19/04/2024 - Edição 540

Brasil

Indígenas vão à Europa denunciar governo e reafirmar crise no meio ambiente

Publicado em 03/10/2019 12:00 -

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Uma comitiva com dez lideranças indígenas do Brasil realizará uma série de encontros, em países europeus, entre outubro a novembro, com o objetivo de denunciar "as graves violações contra os povos indígenas e o meio ambiente do Brasil que estão ocorrendo sistematicamente desde a posse do presidente Jair Bolsonaro". E combater as "campanhas de desinformação que apontam que a Amazônia está ótima".

Além de se reunirem com representantes de governos, de empresas e da sociedade civil, também estão agendados encontros com agências das Nações Unidas e outros organismos internacionais.

A viagem deve ocorrer algumas semanas após outra turnê, desastrada, a do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles – que esteve na Europa para "esclarecer" que o Brasil vem combatendo o desmatamento e deve se manter no Acordo de Paris para o clima. A ação das lideranças indígenas irá se contrapor aos esforços governamentais. 

O périplo deve começar no Vaticano, com o Sínodo dos Bispos para a Amazônia – que pretende discutir a ação da igreja na região, a dignidade dos povos tradicionais e o desmatamento, incluindo a relação dos problemas sociais e ambientais às mudanças climáticas. O governo brasileiro vem monitorando os preparativos para o sínodo, acusando setores da Igreja Católica que atuam na Amazônia de ingerência.

Depois, as lideranças planejam passar pela Itália, Alemanha, Suécia, Noruega, Holanda, Bélgica, Suíça, França, Portugal, Reino Unido e Espanha.

De acordo com membros da comitiva que falaram ao blog, eles também vão demandar a promoção de medidas que pressionem o governo brasileiro e parte do agronegócio a cumprirem os compromissos internacionais do qual o Brasil faz parte, não apenas quanto ao clima, mas também sobre os direitos das populações tradicionais.  Também vão pedir que instâncias internacionais reconheçam o crime de "ecocídio", para quem desmata e polui o solo e a água.

E irão solicitar a nossos parceiros comerciais que exijam garantias do Brasil de que mercadorias vendidas pelo país não sejam oriundas de áreas com desmatamento ilegal, conflitos envolvendo populações indígenas, quilombolas, ribeirinhas e camponeses e, claro, trabalho escravo. Viagens dessa natureza não são novidade, mas o contexto é outro, com as críticas internacionais contra o país, a reação dura do governo Bolsonaro e a resposta de compradores e investidores externos.

Críticas a Bolsonaro

Jair Bolsonaro criticou o cacique Raoni, líder indígena caiapó, símbolo da luta ambientalista e pelos direitos dos povos tradicionais, durante seu discurso na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas. Disse que "acabou o monopólio do senhor Raoni", afirmando que ele não falava por outros indígenas. O presidente apresentou a indígena e youtuber Ysani Kalapalo como exemplo e leu uma carta para mostrar que um grupo de indígenas agricultores a apoiava.

Em uma live no Facebook, afirmou que líderes europeus cooptaram Raoni – o que enfureceu outros indígenas que consideraram a declaração preconceituosa, uma vez que eles não precisariam de orientação de homens brancos para serem críticos ao governo Bolsonaro.

"Eu não represento eles, mas eu falo em defesa dos índios brasileiros, os primeiros habitantes daqui. Por eles é que eu brigo. Por eles é que eu defendo a terra, a floresta, o meio ambiente, e defendo o costume deles. Eu venho falando isso muito tempo, não é só agora que eu comecei a falar. Eu venho lutando para que vocês, todos os brancos, deixarem o índio viver em paz, na terra dele, na floresta dele", afirmou Raoni em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo. Ele ainda disse que o coração de Bolsonaro "não é bom". 

"Estou com raiva dele até agora", afirmou a liderança indígena Sônia Guajajara, à Repórter Brasil, após ter acompanhado presencialmente, em Nova York, o discurso do presidente na ONU. "Raiva por tudo que está acontecendo aqui hoje." Segundo ela, que é coordenadora-executiva da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), "Bolsonaro representa a maior ameaça ao planeta".

