lula reafirmou que só sairia da cadeia "inocentado" e que também não admitiria usar tornozeleira em casa no cenário de prisão domiciliar: "Não sou pombo-correio. Se quiserem colocar uma corrente, coloquem no pescoço do Moro (Sergio Moro, atual ministro da Justiça que condenou o ex-presidente quando era juiz federal), não na minha canela. Só saio daqui com a minha inocência total"

Mas por que os procuradores fizeram o pedido? E o que acontece a partir de agora? Lula pode ir para prisão domiciliar? Entenda a seguir.

Por que o MPF pediu a progressão de regime?

No pedido de sexta-feira, os procuradores lembram que o ex-presidente está "na iminência de atender ao critério temporal" determinado pelo Artigo 112 da Lei de Execuções Penais.

Pela legislação, o preso que cumpriu um sexto da pena a que foi condenado e apresentou bom comportamento, entre outros critérios, tem direito a progredir para um regime menos rigoroso de prisão – no caso de Lula, deixar o regime fechado e ir para o semiaberto.

No texto, o Ministério Público Federal pede que "seja deferida a Luiz Inácio Lula da Silva a progressão ao regime semiaberto, na forma dos arts. 91 e seguinte da LEP, devendo ser observado pelo juízo o disposto na Súmula Vinculante nº 56".

O que diz a súmula nº 56?

A súmula 56 é uma decisão do STF determinando, entre outras coisas, que o preso não pode ser mantido em um regime "mais gravoso" apenas pela falta de vagas em estabelecimentos onde cumpriria o regime mais brando.

"A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso", diz o texto.

No caso de falta de vagas para cumprimento do semiaberto – regime em que o preso trabalha fora durante o dia e passa as noites recolhido na prisão – a saída pode ser a prisão domiciliar.

Lula pode ir para prisão domiciliar?

A súmula 56 determina que "havendo déficit de vagas, deverão ser determinados: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado".

No Estado de São Paulo, por exemplo, há um déficit crônico de vagas para cumprimento do semiaberto.

A assessoria de imprensa do Ministério Público Federal no Paraná afirmou que essa decisão, se houver, caberá à juíza da Vara de Execuções Penais paranaense, Carolina Lebbos, que supervisiona o cumprimento da pena pelo ex-presidente.

Quem assina o pedido de progressão?

Todos os procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba assinam o pedido: Deltan Dallagnol; Januário Paludo; Antonio Carlos Welter; Orlando Martello; Paulo Galvão; Júlio Carlos Motta Noronha; Roberson Henrique Pozzobon; Juliana de Azevedo Santa Rosa Câmara; Laura Gonçalves Tessler; Athayde Ribeiro Costa; Jerusa Burmann Viecili; Marcelo Ribeiro de Oliveira; Felipe D'Élia Camargo; Antonio Augusto Teixeira Diniz e Alexandre Jabur.

A quantos anos Lula foi condenado?

O petista foi sentenciado, inicialmente, a nove anos e seis meses de prisão, em julgamento na 13ª Vara Federal de Curitiba — onde atuava o então juiz e atual ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro.

Em segunda instância, o ex-presidente foi julgado no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que aumentou a pena para 12 anos e um mês.

No mês de abril deste ano, no entanto, o Superior Tribunal de Justiça apreciou um recurso da defesa de Lula e reduziu o tempo de condenação para 8 anos, 10 meses e 20 dias. É sobre esta base que é feito o cálculo temporal para determinar que ele tem direito a progredir para o semiaberto.

O que ainda vai ser julgado?

Entre os pedidos apresentados pela defesa de Lula e ainda não apreciados está o habeas corpus (HC) 164493, que questiona a imparcialidade de Moro quando era juiz e foi apresentado em novembro de 2018, meses antes do início da revelação dos diálogos entre Moro e procuradores da Lava Jato pelo site The Intercept Brasil, em 9 de junho.

Seu julgamento está interrompido por pedido de vista de Gilmar Mendes e ainda não há data para sua retomada.

Caso o recurso seja aceito pelo STF, ele pode levar à anulação de todos os atos processuais de Moro quando era juiz, em processos e inquéritos contra Lula. Isso cancelaria a condenação de Lula no caso Tríplex do Guarujá por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mesmo que a sentença já tenha sido confirma pelo STJ.

Também anularia a condenação de Lula no caso do Sítio de Atibaia pela juíza Gabriela Hardt, já que ela assumiu o caso em sua etapa final. O ex-presidente teria, então, direito a novos julgamentos.

No pedido inicial, a defesa argumentou que o fato de Moro ter aceitado ser ministro do governo Jair Bolsonaro teria evidenciado seu interesse político ao condenar Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso Tríplex do Guarujá.

