25/04/2024 - Edição 540

Poder

Políticos chilenos de direita e esquerda condenam ataque de Bolsonaro ao pai de Bachelet

Publicado em 06/09/2019 12:00 -

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As declarações do presidente Jair Bolsonaro contra o pai da ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, que é alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, receberam fortes críticas de diferentes alas políticas do país.

Além de voltar a elogiar o golpe de Estado que levou o general Augusto Pinochet ao poder – depondo o presidente socialista Salvador Allende -, Bolsonaro citou o pai de Bachelet, o general-brigadeiro da Força Aérea chilena Alberto Bachelet.

O militar sofreu um infarto quando estava na prisão, onde foi torturado durante a ditadura Pinochet (1973-1990), segundo investigações. Um processo contra dois dos envolvidos concluiu que o ataque cardíaco estava diretamente relacionado à violência sofrida pelo pai da ex-presidente.

Bachelet, que governou o país andino em duas ocasiões – (2006-2010) e (2014-2018) -, tinha dito que "o espaço democrático no Brasil está encolhendo, a violência policial aumenta e a apologia à ditadura reforça a sensação de impunidade, e defensores de direitos humanos estão sob ameaça."

Bolsonaro reagiu, dizendo que ela segue a linha do presidente da França, Emmanuel Macron, de "se intrometer nos assuntos internos e na soberania brasileira, investe contra o Brasil na agenda de direitos humanos (de bandidos), atacando nossos valorosos policiais civis e militares".

E acrescentou: "(Ela) Diz ainda que o Brasil perde espaço democrático, mas se esquece que seu país só não é uma Cuba graças aos que tiveram a coragem de dar um basta à esquerda em 1973, entre esses comunistas o seu pai brigadeiro à época."

Repúdio à direita e à esquerda

As afirmações do presidente brasileiro foram repudiadas pelo presidente do Senado do Chile, Jaime Quintana, do partido opositor PPD, pela senadora opositora e socialista Isabel Allende e pelo deputado do partido de direita União Democrática Independente (UDI), Issa Kort, integrante da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados.

O presidente do Senado disse que as declarações do presidente Bolsonaro "são um insulto a todos os chilenos". Quintana disse ainda que um presidente "deve saber que todos os temas de direitos humanos são muito sensíveis em cada país". Quintana, que é do partido opositor PPD, também afirmou que um político "não deveria usar a linguagem de ódio". Ele afirmou que ainda bem, como pediu a oposição , que o presidente do Chile, Sebastián Piñera e seu chanceler reagiram às palavras de Bolsonaro. E acrescentou: "Nós chilenos e os brasileiros sabemos que estes tipos de declarações, de maneira alguma, devem afetar a amizade que temos como povos. Temos respeito pelos brasileiros"

Para Kort, a história do Chile pertence ao Chile "e outros presidentes não se metem" nela.

"As declarações do presidente brasileiro Jair Bolsonaro são lamentáveis. Nós sempre defendemos que as batalhas políticas se ganham com argumentos, com ideias e não com ataques", disse Kort.

"Em segundo lugar, as declarações são lamentáveis porque no Chile conhecemos nossa história e devemos aprender com a nossa própria história e não permitir que outros países usem esta história para fins políticos particulares. Como políticos, devemos conhecer a história e ser responsáveis por construir o presente e futuro. Aqui nunca usamos a história do Brasil para fins de política interna. Portanto, também não podemos aceitar que um líder, como Jair Bolsonaro, possa usar a história do Chile para temas de política interna. O que aconteceu no Chile fica no Chile e os presidentes não se metem (nisso)".

A UDI é um partido de direita, fundado nos anos 1980, que faz parte da coalizão governista do presidente Sebastián Piñera.

Por sua vez, senadora Isabel Allende, filha do ex-presidente Allende, que estão em polos ideológicos opostos, mantiveram tom parecido ao comentar as falas do presidente do Brasil. A senadora chamou as declarações do presidente de "perversas".

"As declarações de Bolsonaro, citando o pai de Michelle Bachelet, que foi torturado e assassinado por seus pares, durante a ditadura militar, geram nossa total indignação. A perversa alusão ao general Bachelet revela inteiramente quem (Bolsonaro) é. O Brasil não merece este presidente porque ele só mostra o quanto é miserável", disse a senadora.

Socialista como Bachelet, ela disse que o regime de Pinochet foi "uma ditadura sangrenta", que atacou os direitos humanos e gerou pobreza no país. Para ela, as afirmações feitas por Bolsonaro "são de uma ignorância imensa" porque o presidente brasileiro, disse, "não é capaz de reconhecer o imenso dano que Pinochet fez ao país".

Allende acrescentou que as afirmações de Bolsonaro "são um péssimo precedente para toda a América do Sul".

O presidente Piñera também condenou as declarações de Bolsonaro. Em declaração no palácio presidencial de La Moneda, em Santiago, disse que "não compartilha da alusão de Bolsonaro a Bachelet e seu pai".

Segundo a rádio Cooperativa, da capital chilena, Piñera disse, porém, que Michelle Bachelet deveria ter "justificado suas opiniões (sobre o Brasil) devidamente".

Analistas políticos chilenos disseram que as declarações de Bolsonaro acabam prejudicando seu colega chileno, que costuma relembrar o fato de que votou pela não continuidade do governo Pinochet no referendo que abriu o caminho para o retorno da democracia no Chile.