Mais mortes

“O problema mais grave que nós enfrentamos aqui no Vale do Javari, agora, não são nem as invasões. São as ameaças de morte”, diz Adelson Korá Kanamary, coordenador da Associação Kanamary do Vale do Javari (Akavaja), e também vereador do município de Atalaia do Norte (AM). Após o assassinato de Maxciel Pereira dos Santos, colaborador da Fundação Nacional do Índio (Funai), em Tabatinga, no dia 6 do mês passado, alguns servidores do órgão, que atuam nas frentes de proteção localizadas no interior da terra indígena Vale do Javari, estão pedindo para sair.

“A situação mais grave, que deixa a gente com medo, inclusive os servidores da Funai, os colaboradores indígenas, pois estes correm mais perigo, e até quem trafega pelos rios, é o medo de ser assassinado”, destacou Adelson Korá. “Os invasores já deram recado que não vão parar”, disse ele, acrescentando: “os caras da Funai já correram. Quem quer morrer de graça?”.

No dia 24 de setembro, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), divulgou uma nota onde denuncia que “o controle e fiscalização da nossa terra está gravemente em risco, uma vez que o atual governo de Jair Bolsonaro (PSL) tem mantido e fortalecido uma política de desmonte, desestruturação e sucateamento do principal órgão indigenista do país a Funai, vinculado ao Ministério da Justiça”.

As lideranças indígenas do Vale do Javari pontuam ainda que “estas medidas adotadas têm um reflexo direto na vigilância de nosso território e na vida de nossas comunidades. Vivemos um tempo de retrocessos, e ataques cotidianos aos direitos conquistados e a intensificação de uma agenda e política anti-indígena”.

Na nota, os indígenas relatam os acontecimentos recentes, como o assassinato de Maxciel Pereira dos Santos, e os ataques à Base de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari. A última aconteceu no dia 21 de agosto. Segundo relatos das lideranças locais, o ataque teria acontecido na Base de Proteção do rio Itacoaí/Ituí, onde outros aconteceram desde novembro do ano passado.

“No ato criminoso, os bandidos efetuaram vários disparos com nítido propósito de atingir os poucos servidores públicos ali lotados para exercerem suas atividades em nome do Estado e, naturalmente, intimidar a atuação de fiscalização territorial naquele lugar”, denuncia a Univaja.“Tudo isso é muito preocupante porque os invasores são pessoas que nós conhecemos e que também nos conhecem”, diz Adelson Korá.

A nota da Univaja é um pedido de socorro para que o Estado Brasileiro cumpra suas obrigações constitucionais. Denunciam também que, por falta de fiscalização, missionários evangélicos estariam entrando nas comunidades indígenas sem autorização das lideranças e do órgão indigenista.  

A Terra Indígena Vale do Javari já foi demarcada, homologada e registrada no Serviço de Patrimônio da União (SPU). Ali vivem seis povos conhecidos: Marubo, Kanamary, Kulina, Tsonhom Djapa, Matis e Mayoruna – Matsés, além de outros 18 sem contato com a sociedade envolvente, de acordo com informações da Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari.  

Mesmo depois de regularizada, a Terra Indígena vem sofrendo ataques de madeireiros, pescadores, caçadores garimpeiros e traficantes. Os indígenas dizem que a parte sul do território, na divisa com o estado do Acre, é a mais vulnerável. Fazendeiros estariam avançando sobre a Terra Indígena devido a falta de fiscalização e de controle.

Em setembro de 1989, um grupo do povo Korubo, àquela época ainda sem nenhum contato com a sociedade envolvente, foi massacrado por invasores e seus corpos enterrados em cova rasa numa das praias do rio Itacoaí. Em 2017, veículos de imprensa do Amazonas divulgaram a ocorrência de um suposto massacre também de índios isolados no rio Jandiatuba, investigado pelo Ministério Público Federal (MPF).

“A pior situação aqui é a segurança. Os caras estão se revoltando contra nós. Eles são de Benjamin Constant, Tabatinga e Atalaia do Norte e estão querendo a riqueza que tem na terra”, observa Adelson Korá. O indígena alerta que essa matança, envolvendo agora servidores dos órgãos de proteção aos indígenas, pode se tornar uma prática corriqueira na região.


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