26/04/2024 - Edição 540

Poder

Bolsonaro enfraquece combate à corrupção, mas fãs ainda defendem o “mito”

Publicado em 20/09/2019 12:00 -

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Bolsonaro está, aos poucos, comendo as instituições de fiscalização e controle da República em nome de seu projeto de poder e do bem-estar de sua família. Uma parte de seus apoiadores já demonstra incômodo pela desenvoltura com a qual interfere na Receita Federal, no Coaf, no Ministério Público Federal, na Polícia Federal – o que se traduz em queda de aprovação e ranger de dentes em redes sociais. Mas um naco continua botando fé, incondicionalmente e inacreditavelmente, que essas ações do "mito" visam a combater a corrupção e a proteger a Lava Jato.

Esse mesmo naco reclama do fanatismo (real) de uma parte dos petistas quando o assunto é Lula, mas são incapazes de interpretar o mundo sem o gabarito dado por seu líder. Se o presidente disser que uma laranja é, na verdade, um abacate, eles prontamente vão para a rua, com faixas, bandeiras e camisas da CBF, dizer que sua guacamole jamais será vermelha.

A demissão do secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, foi apenas o último lance de uma cadeia de eventos que perfazem um padrão. Oficialmente, ele caiu pela CPMF. Mas se essa fosse a única questão, o ministro da Economia teria dançado junto. O Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que criou dores de cabeça para o filho 01, o senador Flávio, foi transferido do Ministério da Economia para o Banco Central. Quem acompanha o Coaf tem dúvidas se o corpo técnico no Bacen, por mais qualificado que seja, é adequado para a tarefa.

A interferência na indicação de um novo procurador-geral da República, escolhendo alguém de fora da lista tríplice e crítico à operação Lava Jato, abespinhou a relação entre Poder Executivo e Ministério Público Federal. Bolsonaro também está tentando colocar uma pessoa próxima a ele para chefiar a Superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro e deve mudar o delegado-geral da instituição. A carta branca prometida pelo presidente a Sérgio Moro serve apenas para dizer "sim, chefe".

Isso sem contar que Flávio Bolsonaro foi beneficiado pela decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, de suspender a investigação que o envolvia. E, agora, atua contra a investigação de membros do Judiciário pelo Congresso Nacional.

Bolsonaro esta limpando o terreno. Como disse o filósofo e professor Paulo Arantes a este blog, "sacrificar o lavajatismo pode ser uma estratégia suicida ou pode ser um lance de audácia. Ele é boçal, primitivo, tudo o que nos choca. Mas de idiota ele não tem absolutamente nada". A estratégia pode dar errada e ele cair do cavalo. Mas, enquanto isso, ele segue.

O bolsonarismo, como o bolivarianismo de Nicolás Maduro, trabalha com a ideia de revolução popular – claro, com o sinal ideológico trocado. Lá como cá, as instituições democráticas tradicionais sofrem um ataque progressivo, seja pelo uso abusivo da máquina, seja por meio do esvaziamento – tudo para que o Estado sirva ao governante, em uma inversão da ordem democrática das coisas.

Convencidos de que a imprensa quer enganá-los o tempo todo, os seguidores mais fanáticos de Bolsonaro consideram uma notícia é verdadeira se for validada pelo bolsonarismo e, falsa, se criticada por ele. Quem diz que isso é uma forma simplista de ver o mundo, é tachado de comunista.

É de uma ironia fina que os bolsonaristas que bradam pelo fim da corrupção apoiam exatamente a pessoa responsável por limitar as instituições de combate à corrupção. Sim, seguidores de Bolsonaro, que criticam práticas fisiológicas da política, respaldam um político que, com suas ações, está garantindo que o fisiologismo continue alegre e saltitante.

Em manifestações, bolsonaristas e lavajatistas enchem infláveis de Sérgio Moro vestido de super-herói e denunciam que ele está sendo alvo de ataques, pedindo que Bolsonaro o proteja. Mas, paradoxalmente, um dos maiores ataques vem do próprio chefe – que quer cortar as asas do subordinado antes que ele resolva voar por conta própria. É passa-moleque atrás de passa-moleque. Nem as contundentes revelações da Vaza Jato têm sido tão devastadoras para a imagem do ministro quanto o presidente nas últimas semanas.

Poderíamos dizer que, no dia em que ficha cair para esse fãs, será tarde demais. Mas quem disse que a ficha vai cair um dia?

Sob fritura, Moro visita Jair Bolsonaro no hospital

Pressionado pela falta de verbas e pela ameaça de perder a ascendência sobre a direção da Polícia Federal, o ministro Sergio Moro (Justiça) voou até São Paulo para visitar Jair Bolsonaro no hospital. Estava acompanhado de Rosângela Moro, sua mulher. Passou cerca de 15 minutos com o presidente e a primeira-dama Michelle Bolsonaro.

Foi um encontro de poucas palavras. Os médicos pediram a Bolsonaro que fale pouco. Receiam que a ingestão de ar retarde sua recuperação. Por conta própria, o capitão se absteve de comentar a visita também por escrito. Limitou-se a postar a foto nas redes sociais. Preferiu não demonstrar em palavas o constrangimento de manter na frigideira um auxiliar que continua atencioso, apesar de bem passado.

Moro também pendurou a fotografia no Twitter. Mas adicionou à imagem meia dúzia de palavras: "…Conversa agradável. Presidente recupera-se muito bem. O homem é forte."

Já recuperado, Bolsonaro deve retomar a articulação para levar à bandeja o escalpo de Maurício Valeixo, o delegado que Moro acomodou na direção-geral da Polícia Federal. A visita deste domingo pode retardar o movimento da lâmina. Mas auxiliares do presidente consideram improvável que o agora paciente desista da ideia de entregar o comando da PF ao delegado Anderson Gustavo Torres, um chegado da família Bolsonaro.

 


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