20/04/2024 - Edição 540

Brasil

Para garantir moradia, governantes terão de enfrentar especulação imobiliária

Publicado em 09/09/2014 12:00 -

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As desapropriações de casas para dar lugar a obras de mobilidade urbana e as frequentes ocupações de imóveis vazios nos grandes centros trazem à tona o problema do acesso à moradia adequada. As manifestações de 2013 trouxeram o tema para o debate, que chega agora às campanhas eleitorais. O país tem um déficit de 5 milhões de habitações, segundo cálculos do Ministério das Cidades. Especialistas em urbanismo defendem que esse problema não será resolvido apenas com a construção de casas e que será preciso enfrentar a especulação do mercado imobiliário.

Para Guilherme Boulous, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), a falta de moradia aumenta à medida que sobem os preços do aluguel. Segundo ele, a construção de casas por governos, no ritmo atual, é insuficiente para atender a todas as famílias que precisam de um novo lar e pouco influencia na queda do valor dos aluguéis.

“A valorização imobiliária da cidade de São Paulo, nos últimos cinco anos, foi de mais de 130% e, no Rio de Janeiro, de 200%", disse, sobre o impacto dos aumentos no aluguel. "É um barril de pólvora que uma hora ia explodir. É uma valorização imobiliária sem regulação de mercado ou [sem] assistência social para quem sempre dependeu de pagamento de aluguel para ter onde viver.”

Imóveis vagos

Segundo dados do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país tem 6,1 milhões de imóveis vagos. O MTST defende uma política nacional de desapropriação e reforma desses imóveis, para que cumpram a função social e não sirvam apenas à especulação de preços. O movimento propõe também uma nova lei do inquilinato, que limite os reajustes do aluguel. “As famílias não conseguem mais pagar, o aluguel se tornou um estorvo”, destacou Boulous.

A professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP) Paula Santoro acrescenta que as atuais políticas habitacionais – a construção de casas populares e o aumento do teto do financiamento para a classe média – estão baseadas em regras de mercado. Ela avalia que as medidas favorecem apenas aqueles que lucram com o alto preço dos imóveis. Com mais crédito disponível, o mercado tende a aumentar os valores cobrados.

Já as casas construídas para os pobres, segundo ela, acabam sendo vendidas para quem tem um pouco mais de renda, porque as famílias de classes mais baixas, com orçamento apertado, não conseguem assumir o financiamento.

“Se a política do governo federal fosse de locação social, por exemplo, se houvesse parceria entre os governos estadual e federal dava para financiar o aluguel social”, disse. Neste caso, explica Paula, não haveria financiamento de imóveis que seriam alugados a baixo custo pelo governo às famílias. “Então, se o governo cobra R$ 400 de pessoas de baixa renda, o mercado privado, que aluga hoje por R$ 800 para pessoas na mesma faixa de renda, vai ter que baixar seus preços.”

Políticas de aluguel social estão previstas no Estatuto da Cidade e poderiam beneficiar famílias em dificuldade financeira por desemprego, problemas de saúde, além de atender à população em situação de rua, acrescenta a professora da USP.

Outros mecanismos

Outro mecanismo previsto no estatuto e mencionado pelos especialistas é a destinação para a moradia popular de unidades construídas em novos imóveis particulares residenciais, independentemente do bairro. Essa modalidade já foi adotada em grandes cidades como Londres (Inglaterra) e Bruxelas (Bélgica), onde todos os prédios são obrigados a repassar unidades à habitação popular.

Segundo o professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Orlando Alves dos Santos Jr., a medida é uma forma de romper com o “apartheid” entre os bairros e promover “cidades misturadas”, tirando os pobres de bairros sem infraestrutura.

“O maior acesso à renda permite às famílias comprar bens de consumo como geladeiras, computadores e automóveis, mas não garante o acesso automático a bens coletivos fundamentais como mobilidade, saneamento e moradia”, disse Santos Jr., que é pesquisador do Observatório das Metrópoles.

Para o desenvolvimento do país, defende ele, é preciso pensar a organização das cidades.

Para o desenvolvimento do país, defende ele, é preciso pensar a organização das cidades. “Não dá para reduzir a moradia a uma questão quantitativa. E isso não se faz sem enfrentar o mercado imobiliário”, destaca.

Parcerias entre o Poder Público e organizações da sociedade também podem assegurar o direito à moradia, na avaliação do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM). No Rio de Janeiro, os moradores da Ocupação Manuel Congo vão reformar o imóvel onde estão cerca de 50 famílias, por meio de uma das modalidades do Minha Casa, Minha Vida. Vazio, o prédio, localizado na área central da cidade, foi desapropriado para receber os novos moradores. Lá, eles se juntaram para arcar com os custos.

“O condomínio sai do trabalho coletivo. Criamos um fundo em que todos contribuem e no final do mês a gente abate das contas”, explicou a coordenadora do MNLM, Elisete Napoleão, que mora no local. Funcionam no prédio cooperativas para serviços de bufê (quentinhas e festas) e uma estamparia. “As pessoas na Manuel Congo estavam desempregados ou em subempregos e hoje temos trabalho, escola e saúde, porque estamos perto da cidade, perto de tudo”, destacou Elisete.

De acordo com a coordenadora, o Poder Público deve aproveitar os espaços vazios nas cidades para dar moradia às famílias. “No geral as famílias mais pobres vivem em favelas, em locais indignos, com pouca ventilação, difícil de subir ou na beira de rio, não são adequados. Outras famílias, com um pouco mais de renda, pagam um aluguel absurdo”, concluiu.

