29/03/2024 - Edição 540

Poder

Reforma da Previdência se baseia em cálculo errado, defendem pesquisadores

Publicado em 06/09/2019 12:00 -

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A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado Federal aprovou na quarta-feira (4), com 18 votos a favor e 7 contra, o texto-base da proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma da Previdência.

Os senadores começam então a analisar oito destaques (propostas que visam alterar o texto do relator), para que a votação na comissão seja encerrada. Após a conclusão dessa etapa, o texto segue ao plenário do Senado, onde é aprovado em dois turnos. O mínimo de votos favoráveis nas duas rodadas para aprovar a reforma é de 49 dos 81 senadores.

O relator da reforma da Previdência, Tasso Jereissati (PSDB-CE), aceitou mudanças sugeridas por colegas parlamentares e alterou o parecer apresentado na semana passada.

Entre as mudanças, estão a criação de benefício para crianças em situação de pobreza e supressão da regra que impossibilitava anistiados políticos de acumularem indenização com aposentadoria ou pensões.

Com as mudanças propostas pelo relator, a economia prevista cairá para R$ 962 bilhões em 10 anos, de acordo com cálculos apresentados nesta quarta-feira em sessão da CCJ do Senado. O cálculo inclui as alterações no texto principal, já aprovado na Câmara, e as novas regras que constam na chamada Proposta de Emenda Constitucional (PEC) paralela, que ainda terá de ser apreciada pela Câmara.

As mudanças foram anunciadas nesta quarta-feira em audiência da CCJ do Senado. A previsão é que todo o processo seja concluído até 10 de outubro.

Erros

Uma das justificativas usadas na defesa da proposta de Reforma da Previdência é que os aposentados por tempo de contribuição causam prejuízo ao sistema de seguridade social e são privilegiados em relação aos mais pobres que já se aposentam por idade. Ou seja, ao se aposentarem com 35 e 30 anos de contribuição, respectivamente, homens e mulheres pesariam sobre os cofres públicos pois permaneceriam muito tempo recebendo aposentadorias e manteriam acentuada a desigualdade social no Brasil.

Essa justificativa foi questionada pelos economistas e pesquisadores Pedro Paulo Zahluth Bastos, Ricardo Knudsen, André Luiz Passos Santos e Henrique Sá Earp, em nota do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (CECON), ligado ao Instituto de Economia da Unicamp. Zahluth e Knudsen conversaram com o blog. Eles defendem o contrário, que fazendo os cálculos de forma correta, quem se aposenta hoje por contribuição acaba pagando bem mais do que retira. E que o sistema é mais progressivo, ou seja, é um instrumento de Justiça social que faz com que os que ganham mais ajudem a financiar quem ganha menos.

Em outras palavras, o governo acredita que a grande economia virá da redução do valor total dos benefícios, fazendo com que a pessoa receba por menos tempo, aposentando-se aos 65 anos. Segundo os pesquisadores, isso é falso. Porque o valor total dos benefícios aumenta ligeiramente quando se compara com a idade média das aposentadorias por tempo de contribuição hoje, aos 55 anos, pelo efeito do Fator Previdenciário. A "economia" viria das outras mudanças, como cálculo do benefício. Mas essas alterações, de acordo com eles, são compatíveis com a aposentadoria por tempo de contribuição e com o Fator Previdenciário, não seria preciso, portanto, introduzir a idade mínima.

Para eles, a reforma no sistema de previdência urbano não é apenas injusta, regressiva, iliberal, mas incompetente e contraproducente para melhorar as contas públicas.

Na nota técnica "O mito do custo fiscal e da regressividade da aposentadoria por tempo de contribuição", afirmam que o argumento dos defensores da reforma é matematicamente falso, pois o cálculo desconsidera que as aposentadorias por tempo de contribuição sofrem, hoje, desconto do fator previdenciário caso o trabalhador se aposente muito cedo. Além disso, não trazem contribuições e benefícios a valores presentes, procedimento usado pelo próprio Ministério da Economia, e que leva em conta a remuneração dos valores envolvidos.

"Na prática, os aposentados por tempo de contribuição financiam a aposentadoria dos mais pobres que têm pouquíssima capacidade de contribuição e se aposentam ao alcançar a idade mínima de 60 anos (mulheres) e 65 (homens)", afirmam os pesquisadores. Eles apontam que, como cálculos atuariais são complexos, poucos brasileiros sabem disso.

