19/04/2024 - Edição 540

True Colors

Romper com a normalidade

Publicado em 05/09/2014 12:00 - Guilherme Cavalcante

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Conhecimento liberta. Se não fosse assim, estaríamos ainda na idade das trevas, reféns de um governo teocrático e oprimidos pelas lendas e mitos que a equivocada interpretação que algumas escrituras ditas sagradas promovem. Graças ao conhecimento, o planeta viu-se potencialmente livre dos dogmas e encontrou respaldo científico para viver o diferente.

Diferente, a propósito, é uma palavra-chave da coluna desta semana. Quando assumimos a diferença, somos vistos com ressalvas pelos "normais", o que resulta em toda aquela dor de cabeça que a gente já conhece, tais como o racismo e a homofobia, só para citar alguns clássicos. Por isso, muita gente faz de tudo para não fugir do que é considerado "normal".

Então vamos lá: a cada dia fica mais inadiável a decisão de abolir de vez a palavra “normal” do meu dicionário (assim como seus derivados – normalmente, normalidade etc.). Para explicar o óbvio: o normal não necessariamente é a conduta ou pensamento da maioria, é apenas o que é norma, o comportamento adotado como padrão e do qual a fuga é vista com maus olhos. Quem foge da normalidade ameaça a posição de quem estabelece padrões como forma de controlar e afligir o diferente. Por isso que desconstruir os padrões e regras que alimentam as opressões é a chave para uma sociedade mais igualitária.

A normalidade jamais será saudável. Desde os cruéis padrões estéticos de beleza, de poder aquisitivo e de posições sociais, o estabelecimento destas regras na vida em sociedade sufoca, agride e tiraniza quem nem sequer consegue se encaixar por razões até mesmo biológicas: não se pode esperar que uma pessoa de pele preta abnegue seu DNA para assumir o padrão branco, mesmo que a “saída”, neste caso, seja promover padrões estéticos e identitários como norma, a serem agressivamente assimilados por pessoas de outras etnias.

A normalidade jamais será saudável. Desde os cruéis padrões estéticos de beleza, de poder aquisitivo e de posições sociais, o estabelecimento destas regras na vida em sociedade sufoca, agride e tiraniza.

É claro que a normalidade também é uma das forças que alimentam o preconceito contra a diversidade sexual e a identidade de gênero. Ter uma orientação sexual que fuja da heterossexualidade é crime em alguns países e em quase todas as religiões cristãs. Ter identidade de gênero sem correspondência com o sexo biológico, então, nem se fala. E o incômodo irracional com esta diversidade, alimentado pela normalidade, é o que promove a homotransfobia, sobretudo em seus episódios mais fatais.

Mesmo assim, conscientes ou não, vários LGBTs utilizam da normalidade para estabelecer referências. Infelizmente, enquanto grupo oprimido, continuam a atribuir critérios de exclusão baseados no "normal" para conviver socialmente. Não sabem que quando criticam um gay por ser pintoso, uma lésbica por ser másculina ou uma mulher trans por ser "um homem vestido de mulherzinha", estão alimentando um padrão que não deve existir e que só atende os interesses de quem quer ver o heterocissexismo como norma.

Assim, julgo que a melhor saída para combater a normalidade é ter consciência dos processos, das maneiras como os preconceitos se estabelecem e como as identidades ocorrem. É imprescindível a busca pelo conhecimento como forma de libertação. Desobrigar-se da culpa pelo sexo e da busca infantil por atender a um padrão estético ou postura social rompem com o ciclo vicioso onde as forças de opressão se instalam.

Quem questiona a ordem dos fatores está no caminho certo. Inclusive, acredito muito no potencial das gerações mais novas. Quando tinha 15 anos, lutava com todas as minhas forças contra minha orientação sexual (quadro clínico que cientificamente chamamos de egodistonia). Há pouco mais de um ano, em uma ação em prol da diversidade sexual em Campo Grande (MS), conheci um gay de 15 anos, completamente fora do armário e egosintônico, que queria se engajar no movimento. Foi maravilhoso ver como aquele rapaz caminhava em paz com a própria sexualidade e estava disposto a lutar por ela. Inspirador!

E já que questionar e buscar desconstruir os padrões é a chave deste desacorrentamento, as pessoas que têm acesso ao conhecimento têm obrigação de colocá-lo à disposição da comunidade. A informação precisa circular livremente, não pode empoeirar numa estante ou permanecer escondida numa gaveta.

Ficam aqui algumas dicas de leituras. Como disse, conhecimento liberta!

Sobre a heteronormatividade

Entrevista com Judith Butler

Judith Butler – Seu comportamento cria seu gênero

Leia outros artigos da coluna: True Colors

Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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