Saiba o que cada candidato propõe sobre o tema moradia

O déficit habitacional do país, estimado em mais de 5 milhões de moradias, está entre os principais temas nas propostas de campanha apresentadas pelos onze presidenciáveis. Nos programas de governo entregues à Justiça Eleitoral, a maioria dos candidatos ao Executivo nacional reconhece avanços das políticas adotadas nos últimos anos, como a que ampliou o acesso a financiamentos habitacionais, mas defendem melhorias das estratégias. Enquanto uns priorizam a promessa de programas de regulamentação fundiária integrados (estados, municípios e o governo federal), outros defendem que a política de moradia deve estar vinculada a setores como o de energia e infraestrutura.

Aécio Neves (PSDB) propõe a criação de um Plano Nacional de Habitação, com uma proposta de integração federativa, para atender o déficit de milhões de domicílios. A proposta do tucano é manter o atual programa habitacional, Minha Casa, Minha Vida, priorizando o atendimento às famílias de menor renda com subsídios e adotando, para a política de concessão de financiamentos, o critério diferencial da renda familiar e o conceito de capacidade de pagamento das famílias. O candidato ainda defende a prioridade de investimento nas áreas de risco, favelas e assentamentos precários das metrópoles brasileiras e cidades de médio porte e a criação de um programa nacional de regularização fundiária.

Dilma Rousseff (PT) destaca, no projeto de governo protocolado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os resultados do programa Minha Casa, Minha Vida e sinaliza a continuidade e a ampliação dessa estratégia. A candidata que disputa a reeleição ainda lembrou que, em 2013, quase 530 mil moradias foram financiadas pelo Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE). O número é 18 vezes maior do que os contratos firmados pelo mesmo sistema em 2002, quando foram financiadas 28,9 mil moradias.

Eduardo Jorge (PV) defende o agrupamento de municípios em regiões e consórcios para a gestão de políticas em diversas áreas, como a de assistência social, educação infantil e moradia. Na lista de propostas, o candidato do PV ainda inclui o desestímulo à formação de bairros e condomínios “gueto”, o respeito e a expansão das áreas verdes, das áreas de preservação permanentes, renaturalização de rios e córregos e arborização das cidades, a urbanização das favelas e loteamentos precários com prevenção “rigorosa” de ocupações de áreas de risco e de preservação permanente.

O candidato Eymael (PSDC) se compromete, em seu programa de governo, a “promover esforços para assegurar a todas as famílias a moradia digna”. Ele promete a ampliação e o aprimoramento dos programas governamentais que já existem “e o respeito a função social da moradia.”

Levy Fidelix (PRTB) apresenta a proposta de ampliar a rede de financiamento dos bancos oficiais e dilatar os prazos de pagamento para até 50 anos. Para o presidenciável, 1% dos recursos do pré-sal devem ser usados para financiar parte do déficit habitacional do país.

A candidata Luciana Genro (PSOL) define o Programa Minha Casa, Minha Vida como “mina de ouro para as construtoras”. No projeto entregue à Justiça Eleitoral, a candidata afirma que o problema da moradia para as famílias pobres “está longe de ser resolvido” e promete mudar completamente o programa, “retirando-o do controle das empreiteiras e compartilhando sua gestão com as entidades de luta pela moradia”. Luciana Genro também defende a criação de uma lei para controlar os reajustes dos aluguéis, combater a especulação imobiliária e criar impostos mais altos para os imóveis vazios.

Marina Silva (PSB) defende a construção de uma política habitacional “consistente” e com previsão de moradias sustentáveis em bairros com infraestrutura assegurada. A ambientalista reconhece avanços do programa Minha Casa, Minha Vida e da estratégia de ampliação do acesso a crédito habitacional, mas destaca, em seu programa, a existência de um déficit habitacional no país. Entre as promessas feitas pela presidenciável estão a construção de 4 milhões de moradias até 2018, e a criação de programas para estimular os municípios a integrar os projetos urbanísticos de moradia social com iniciativas de saneamento, cultura, esporte, paisagismo, saúde, educação e mobilidade, promover a regularização fundiária e definir uma estratégia de economia energética em conjuntos habitacionais.

O candidato Mauro Iasi (PCB) destaca, em seu projeto, que moradia, assim como educação e saúde, não pode ser tratada como mercadoria. Para Iasi, problemas vividos hoje no país, como o déficit habitacional, são o resultado da “mercantilização da vida pela sociedade capitalista burguesa que perdeu seu caráter civilizador e hoje só pode gerar barbárie”.

O candidato do PSC, Pastor Everaldo, promete reformar e revogar todas as leis que restringem “de maneira indevida” o direito da propriedade privada. O candidato defende a desburocratização de licenças e permissões sobre o uso de imóveis.

Rui Costa Pimenta (PCO) defende a estatização do sistema financeiro de habitação, deixando as operações sob o controle dos trabalhadores “para garantir crédito barato e desburocratizado à população de baixa renda”. Pimenta defende que recursos públicos fiquem restritos aos serviços públicos, e que o dinheiro seja usado apenas para a construção de moradias populares, “sem lucros para os banqueiros, especuladores e grandes empreiteiras”. O candidato ainda defende a expropriação de residências ociosas e imóveis destinados à especulação para garantir moradia para toda população trabalhadora.

Zé Maria (PSTU) destacou que o “boom imobiliário” vivido pelo país nos últimos anos não resolveu o “dramático” déficit habitacional do país e que “nunca as empreiteiras e construtoras lucraram tanto”. O presidenciável defendeu um plano de obras públicas para a construção de moradias como estratégia para avançar na questão de desemprego e na falta de habitações dignas à população mais pobre.


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