Por exemplo, para homens com idade de 55 anos, 35 anos de contribuição e benefício médio de R$ 2100,00, o aposentado acaba recebendo de volta apenas dois terços do que pagou, remunerando-se os valores a 3% ao ano – considerando a expectativa de vida média dos brasileiros. Vale lembrar que, nessas condições, o benefício tem desconto de 32% pelo fator previdenciário. Já as mulheres que se aposentam aos 52 anos recebem apenas 80% do contribuído.

A reforma, segundo eles, vai trazer um impacto sobre a progressividade distributiva do sistema. Segundo eles, a perda de receita provocada pelo fim da aposentadoria por tempo de contribuição será compensada pela alteração no balanço entre contribuições e benefícios de uma forma que os mais pobres sentirão mais o impacto.

"Tomemos o custo de uma aposentadoria masculina urbana, nas regras atuais de aposentadoria por tempo de contribuição, com redução pelo Fator Previdenciário. Para benefícios entre cerca de dois salários mínimos e o teto do INSS, o retorno para o aposentado é de 66% das contribuições, quando tudo é trazido a valor presente. Se a única mudança fosse a introdução da idade mínima, com benefício integral, o retorno é de 76%. O custo para o INSS é, portanto, maior", afirmam.

Já os trabalhadores que contribuem pelo piso, hoje, recebem de volta mais ou menos o montante que contribuíram. Após a reforma, segundo os economistas, irão receber de volta 85% de suas contribuições aos 35 anos de contribuição e 68% aos 40 anos.

O que eles defendem é que se Reforma da Previdência apenas eliminasse a aposentadoria por tempo de contribuição para salários acima do piso, acabaria não economizando nada. Boa parte da economia vem da redução do balanço entre o recebido em benefícios e o contribuído, para quem contribuiu por um tempo mais próximo do mínimo, entre os 15 anos atuais ou os 20 anos pós-reforma. Ou seja, trabalhadores mais pobres são os que mais perderão com as regras novas. Outras economias vêm das novas regras de cálculo do benefício e para obtenção da integralidade.

De acordo com esse grupo de pesquisadores, os defensores da reforma vão alegar que esses cálculos não consideram as aposentadorias integrais pela regra 86/96 (soma da idade + tempo de contribuição, para mulheres e homens). "Criada em 2015, como uma pauta bomba, ela realmente aumenta os custos da aposentadoria por tempo de contribuição. Por isso, se fosse o caso de maximizar apenas as economias fiscais sem aumentar a concentração da renda, seria necessário eliminar apenas regra e não a aposentadoria por tempo de contribuição como um todo."

Mesmo assim, segundo eles, a regra não é injusta porque a aposentadoria para um homem aos 58 anos, com 38 anos de contribuição (58+38 = 96), traria só 79% de retorno sobre as contribuições, para homens. Quando a regra evoluir para soma 100 (o que está previsto para acontecer ao longo do tempo), o retorno cairá para perto de 2/3 de novo.

Para eles, a manutenção da aposentadoria por tempo de contribuição é boa para a sociedade porque é difícil manter-se empregado, principalmente, quem ganha menos. Isso dá uma opção de renda àqueles que perdem o emprego idosos e, de outro modo, teriam que viver na penúria até atingirem a idade mínima.

"Além disso, a aposentadoria por tempo de contribuição é mais progressiva que a futura aposentadoria por idade mínima, pois, em média, retorna menos ao aposentado de classe média, que opta por ela. Com isso, ajuda a financiar as atuais aposentadorias por idade, que são evidentemente subsidiadas, pois aplicam-se a pessoas com pequena capacidade contributiva e dificuldade de inserção no mercado formal."

Há, além de tudo, um "truque" nos cálculos da economia trazida pela reforma. A idade mínima adia despesas, visto que aqueles que se aposentariam agora aos 55 anos vão esperar até os 65 anos, ao fim da transição. Mas essas aposentadorias ocorrerão em valores mais elevados, sem o desconto do fator, aumentando as despesas no futuro. O governo vai se apropriar destas "economias", jogando a conta para as gerações futuras, segundo os pesquisadores.

Por fim, eles afirmam que acabar com a aposentadoria por tempo de contribuição é ser antiliberal, pois se os trabalhadores querem se aposentar mais cedo e, portanto, com prejuízo, desde que contribuam por 30 ou 35 anos, não faz sentido barrá-los.


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