29/03/2024 - Edição 540

Comportamento

Por que as pessoas trapaceiam?

Publicado em 17/09/2019 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Por que as pessoas trapaceiam?

Quando ouvimos que uma pessoa pobre deu um golpe em outras para conseguir dinheiro, podemos atribuir esse comportamento à pobreza delas, racionalizando que a pessoa violou a ética e a lei porque precisava do dinheiro.

Mas pessoas ricas e poderosas também trapaceiam: falsificam pedidos de empréstimo, sonegam impostos, fazem esquemas Ponzi para fraudar investidores de milhões.

Como um economista comportamental, fico fascinado por como o dinheiro afeta a tomada de decisões. Se dinheiro fosse o motivo por trás da trapaça, por exemplo, não faria sentido pessoas ricas quebrarem a lei para obter ganhos financeiros.

Para descobrir se a trapaça é motivada por necessidade econômica ou personalidade, o economista Billur Aksoy e eu conduzimos um experimento. Nós quisemos entender o papel que o dinheiro desempenha em fraudes financeiras.

Nossas descobertas, publicadas no Journal of Economic Behavior & Organization em julho, sugerem que a propensão das pessoas para trapacear não reflete a situação econômica delas. As pessoas inclinadas a trapacear vão fazê-lo não importa se forem ricas ou pobres.

Isolamento perfeito
Para conduzir nosso estudo, identificamos um lugar pouco usual — como uma placa de petri onde as mesmas pessoas experimentavam riqueza e pobreza. É um vilarejo cafeeiro remoto e isolado na base do vulcão Fuego na Guatemala.

Parte do ano, nos sete meses antes da colheita de outono, os habitantes experimentam escassez. Durante os cinco meses de colheita de café na Guatemala, porém, o vilarejo é relativamente próspero. Sem bancos ou acesso a crédito, os fazendeiros não conseguem fazer os ganhos durarem muito além do período de colheita.

Eu digo “relativamente”, porque, mesmo durante a colheita, o vilarejo da Guatemala ainda fica sem acesso à saúde, comida e água limpa. Os residentes nos disseram que ganham, em média, US$ 3 por dia. A colheita de café é um período de prosperidade que levemente melhora a pobreza deles.

A situação financeira única desse povo significou que poderíamos estudar o mesmo grupo de pessoas tanto em escassez quanto em abundância, sabendo que os fatores atenuantes — nível de estresse, atividade física, instabilidade doméstica e assim por diante — permaneceriam iguais em toda a população.

E, como um estudo recente conduzido em 23 países mostra que as pessoas trapaceiam em níveis iguais tanto em países pobres quando em ricos, sabíamos que nossos resultados não seriam exclusivos à Guatemala.

Rolando o dado

Nós visitamos o vilarejo da Guatemala pela primeira vez em setembro de 2017, antes da primeira colheita, quando os recursos financeiros deles estavam mais escassos. Voltamos em dezembro, quando as vendas de café aumentaram significativamente a renda.

Em ambas as visitas jogamos um jogo simples com a mesma amostra de 109 pessoas. Os participantes colocavam um dado em um copo e o faziam rolar. Eles então nos diziam — sem nos mostrar — o resultado, e mexiam o copo novamente para que ninguém soubesse qual tinha sido.

O desenho do jogo garantia que não saberíamos se os jogadores estavam reportando a verdade ou não.

Os habitantes eram pagos o equivalente a US$ 1 pelo número que tinham recebido. Por exemplo, se fosse quatro, recebiam US$ 4. Dois, recebiam US$ 2. A exceção era seis, que conforme nossa regra, não pagava nada.

Estatisticamente nós sabíamos que os pagamentos mais altos das seis rodadas possíveis — três, quatro e cinco — deveriam aparecer 50% das vezes. O resto deveria ser números baixos, um, dois e seis.

Mesmo assim, em ambas as visitas, os participantes reportaram ter rolado os números com o pagamento mais alto 85% do tempo. O número cinco, o mais lucrativo, foi reportado mais do que 50% das vezes. E quase ninguém admitiu ter recebido um seis, que não pagava nada.

Os resultados indicaram trapaça em larga escala, tanto em tempos prósperos quanto pobres. Se as pessoas estão inclinadas a trapacear e acham que podem se sair ilesas, parece que assim o farão — não importa se são ricas ou pobres.

Generosidade inesperada

Depois de fazer o primeiro experimento, o professor Aksoy e eu pedimos aos jogadores que jogassem o dado novamente.

Dessa vez, isso determinaria o pagamento para alguma outra pessoa no vilarejo. Em uma cidade pequena como essa vila, na prática isso significava que as pessoas estavam jogando para melhorar os rendimentos de seus amigos, família, vizinhos e colegas de trabalho.

Nessa rodada, os números que pagavam mais foram reportados menos vezes que na primeira — 73% durante a colheita e 75% durante períodos de escassez. Trapaças ainda ocorriam, mas menos frequentemente. Como na primeira rodada, a taxa de trapaça era semelhante em tempos de escassez e abundância.

O padrão mudou quando pedimos que os habitantes jogassem o dado para determinar o pagamento a um estranho — alguém de fora do vilarejo.

Em dezembro, um período de abundância, os moradores reportaram pagamentos altos e baixos 50% das vezes — bem alinhados com a probabilidade estatística. Eles não trapacearam pelo ganho financeiro de estranhos. Em tempos de escassez, no entanto, eles reportaram receber número de alto pagamento cerca de 70% do tempo, mentindo para beneficiar estranho quase na mesma taxa que o fizeram pelos vizinhos.

Por que as pessoas quebrariam as regras por alguém quando elas próprias estão pobres?

Nós acreditamos que os moradores se tornaram mais empáticos durante tempos de escassez, sentindo a mesma preocupação com estranhos que sentiam em relação aos amigos e família.

Na riqueza e na pobreza

Nossas duas maiores descobertas — que as pessoas vão trapacear o sistema mais ou menos nas mesmas taxas não importa se são ricas ou pobres e que a generosidade para estranhos não depende de riqueza — devem ser vistas com cautela. Esse foi só um estudo em um país.

Mas pesquisadores na Tailândia recentemente chegaram a conclusões semelhantes às nossas em um experimento que conduziram com fazendeiros de arroz. Os participantes no estudo não publicado também mentiram para ganho pessoal tanto em períodos bons quanto em ruins.

As evidências sugerem que a riqueza influencia a trapaça muito menos do que a ética da pessoa — isso é, se estão inclinadas ou não a trapacear. Essa conclusão vai na mesma linha de outros estudos recentes que sugerem que as pessoas que se envolvem em comportamentos antissociais ou cometem crimes podem ter uma predisposição genética para fazê-lo.

Em outras palavras, algumas pessoas podem nascer com uma propensão a trapacear e tirar dinheiro de outras. Se esse for o caso, fatores ambientais como pobreza e oportunidade não são as razões para a trapaça — são uma desculpa para o mau comportamento.

Marco A. Palma – Professor de Economia Agrícola e diretor do Laboratório de Comportamento Humano da Universidade A&M do Texas. O texto foi publicado originalmente em inglês no site The Conversation.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *