20/04/2024 - Edição 540

Poder

STF tem maioria por tese que pode anular sentenças da Lava Jato

Publicado em 27/09/2019 12:00 -

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O Supremo Tribunal Federal (STF) formou, na quinta-feira, 26, maioria pela tese que pode anular sentenças da Operação Lava Jato, entre elas a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A sessão foi suspensa pelo presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, que marcou para a quarta-feira, 2, a conclusão do julgamento.

Seis dos 11 ministros votaram a favor da tese de que os réus delatados devem apresentar suas alegações finais após os réus delatores. Apenas os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux afirmaram que não há prejuízo ao réu se as alegações finais ocorrem ao mesmo tempo.

Em uma decisão de agosto, a Segunda Turma do STF anulou a sentença de Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil, porque o ex-executivo teve de apresentar as suas alegações finais no mesmo prazo que os delatores, também réus.

Em paralelo, o colegiado analisava o recurso de Márcio de Almeida Ferreira, ex-gerente da Petrobras, que pede anulação de sua condenação. No caso concreto, o placar parcial é de 5 a 4 a favor do pedido de habeas corpus.

A diferença nos placares se deve ao voto da ministra Cármen Lúcia, que concorda com a tese de que o réu delatado deve se manifestar por último, mas entende que no caso de Almeida Ferreira não houve prejuízo.

Antes de suspender a sessão, Toffoli anunciou que na próxima quarta-feira irá propor uma “modulação do entendimento”, isto é, uma aplicação da tese a determinados casos.

Decisão do STF potencializa reação à Lava Jato

Não é uma decisão isolada. Compõe reação mais ampla contra Lava Jato, com iniciativas adotadas no âmbito dos poderes Legislativo e Executivo —da nova lei sobre abuso de autoridade à abertura de brechas para o caixa dois na legislação eleitoral; do esvaziamento do ex-Coaf à proposta de proibir auditores da Receita Federal de compartilhar indícios de crimes com o Ministério Público; da obtenção de assinaturas para a criação da CPI da Lava Jato ao abafamento da CPI da Lava Toga.

Na decisão desta quarta-feira, formou-se na Corte uma maioria a favor do entendimento segundo o qual réus delatados têm o direito de anexar alegações finais nos processos depois dos corréus delatores. Uma inovação que não está prevista na legislação. Isso levará à anulação de sentenças no âmbito da Lava Jato e fora dela. Entre os potenciais beneficiários está Lula.

O Supremo retomará o julgamento na quarta-feira da semana que vem, para definir a abrangência da nova jurisprudência. A dúvida é se ela valerá apenas para os réus que reclamaram de cerceamento de defesa na primeira instância ou se será aplicada indistintamente em todos os processos instruídos com dados fornecidos por réus colaboradores.

A novidade potencializa uma onda de iniciativas que puxam avanços para trás, aplicam sedativos em órgãos de controle e restauram gradativamente o ambiente viscoso em que proliferam os maus costumes e a roubalheira. No mês passado, a Segunda Turma do Supremo já havia anulado a condenação imposta pelo então juiz Sergio Moro a Adelmir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras. A nova anulação beneficia um ex-gerente da Petrobras, Márcio de Almeida Ferreira. A exemplo de Bendine, foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. A diferença é que esse segundo caso foi içado da turma, com cinco membros, para o plenário da Corte, com 11 magistrados, para que o veredicto seja seguido por todo o Judiciário como um paradigma.

O ministro Gilmar Mendes traduziu os humores que prevalecem em Brasília: "Vamos honrar as calças que vestimos!", declarou, ignorando os vestidos das colegas Cármen Lúcia e Rosa Weber, que ajudaram a compor a maioria. Gilmar evocou mensagens trocadas no escurinho do Telegram pelo ex-juiz Moro, hoje ministro da Justiça da gestão Bolsonaro, e procuradores de Curitiba. "Falam mal de nós, chamam a nós de vagabundos. Queriam interferir na distribuição de um processo. Falam mal do ministro Fachin. Passaram de todos os limites –mentindo, agredindo à Corte. E nós: 'Ah, temos que atender a Lava Jato".

O ministro Luis Roberto Barroso, chamado pelos desafetos de "lavajatista", falou antes de Gilmar. Ele empilhou diante das lentes da TV Justiça cinco decisões que caracterizam o maior retrocesso penal ocorrido no Supremo desde o marco representado pela condenação de mais de duas dezenas de réus pilhados no escândalo petista do mensalão. Eis a lista:

1) "Diversas ações foram retiradas da competência da 13ª Vara Federal de Curitiba, que havia quebrado o paradigma de ineficiência e impunidade em relação à criminalidade do colarinho branco";

2) "Transferiu-se a competência para o julgamento de crimes comuns, sobretudo de colarinho branco, conexos com os eleitorais, para a Justiça Eleitoral —num momento em que a Justiça Federal vinha funcionando com crescente eficiência";

3) "Considerou-se inconstitucional a condução coercitiva, que vigorava há quase 80 anos";

4) "Entendeu-se que o parlamentar que utilize o mandato para a prática de crimes (pode me chamar de Aécio Neves), documentadamente comprovados, gravado e filmado, não podiam ser afastados do mandato por decisão do Supremo, ficando a matéria submetida à Casa legislativa";

5) "Mais de 50 habeas corpus foram concedidos apenas no Rio de Janeiro, um estado devastado pela corrupção, praticada com inimaginável desfaçatez; (neste ponto, um nome não mencionado pelo orador cintilava nas entrelinhas como um letreiro de neon: Gilmar Mendes)

Barroso arrematou: "E agora chega este caso, com o risco de anular o esforço que se vem fazendo até aqui para enfrentar esta corrupção que não é fruto de pequenas fraquezas humanas, de pequenos desvios individuais. São mecanismos profissionais de arrecadação, desvio e distribuição de dinheiros. Não há como o Brasil se tornar desenvolvido e furar o cerco da renda média com os padrões de ética pública e privada praticados aqui. Precisamos romper com esse paradigma. E as instituições precisam corresponder às demandas da sociedade."

