27/04/2024 - Edição 540

Poder

Caso Bezerra cobra de Bolsonaro uma definição

Publicado em 20/09/2019 12:00 -

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Jair Bolsonaro ainda não percebeu. Mas seu governo vive um desses momentos em que o presidente precisa tomar uma decisão definitiva. O que Bolsonaro definir será o governo dele. Está em curso uma reação da velha oligarquia política contra o esforço anticorrupção deflagrado há cinco anos. Bolsonaro precisa definir de que lado vai ficar. A batida policial na residência e no gabinete do senador Fernando Bezerra, líder de Bolsonaro no Senado, é mais uma evidência de que, no momento, o presidente está do lado errado.

Vale a pena reproduzir dois comentários sintomáticos. O advogado do investigado declarou que "causa estranheza à defesa do senador Fernando Bezerra Coelho que medidas cautelares sejam decretadas em razão de fatos pretéritos […]. A única justificativa do pedido [de busca e apreensão] seria em razão da atuação política e combativa do senador contra determinados interesses dos órgãos de persecução penal." Ou seja, Bezerra acha que a PF se vinga dele porque ele age para domar os órgãos de persecução penal.

Onyx Lorenzoni, o chefe da Casa Civil, declarou que essa "é uma situação relativa a fatos passados", quando Bezerra era "ministro de um governo anterior. Nesse momento, o que o governo tem a fazer é "aguardar. É uma questão individual dele, da vida pregressa dele. Ele vai ter que esclarecer junto às autoridades", disse Onyx. Quer dizer: o Planalto avalia que, nesse momento, o melhor a fazer é lavar as mãos. Mesmo que o resto permaneça sujo.

Onde o governo vê atenuantes não há senão agravantes. Não importa saber que as embrulhadas do senador vêm de outro governo. O mau cheiro era conhecido. E ninguém foge do fedor abraçando um gambá. O pior é que Bezerra não é o único. Há na Esplanada ministros investigados. Há até um ministro condenado por improbidade. Há na casa dos Bolsonaro um filho sob suspeita de peculato e lavagem de dinheiro.

Ao lado de tudo isso há um presidente da República que precisa recitar o CPF e o RG todas as manhãs, ao fazer a barba, para se certificar de que ele é o que diz ser e não o impostor que a conjuntura desnuda.

‘Há relevante quantidade de indícios de delitos’

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, declarou que há no processo "relevante quantidade de indícios da prática de delitos". Foi com base nesses indícios que autorizou a Polícia Federal a realizar uma batida de busca e apreensão em endereços do senador e do seu primogênito, o deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE). Providência "puramente técnica e republicana". A operação foi realizada nas residências dos parlamentares e também nos respectivos gabinetes no Congresso.

Em nota oficial, Barroso escreveu que a providência "é padrão em casos de investigação por corrupção e lavagem de dinheiro." Acrescentou que "fora de padrão" seria determinar a busca e apreensão contra "investigados secundários e evitá-la em relação aos principais", como preconizava Raquel Dodge, procuradora-geral da República até a véspera da ação policial. Leia abaixo a íntegra da nota:

Nota à Imprensa

A decisão executada na data de hoje, inclusive nas dependências do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, foi puramente técnica e republicana, baseada em relevante quantidade de indícios da prática de delitos. Ainda assim, não envolveu qualquer prejulgamento. Só faço o que é certo, justo e legítimo.

A providência de busca e apreensão é padrão em casos de investigação por corrupção e lavagem de dinheiro. Fora de padrão seria determiná-la em relação aos investigados secundários e evitá-la em relação aos principais.

A pedido do próprio Senado Federal e da Câmara dos Deputados, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que somente ele pode determinar a busca e apreensão nas Casas Legislativas, no curso de investigação relacionada a parlamentares. A decisão segue rigorosamente os precedentes do Tribunal.

No caso concreto, na fase em que se encontram as investigações, os indícios se estendem a períodos em que Senador da República e Deputado Federal exerciam essas funções parlamentares. Em princípio, portanto, está caracterizada a competência do Supremo Tribunal Federal. E mesmo que se venha a declinar da competência mais adiante, a providência hoje executada só poderia ser ordenada por este Tribunal.

A investigação de fatos criminosos pela Polícia Federal e a supervisão de inquéritos policiais pelo Supremo Tribunal Federal não constituem quebra ao princípio da separação de Poderes, mas puro cumprimento da Constituição.

Brasília, 19 de setembro de 2109.

Luís Roberto Barroso

PF repete com Bezerra tática usada contra Temer

Bolsonaro se aborreceu ao saber que a ordem do Supremo Tribunal Federal para a realização da batida de busca e apreensão foi expedida a pedido da Polícia Federal, contra a posição da Procuradoria-Geral da República. O presidente farejou no protagonismo da PF um aroma de desafio à sua autoridade. Algo que o ministro Sergio Moro (Justiça) negou num encontro emergencial, fora da agenda. A defesa de Bezerra acusou Moro de retaliação.

Entretanto, o procedimento adotado pela PF não é inédito. Repetiu-se com Bezerra algo que já havia sucedido no ano passado com Michel Temer, no inquérito sobre portos. Nos dois casos, a ordem judicial partiu do ministro Luís Roberto Barroso. A diferença é que o procedimento adotado contra Temer foi mais invasivo do que a busca dos papeis e equipamentos de Bezerra. Ele teve o sigilo bancário quebrado em fevereiro de 2018, quando ainda era presidente da República. A então procuradora-geral Raquel Dodge avalizara a abertura do sigilo de outros investigados, não o de Temer.

A posição do Ministério Público sobre a operação deflagrada contra Bezerra também foi assinada por Dodge. Ela deixou o comando da Procuradoria-Geral da República na terça-feira, quando encerrou o seu mandato.

Barroso anotou em seu despacho: "Ouvida, a Procuradoria-Geral da República manifestou-se favoravelmente à realização da busca e apreensão nos domicílios e endereços profissionais de todas as pessoas indicadas pela Polícia Federal, à exceção do senador Fernando Bezerra de Souza Coelho".

Em relação a Bezerra, prosseguiu Barroso, a Procuradoria "sustenta que 'não há indícios de que ele registrasse os atos praticados, pois, ao contrário, adotou todas as medidas para manter-se longe deles, de modo que a medida invasiva terá pouca utilidade prática'."

O ministro preferiu dar crédito à PF: "Fernando Bezerra de Souza Coelho e Fernando Bezerra de Souza Coelho Filho são tidos como os beneficiários primários das vantagens indevidas pagas pelas empreiteiras, de modo que se faz necessária a realização de buscas e apreensões em seus endereços para a comprovação dessas suspeitas", anotou Barroso. Pelas contas da PF, pai e filho receberam juntos propinas que somam R$ 7,2 milhão.

Barroso prosseguiu: "O argumento da Procuradoria-Geral da República contra a realização de busca em endereços de Fernando Bezerra de Souza Coelho não é convincente. […] Na criminalidade organizada econômica, porém, o natural é que todos os envolvidos tentem ocultar provas e não evitar deixar registros de seus atos. A medida cautelar serve justamente para tentar encontrar documentos mantidos sigilosamente, longe dos olhos do público e das autoridades de investigação".


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