O diretor do Centro Internacional para a Qualidade da Democracia, Ricardo Israel, e o professor Robert Funk, do Instituto de Assuntos Públicos da Universidade do Chile, acham que Bolsonaro ataca o Chile por questões de política interna, mas isso não cai bem nas diferentes camadas chilenas.

"Pinochet já não é um tema central no Chile há muito tempo. E menos ainda entre os jovens. Mas o presidente Piñera apostou muito na aproximação com Bolsonaro e com Trump, e isso causa preocupação aqui porque é uma guinada que não se fazia antes na politica internacional do Chile", disse Funk.

Um Brasil menor

É falsa a impressão de que Jair Bolsonaro leva o seu governo para a direita quando ataca críticos e adversários. Na verdade, ele puxa o governo para baixo. E leva o Brasil junto. Mal comparando, o que Bolsonaro disse sobre a ex-presidente chilena Michelle Bachelet e o pai dela, o general Alberto Bachelet, é a repetição em escala internacional de uma vergonha doméstica.

O presidente repetiu com Bachelet o vexame que impôs aos brasileiros que deveria representar ao atacar o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, desqualificando a biografia do pai do seu alvo, Fernando Santa Cruz, desaparecido durante a ditadura militar. Ex-presidente do Chile, Bachelet ocupa no momento o posto de Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos. Merece respeito.

Como presidente, Bolsonaro teria todo o direito de responder às críticas de Bachelet. O que ele fez? Escreveu no Twitter: "Se não fosse o pessoal do [Augusto] Pinochet derrotar a esquerda em 1973, entre eles o seu pai [de Bachelet], hoje o Chile seria uma Cuba".

Em uma frase, o presidente cometeu três atrocidades: defendeu o Pinochet, algo que até a direita chilena hesita em fazer, sapateou sobre a memória de Bachelet e tripudiou sobre a biografia do pai dela, morto sob tortura.

Bolsonaro revelou-se capaz de tudo, menos de demonstrar que há uma noção qualquer de compostura por trás da faixa presidencial que ele vestiu em janeiro. Ele não rebaixou apenas a sua própria figura, apequenou o Brasil.

Quem foi Alberto Bachelet?

O general de Brigada Aérea Alberto Bachelet – pai da ex-presidente chilena e atual Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet – foi torturado e morreu na prisão após se opor ao golpe de Estado que levou Augusto Pinochet ao comando do Chile, na década de 1970.

O golpe militar que levou Pinochet ao poder no Chile abriu o caminho para a perseguição de milhares de políticos, militares e ativistas vistos como esquerdistas.

Durante o governo Pinochet (1973-1990), milhares de pessoas foram mortas por agentes do Estado e dezenas de milhares foram torturadas. Pinochet morreu em 2006 enquanto respondia a três processos judiciais por acusações sobre violações de direitos humanos em seu governo e sonegação de impostos.

Ele chegou a ser preso no fim da vida no Reino Unido, para onde fugiu em meio às acusações que sofria no Chile.

O projeto Memória Viva, que lista vítimas do regime Pinochet para "lutar contra a impunidade no Chile", diz que Alberto Bachelet foi morto aos 51 anos em março de 1974 na capital chilena, Santiago. Ele era casado e tinha três filhos – entre os quais, Michelle.

Alberto foi secretário da Direção Nacional de Abastecimento e Comercialização e ocupava a Direção de Contabilidade da Força Aérea do Chile no momento de sua detenção.

Ele era contrário ao golpe que derrubou o presidente eleito Salvador Allende e levou Pinochet ao poder – motivo pelo qual teria sido perseguido pela nova gestão.

Segundo o Memória Viva, Alberto morreu em 12 de março de 1974 na Prisão Pública de Santiago após ter sofrido torturas e maus tratos enquanto esteve detido.

Ele já havia sido preso e solto em 1973. No dia 14 de setembro daquele ano, porém, foi preso outra vez, levado à Academia de Guerra da Força Aérea e, posteriormente, a um hospital militar.

"Durante esse período, foi vítima de torturas, as quais foram infligidas pelos que à época eram seus subalternos", diz o texto.

Alberto foi mantido encapuzado por longos períodos, golpeado e teve objetos pontiagudos enfiados sob suas unhas. Em outubro, foi posto em prisão domicilar e viu suas doenças coronárias se agravarem.

Em 18 de dezembro, foi preso novamente e levado à Prisão Pública de Santiago. "Durante esse período, recebeu novamente torturas e constrangimentos", segundo o Memória Viva. Alberto morreu em decorrência de um infarto.

Segundo o Memória Viva, os captores do general sabiam de suas doenças cardíacas, mas se recusaram a permitir que fossem tratadas.

Após a redemocratização do Chile, dois coronéis acusados de torturar Alberto Bachelet e outras dezenas de oficiais críticos a Pinochet foram presos, mas libertados após pagamento de fiança.

Em 2011, a Justiça determinou a abertura de uma investigação pela morte de Alberto. Três anos depois, os coronéis Ramón Cáceres Jorquera e Edgard Ceballos Johns foram condenados por sua atuação no caso.

Jorquera foi levado à prisão para cumprir pena de três anos e um dia, enquanto Johns obteve permissão para seguir em liberdade devido a seu delicado estado de saúde mental após sofrer um AVC.

Durante o processo judicial, legistas afirmaram que o infarto sofrido por Alberto tinha relação direta com as torturas sofridas por ele na prisão.


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