O julgamento do Supremo ocorreu no mesmo dia em que tomou posse Augusto Aras, o novo procurador-geral da República. O nome foi retirado do bolso do colete por Jair Bolsonaro, a contragosto de Sergio Moro. Numa evidência de que Brasília vive tempos estranhos, a escolha de Aras caiu nas graças da bancada de senadores petistas e recebeu rasgados elogios do multi-investigado Renan Calheiros (MDB-AL). O Senado referendou a escolha pelo acachapante placar de 68 votos a 10. A votação foi turbinada pelo compromisso assumido por Aras de ajustar os "métodos" da Lava Jato, impondo aos procuradores a temperança de "cabelos brancos" e o "princípio da impessoalidade".

Na véspera da votação que consagrou Aras, o Congresso derrubara 18 dos 33 vetos que Bolsonaro aplicara à lei sobre abuso de autoridade. Coisa avalizada na surdina pelo próprio Bolsonaro, em conversa telefônica com o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre. Repetindo: o presidente da República aquiesceu em segredo à derrubada de vetos que havia trombeteado sob holofotes após seleção feita por auxiliares como Sergio Moro, ministro mais popular do governo. Sem resistência do Planalto, os congressistas restabeleceram artigos que inibem a ação de juízes, procuradores e investigadores.

No Executivo, após rebatizar o Coaf de UIF, Unidade de Inteligência Financeira, Bolsonaro enfiou o órgão nos fundões do Banco Central. Fez isso, nas pegadas de uma decisão inusitada do presidente do Supremo, Dias Toffoli. Aproveitando-se de um recurso do senador Flávio Bolsonaro, investigado no Rio de Janeiro por suspeita de peculato e lavagem de dinheiro, Toffoli suspendeu todos os processos judiciais do país municiados com informações detalhadas obtidas do Coaf sem autorização judicial. O despacho do mandachuva do Supremo, um amigo de infância que Bolsonaro conheceu depois dos 60 anos, alterou uma rotina que vigorava no Coaf havia duas décadas.

Suprema ironia: nove meses depois da posse de um presidente que se elegeu enrolado na bandeira da moralidade, surfando a onda do antipetismo, o líder do governo no Senado é Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), um ex-ministro de Dilma Rousseff que acaba de receber a visita dos rapazes da Polícia Federal de Sergio Moro. São evidências de que, no retorno à era pré-Lava Jato, nada se cria, nada se copia, tudo se corrompe. E o gavetão dos assuntos pendentes do Supremo ainda guarda munição com alto grau de destruição —na  Segunda Turma, o pedido de suspeição formulado pela defesa de Lula contra Sergio Moro. No plenário principal, a rediscussão da regra que autorizou a prisão de larápios condenados em segunda instância.

O STF sempre dará um jeito (em desfavor de Lula, é claro)

É fato que já existe no Supremo Tribunal Federal maioria de votos a favor da tese de que réu delatado deve falar depois do réu delator nas alegações finais de um processo.

É fato também que isso poderá beneficiar Lula, condenado em primeira instância a 12 anos e 11 meses de cadeia no caso do sítio de Atibaia, reformado de graça para ele por duas empreiteiras.

Não beneficiaria no caso do tríplex do Guarujá porque não havia réus delatores com acordo de colaboração homologado pela Justiça na época em que ele foi condenado em primeira instância.

Mas até a próxima quarta-feira (2), quando a sessão interrompida será retomada, o Supremo dará um jeito para que Lula não se beneficie de sua decisão, e, por tabela, outros réus da Lava Jato.

Como? Sempre haverá um jeito. Exemplo: à época da condenação no processo do sítio, a defesa de Lula não teria invocado a tempo o direito de réu delatado falar depois de réu delator.

Se invocou, não teria recorrido a instâncias superiores. Se recorreu, as ditas instâncias não levaram em conta a reclamação. Qualquer dessas coisas ou alguma outra que se venha a alegar.

A Lula parece estar reservado o destino da progressão da pena no processo do tríplex. O que desde já lhe assegura o direito de passar ao regime semiaberto, podendo trabalhar durante o dia.

Filigrana? Não. Está na lei. Depois de cumprir parte da pena no xilindró, o preso tem direito a cumprir o resto saindo para trabalhar durante o dia e recolhendo-se à prisão durante a noite.

Ou – a depender da boa vontade da Justiça – poderá cumprir o resto da pena em prisão domiciliar, com ou sem tornozeleira. Lula não admite usar tornozoleira, mas isso é problema dele.

Parte dos ministros do Supremo, ou quase todos, teme a reação dos bolsonaristas, mas não só deles, a uma decisão que libertasse Lula e outros presos por corrupção. Dos fardados, também.

Não importa que processos tenham sido conduzidos de maneira esdrúxula ou até irregular com o único propósito de condenar, e não de fazer Justiça. Mais forte é o clamor contra a corrupção.

Em tempo: não meta Deus nessa história. Ele ouve os clamores dos homens, mas quer distância de lambanças.


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