18/04/2024 - Edição 540

Brasil

Propriedades privadas concentram 33% dos incêndios na Amazônia, diz Ipam

Publicado em 06/09/2019 12:00 -

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O Ipam utilizou dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre focos de calor no bioma amazônico detectados pelo satélite Aqua e cruzou as informações com alertas de desmatamento do sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter). Os dados do Inpe utilizados pelo Ipam abrangem o período de 1º de janeiro a 29 de agosto.

Os pesquisadores do Ipam observaram que em 2019 o período de seca está mais brando do que nos últimos três anos, o que não justificaria o os 30.901 focos de queimadas registrados em agosto, o maior número para o período desde 2010, quando foram registrados 45.018 focos.

No Brasil como um todo, foram registrados até o início de setembro 95.511 focos de incêndios, o maior número desde 2010 para o período, quando houve 151.605 focos. Mais da metade dos incêndios registrados até agora neste ano (49.169) ocorreu na Amazônia.

O desmatamento e as queimadas em propriedades particulares podem ocorrer somente se autorizados pelos órgãos competentes, como as Secretarias Estaduais de Meio Ambiente. A legislação permite o desmate de 20% da área total de um terreno privado na Amazônia.

"Historicamente, uma larga porção dos desmatamentos registrados são fonte de ignição ilegal", afirmaram os pesquisadores do Ipam, que citaram como exemplo o caso do Mato Grosso, onde se estima que 85% do desmate tenha ocorrido de forma irregular em 2017 e 2018.

As terras indígenas e unidades de conservação (UCs) terem sido as áreas menos afetadas pelos incêndios neste ano, onde foram registrados 6% e 7% dos focos, respectivamente. No entanto, o número de incêndios registrados nas UCs dobrou em relação à média dos últimos oito anos.

Um exemplo é a Floresta Nacional do Jamanxin, próxima à cidade de Novo Progresso, onde ocorreu o chamado "Dia do Fogo", quando produtores locais teriam realizado uma ação coordenada para atear fogo em áreas de desmate.

Cerca de 20% dos incêndios ocorreram em florestas públicas não destinadas, onde o desmatamento e as queimadas são proibidos. Outros 10% dos focos estão em áreas sem informação cadastral.

No dia 22 de agosto, o Ipam havia alertado que os dez municípios da região amazônica que tiveram mais queimadas em 2019 também são os que tiveram as maiores taxas de desmatamento. Esses municípios concentram 37% dos focos de calor e 43% do desmatamento detectado até julho. Os estados do Acre, Amazonas, Mato Grosso, Rondônia e Roraima são os mais afetados. Na ocasião, os pesquisadores já observaram que o período das secas, por si só, não explicaria o aumento exponencial dos focos de incêndio.

Invasões, grilagem e queimadas

Ao longo dos 100 quilômetros da estrada de terra que corta a Floresta Nacional do Bom Futuro, próxima a Porto Velho, Rondônia, é fácil encontrar mata nativa queimada. Em seus 20 anos de história, essa unidade de conservação na Amazônia nunca teve seu destino tão ameaçado por invasões, grilagem, desmatamento e fogo como nos últimos meses.

Estrategicamente posicionada, uma brigada de incêndio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) tenta evitar que uma área de reflorestamento do tamanho de 70 campos de futebol seja a próxima vítima dos incendiários. Os criminosos não poupam árvores jovens ou centenárias ao lançar, geralmente sobre uma moto, um "coquetel" antes de atear fogo.

Em todos os nove estados da Amazônia Legal, casos semelhantes fizeram o número de alertas de queimadas disparar em 2019. De janeiro a agosto, foram mais de 46 mil focos registrados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Um aumento de mais de 100% em comparação ao mesmo período do ano passado.

Na Bom Futuro, uma clareira aberta poucos dias antes da visita da DW Brasil ao local, no fim de agosto, deve virar cinzas nos próximos dias, dizem os agentes. Uma estaca fixada no solo indicava que o lote já fora marcado para a venda. É como funciona a cadeia do crime na Amazônia em unidades de conservação: invasores desmatam, ateiam fogo, jogam sementes de capim, marcam e vendem o terreno ilegalmente.

"Primeiro você tem aquele processo de extração da madeira. Depois você entra com agricultura, pequenos agricultores, aí os pecuaristas acabam comprando e adquirindo essas terras", diz Maria Madalena Cavalcante, pesquisadora da Universidade Federal de Rondônia (Unir). "Isso é grilagem de terra", afirma a geógrafa e especialista em gestão ambiental.

Quem compra a terra, muitas vezes, desconhece a ilegalidade por trás dela. Antônio C., por exemplo, mora na região há décadas e diz que sua propriedade não tem documentos oficiais. Original do Paraná, ele chegou a Rondônia na década de 1980, a chamada época da colonização. 

