26/04/2024 - Edição 540

Poder

Mendes: “Brasil viveu era de trevas no que diz respeito ao processo penal”

Publicado em 04/10/2019 12:00 -

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O ministro Gilmar Mendes articula, com apoio de outros ministros do Supremo Tribunal federal (STF), acionar a Procuradoria-Geral da República para que investigue e comprove a autenticidade das mensagens trocadas por procuradores da Lava Jato por meio do aplicativo Telegram e publicadas pelo The Intercept Brasil e outros veículos.

Gilmar surpreendeu ao levar a Vaza Jato para o plenário do STF, discutindo abertamente o conteúdo de mensagens, durante seu voto no julgamento em que o Supremo decidiu, por 7 votos a 4, que réus delatados devem se manifestar por último no processo penal – os ministros ainda vão definir qual será o alcance desse entendimento no sentido de anular condenações penais, dentro e fora da Operação Lava Jato, em que não houve diferença de prazo para apresentação de alegações finais de réus delatados e delatores.

Na quarta-feira (2), o representante da PGR no julgamento, Alcides Rodrigues, abriu a mesma possibilidade agora estudada por Gilmar. “Se me permite, ministro Gilmar, se pudesse encaminhar esses elementos à Procuradoria-Geral para que fossem avaliados por quem é de direito, porque o que referiu é de extrema gravidade”, disse ele.

Críticas

Gilmar Mendes criticou de forma dura a atuação do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato. Ele disse que a operação torturava os investigados, desrespeitava o processo penal, perseguiam ministros do Supremo e articulavam um projeto político.

"Hoje se sabe de maneira muito clara, e o Intercept está ai para confirmar – e nunca foi desmentido, que usava-se a prisão provisória como elemento de tortura. Custa-me dizer isso no Plenário, mas era instrumento de tortura. E quem defende tortura não pode ter assento na Corte Constitucional", declarou o ministro em uma clara referência ao ex-juiz Sérgio Moro.

Gilmar ainda citou que havia um “quadro de esquizofrenia” jurídica movido por “interesse midiático” de Moro. “Não parece haver dúvida de que o juiz Moro era o verdadeiro chefe da Força Tarefa de Curitiba. Quem acha que isto é normal certamente não está lendo a Constituição e o Código de Processo Penal”, disparou.

O magistrado criticou o que chamou de “projeto político” de Dallagnol, que pretendia lançar-se senador: “Veja, um partido dos procuradores, um projeto político!”. Ele ainda citou a perseguição da operação contra os ministros do Supremo, como Dias Toffoli, como quando os procuradores proferiram as frases “In Fux We Trust” e “Aha, uhu. O Fachin é nosso!”, além do ataque à Cármen Lúcia, que foi chamada de “frouxa”.

“O Brasil viveu uma era de trevas no processo penal. Você não combate crime cometendo crime. Cada um terá seu tamanho na história. Calcem as sandálias da humildade”, declarou. “Chegou ao momento de fazer uma avaliação crítica”, disse ainda.

"É preciso o combate à corrupção dentro do estado de direito. Não se pode combater a corrupção cometendo crimes, ameaçando pessoas, exigindo delações ou fazendo acordos, tendo irmão como irmão porque passam as delações. Tudo isso não é compatível com a ordem do estado de direito. Assim se instalam as milícias brasileiras. Esquadrão da Morte é fruto disto. É preciso ter cuidado. Quem investiga tem que observar o estado de direito", disse.

Gilmar criticou também a quantidade de prisões preventivas feita pela operação e citou diversas vezes as reportagens do site The Intercept Brasil. De acordo com ele, "o Brasil viveu uma era de trevas no que diz respeito ao processo penal".

Segundo o ministro, no "emaranhado de acordos" negociados pela força-tarefa de Curitiba se viu "de tudo". Como exemplo, ele citou o acordo de colaboração premiada do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, que seria "talvez, o mais engenhoso e inventivo que a Lava Jato pode ter produzido".

O magistrado citou ainda o projeto das Dez Medidas Anticorrupção, afirmando que o texto era "impróprio". Ele brincou que seria um "profeta" pois percebeu, ainda em 2016, que "os falsos heróis" iriam "encher cemitérios". "Isso eu falava em 2016 e aconteceu", afirmou.

"O resumo da ópera é: você não combate crime cometendo crime; ninguém pode se achar o "o" do borogodó; cada um vai ter o seu tamanho no final da história; um pouco mais de modesta; calcem a sandália da humildade", disse.

DESTAQUES DAS CRÍTICAS DE GILMAR

AS PRÁTICAS AUTORITÁRIAS DA LAVA JATO

Ao contrário do que se poderia imaginar, nenhum projeto de combate à corrupção estrutural está imune a abusos de poder por parte dos imbuídos da tarefa persecutória. O tratamento indulgente para com os desvios de legalidade cometidos pelos agentes do Ministério Público e do próprio Poder Judiciário não se mostra compatível com um sistema de Estado de Direito. Precisamos aprender e progredir com os nossos equívocos do passado.

As mensagens divulgadas pelo Portal The Intercept revelam com bastante clareza os estratagemas e os atalhos adotados pelos membros do MP e do Judiciário para superar a divisão funcional entre defesa e acusação.

MORO: CHEFE DA FORÇA-TAREFA

A mim não restam dúvidas de que o Juiz Sérgio Moro atuou como verdadeiro Chefe da força-tarefa de Curitiba. Em diversos momentos, o magistrado direcionou a produção probatória nas ações penais e aconselhou a acusação, inclusive indicando testemunhas e sugerindo a juntada de provas documentais. Quem acha que isso é normal, certamente não está lendo a Constituição e nem o nosso Código de Processo Penal.