O petista acabou barrado da eleição presidencial do ano passado pela lei da Ficha Limpa, após o TRF-4 ter confirmado a condenação do petista por Moro.

Entenda em quatro pontos o que está em jogo após a recusa de Lula

Lula pode se recusar a sair da cadeia?

A decisão será da juíza Carolina Lebbos, responsável pela administração da pena do ex-presidente, mas a situação, atípica, divide a avaliação de advogados. O professor de Direito Penal da FGV-SP Davi Tangerino entende que, por ser um direito do preso, a progressão de regime pode ser exercida ou não. “É direito dele recusar a proposta. Em 99% dos casos o apenado quer progredir, mas o caso do Lula é um ponto fora da curva”.

Já o professor de Direito Penal da USP David Teixeira discorda e diz que o preso perde o direito de permanecer no regime atual de sua pena. “A finalidade da progressão é a ressocialização do preso. Se forem cumpridos os requisitos para o semiaberto ele não pode ficar no aberto. Se o estado determinar (a progressão), ele tem que sair”.

Há precedentes de presos que não quiseram sair?

Lula não é o primeiro preso notório a recusar o semiaberto. Em 2014, beneficiada pela progressão, Suzane von Richthofen não quis deixar a Penitenciária Feminina de Tremembé, onde cumpria pena de 39 anos pelo assassinato dos pais. Um ano mais tarde, ela pediu a progressão e obteve o direito. Em 2018, entrou com um pedido de liberdade, que foi negado.

Se sair da cadeia, Lula será obrigado a usar tornozeleira eletrônica?

As medidas cautelares, como o uso da tornozeleira, são determinadas pelo juiz de execução penal, no caso Carolina Lebbos. Para Lula, o Ministério Público requereu a progressão de regime, e a juíza deu cinco dias para a defesa a se pronunciar. Se ela determinar a progressão de regime, definirá também as demais circunstâncias.

Quais julgamentos no STF podem afetar a situação de Lula?

Amanhã, o plenário concluirá o julgamento que pode levar à anulação de sentenças nas quais delatores e delatados tiveram o mesmo prazo para alegações finais — é o caso do processo do sítio de Atibaia. Já a Segunda Turma ainda retomará o pedido de Lula de suspeição do ex-juiz Sergio Moro, o que poderia anular sua condenação no caso do tríplex no Guarujá.

STF

O jogo só acaba quando o juiz apita – e, pelo menos no Supremo Tribunal Federal (STF), o jogo para o ex-presidente Lula só acabará quando os ministros decidirem se a prisão em segunda instância continuará valendo ou não. Dias Toffoli, presidente do tribunal, pretende pôr a matéria em discussão ainda este mês.

A decisão tomada pela corte, segundo a qual um réu delatado deve ser ouvido nas alegações finais de um processo só depois do réu delator, beneficiará Lula e outros réus. Lula, no caso do processo do sítio de Atibaia reformado para ele de graça pelas construtoras Odebrecht e OAS. Lula já foi condenado em primeira instância. Mas como foi ouvido antes do réu que o delatou, a condenação deixaria de valer.

Se nas próximas semanas o tribunal mudar de posição e cassar o direito da segunda instância de prender quem condenou, Lula sairá de Curitiba direto para casa, livre, leve e solto. Foi por 6 votos contra 5 que o tribunal concedeu à segunda instância o direito que agora poderá subtrair por 6 votos contra 5 ou por 7 contra 4.

É nisso que aposta Lula quando se recusa a pedir a progressão de pena para o regime semiaberto no processo do triplex do Guarujá. Ele já cumpriu um sexto da pena e poderia sair para trabalhar durante o dia recolhendo-se à prisão à noite. Bastaria que respeitasse as condições estabelecidas para isso pela Justiça.

Uma das condições foi anunciada ontem: a de que pague uma multa de R$ 4,9 milhões. Com seus bens bloqueados como estão ele não tem condições de pagar. Se alguém quisesse pagar por ele Lula não aceitaria. Lula insiste que é inocente. O pagamento da multa seria interpretado como um reconhecimento de culpa.

O jogo parece estar virando a favor dele. Mas para que vire de todo, Lula espera que até novembro o tribunal vote a ação de sua defesa que pede a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro no caso do tríplex do Guarujá. Se isso acontecer e se o pedido for aceito, seria anulada a condenação que levou Lula a ser preso.

É possível? Em tese, sim. Mas difícil que aconteça. Outros condenados poderiam se beneficiar da mesma decisão. Na prática, isso significaria o fim da Lava Jato.


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