"Não é legalizado, você não sabe quem é o dono, e quem não é. Você mora na propriedade, mas não tem direito", disse C. à DW Brasil. Ele tenta negociar a multa de R$ 80 mil que recebeu por desmatamento ilegal da floresta.

"Eu desmatei porque não estava dando, não tinha capim para alimentar minhas vacas", justifica. Segundo o Código Florestal, proprietários na Amazônia podem derrubar até 20% da mata.

Desde outubro de 2018, mais de 200 barracos foram erguidos dentro da Bom Futuro, no acampamento chamado Boa Esperança. O cenário na unidade de conservação revela "grave situação afrontosa dos invasores" e "destruição organizada", declarou o juiz que julga o caso.

Agentes ambientais, com apoio da polícia, estão se preparando para um confronto no acampamento. Até o fim de setembro, eles devem expulsar os invasores da unidade, conforme a decisão judicial expedida.

Cercados por porteiras

A 300 quilômetros da Floresta Nacional do Bom Futuro, moradores da aldeia Alto Jamari, na Terra Indígena (TI) Uru-Eu-Wau-Wau, discutem a caminhada de 14 km que pretendem fazer pela mata até a área de floresta queimada dentro da reserva. Eles dizem que já avisaram a Fundação Nacional do Índio (Funai) da invasão, mas não querem esperar.

A TI Uru-Eu-Wau-Wau, criada em 1985, é uma das que mais sofrem pressão de madeireiros e grileiros em Rondônia. Na área ainda vivem comunidades indígenas isoladas, é com a segurança delas que o jovem cacique Awapy Uru-Eu-Wau-Wau, de 27 anos, mais se preocupa.

"Aumentou dos dois lados, invasores e queimada, a destruição da Amazônia. Principalmente a nossa reserva está sendo muito desmatada e cada vez mais os bichos estão se afastando, tentando fugir do perigo. E nós também temos os parentes isolados que estão correndo perigo", disse Awapy à DW Brasil.

Todos na aldeia estão apreensivos. Cercados por fazendas – foi preciso abrir e fechar 11 porteiras pela estrada até a aldeia – os indígenas dizem que têm medo. "É perigoso, os invasores têm armas, mas temos que defender nossa terra", afirma Taroba Uru-Eu-Wau-Wau.

De Porto Velho, Ivaneide Cardoso acompanha a tensão. Ela é coordenadora da organização Kanindé, fundada em 1992 e voltada para a defesa dos territórios indígenas do estado.

"Quando os grileiros entram, roubam a madeira de lei, as madeiras especiais, fazem corte raso na terra, passam correntão, para em seguida colocar pasto para o gado. Então, eles se apropriam da terra", detalha sobre o processo ilegal em Rondônia

Awapy diz que a destruição é muito rápida. "A gente não tem nem ideia como que pode acontecer isso. Isso é gente que tem dinheiro e paga muita gente para trabalhar", afirma. "É muito triste a gente ver a floresta em pé lá e depois sendo desmatada, do nada. E o pessoal que faz isso sabe que a terra é de índio também."

Órgãos ambientais enfraquecidos

Natural de Rondônia, a pesquisadora Maria Madalena Cavalcante, da Unir, pontua que o histórico do desmatamento é "bem emblemático" no estado. Da Floresta Amazônica, pouco sobrou.

"O que a gente tem em termos de floresta está muito ligado às áreas protegidas, pegando as unidade de conservação e terras indígenas", diz Cavalcante, apontando na tela de seu computador para os mapas gerados a partir de estudos. "E essas reservas sofrem o impacto do desmatamento."

Agentes do ICMBio examinam área atingida por queimada em Rondônia, em 28 de agosto

Agentes do ICMBio examinam área atingida por queimada em Rondônia, em 28 de agosto

Ivaneide Cardoso, da organização Kanindé, acaba de voltar de uma semana de visitas a aldeias e relata que viu aumento das queimadas, do desmatamento e das invasões. "Isso é porque a Funai está enfraquecida, o ICMbio está enfraquecido, o Ibama está enfraquecido", comenta.

De acordo com decreto do presidente Jair Bolsonaro, as Forças Armadas devem realizar operações de combate às queimadas na Amazônia e de crimes ambientais até 24 de setembro. Para Cardoso, a ação é tardia, só tendo sido iniciada meses depois de alertas de aumento de desmatamento e da repercussão internacional devido às queimadas.

"O que o governo tinha que fazer era manter os órgãos fortalecidos o tempo todo, para que pudessem exercer seu papel de proteção da natureza. Porque, quando o Exército for embora, o que que vai acontecer com essas áreas?", questiona.


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