Ao apreciar denúncia formulada contra o suposto operador Zwi Skornicki, Moro deu por falta da prova de um suposto depósito em favor de Eduardo Musa, que seria determinante para a recepção da denúncia. Como um verdadeiro "Coach" da acusação, o juiz avisou a Deltan Dallagnon, o qual, tratando com os demais procuradores, informou que "tem um depósito em favor do [Eduardo] Musa e se for por lapso que não foi incluído, ele [Moro] vai receber amanhã e dá tempo" (https://oglobo.globo.com/brasil/moro-alertou-dallagnol-para-inclusaode-prova-em-processo-da-lava-jato-diz-revista-23785689).

O magistrado ainda tinha a função estratégica de sugerir aos procuradores a ordenação das fases da Operação, considerando, é claro, o seu interesse midiático. O quadro de esquizofrenia nas funções do Juiz não chega a passar despercebido pelos próprios membros da força-tarefa. Em mensagem atribuída à Dra. Monique Cheker, a procuradora demonstra ter clareza de que "Moro viola sempre o sistema acusatório e é tolerado por seus resultados" (Conteúdo disponível em: https://theintercept.com/2019/06/09/chat-moro-deltan-telegram-lava-jato).

 Esse núbio entre julgador e polícia pode ter até algum fetiche, até de índole sexual, mas aqui devemos ter moderação! Julgador é órgão de controle, não é órgão de investigação. Como já pontuava anteriormente, com os desdobramentos da Lava Jato, as prisões cautelares foram se ampliando ao completo arrepio da jurisprudência desta Corte que consagra a sua mais absoluta excepcionalidade.

PRISÃO COMO TORTURA

As revelações do The Intercept vieram a demonstrar que usavam-se as prisões provisórias como nítido elemento de tortura. Custa-me dizer isso no Plenário, mas quem defende tortura não pode ter assento nesta Corte. Essas prisões eram feitas por gente como Dallagnol e como Moro. É preciso que se saiba disso: o Brasil viveu uma era de trevas no que diz respeito ao processo penal.

COAÇÃO ATÉ DA FILHA

Considero oportuno destacar alguns acontecimentos nesse sentido. Em uma das passagens reveladas pelo The Intercept, a Força-Tarefa tentava articular com autoridades portuguesas a captura de um foragido. Diante de dificuldades para obter sua localização, o procurador Dr. Diogo Castor de Mattos suscita a ideia de fazer uma operação "na filha do Raul Schmidt". O ousado plano consistiria em imputar a filha como beneficiárias de contas do pai no exterior e, a partir disso, apreender-lhe o celular, interceptá-la e pedir as quebras de sigilo fiscal e telemático. (disponível em: https://theintercept.com/2019/09/10/moro-devassa-filhainvestigado/)

Em outro episódio, fica clara a tentativa dos procuradores de coagirem investigados a delatar. Em mensagem de meados de junho de 2015, Deltan esboça plano para forçar a colaboração do investigado Bernardo Freiburghaus, apontado como operador de propinas da Odebrecht e que, à época, estava na Suíça. Numa conversa, Dallagnol revela a intenção: "Acho que temos que aditar para bloquear os bens dele na Suíça. Conta, Imóvel e outros ativos. Ir lá e dizer que ele perderá tudo. Colocar ele de joelhos e oferecer redenção. Não tem como ele não pegar" (https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2019/08/29/dallagnolvazou-informacoes-de-investigacoes-para-imprensa-aponta-dialogo.htm? cmpid=copiaecola&cmpid).

"IN FUX WE TRUST"

Aparentemente, nem os relacionamentos entre os membros desta Suprema Corte escapavam ao conhecimento dos membros da Forçatarefa, que previamente já contavam com os votos e posicionamentos de cada um de nós. Em uma das anedotas assaz curiosa, Dallagnol conta para os procuradores que "Fux disse quase espontaneamente que Teori fez queda de braço com Moro e viu que se queimou". Dallagnol teria revelado ainda que os procuradores da Lava Jato podiam contar com ele com o que fosse preciso. Ao saber do diálogo, Moro sagra: "In Fux we trust".

"FACHIN É NOSSO, AHA, UHU"

Até o próprio relator dos processos da Operação Lava Jato no STF, que sempre se destacou pela sua mais absoluta integridade e isenção nos seus posicionamentos, era tachado como um juiz conivente com a organização criminosa de Curitiba. Em outra conversa, Deltan aponta: "Caros, conversei 45 m com o Fachin. Aha uhu o Fachin é nosso". (disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/07/aha-uhu-o-fachin-enosso-disse-deltan-apos-encontro-com-o-ministro-do-stf.).

CÁRMEN FROUXA

Sequer a Ministra Cármen Lúcia foi poupada. Após tomarem ciência de que uma ADPF ajuizada pela Rede Sustentabilidade houvera sido distribuída à eminente ministra, os procuradores não revelam nenhum pudor ao acusá-la de "frouxa" (disponível em: da-lava-jato-chamou-carmen-lucia-de-frouxa-em-mensagens-vazadas)

A configuração de um quadro sistemático e reiterado de ofensas à legalidade e aos princípios constitucionais de ampla defesa dos investigados tornou-se incontroversa com o desvendamento de uma verdadeira máquina de provas ilícitas que era utilizada pela Lava Jato, muitas vezes de forma espúria e para enganar o Judiciário e o próprio STF.  
(…)

Leia aqui a íntegra do voto e Gilmar Mendes e das críticas aos métodos usados pela Lava Jato.


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