25/04/2024 - Edição 540

Brasil

Indígenas pedem a Maia que tramitação da PEC 187 seja barrada na Câmara

Publicado em 29/08/2019 12:00 -

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Lideranças indígenas participaram na tarde de ontem (28) de uma reunião com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Os indígenas do povo Xukuru Kariri, de Alagoas, pediram a Maia que não instale a Comissão Especial para analisar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 187, aprovada nesta quarta-feira na Comissão de Constituição e Justiça (CCJC) da Câmara.

A PEC prevê a permissão para realizar atividades produtivas “agropecuárias e florestais” nas terras demarcadas, e a criação da Comissão Especial seria o próximo passo de sua tramitação. Os povos indígenas são contra a PEC 187 e qualquer outra alteração em seus direitos constitucionais assegurados nos artigos 231 e 232.

Uma análise técnica da Assessoria Jurídica do Cimi aponta que a proposta é inconstitucional. Entre outras razões, a inconstitucionalidade se dá porque os artigos 231 e 232 da Constituição Federal, que tratam dos direitos dos povos indígenas, garantem direitos individuais e coletivos e são, portanto, cláusulas pétreas.

“O conceito de produção para a população indígena não está ligado apenas ao lucro, ao financeiro. A produção indígena é água, é vida, é animais, é planta, é subsistência”

Durante a reunião, no curto tempo de fala que tiveram, os indígenas defenderam que a tramitação da PEC 187 seja interrompida, porque não querem alterações nos seus direitos constitucionais e porque já realizam atividades produtivas em seus territórios, algo que a Constituição já prevê.

“O conceito de produção para a população indígena não está ligado apenas ao lucro, ao financeiro. A produção indígena é água, é vida, é animais, é planta, é subsistência. Isso é produção, isso é economia também”, afirmou ao presidente da Casa o indígena Rogério Xukuru Kariri, de Palmeira dos Índios (AL).

“A questão é que o conceito de produção que a gente tem é diferente do conceito de produção do latifúndio. Nós temos uma concepção diferente”, prosseguiu o Xukuru Kariri. “Precisamos entender que os povos indígenas não são entraves ao progresso. Tudo que se tem numa sociedade não indígena, na indígena também tem. Eu acho que não é nada de mais ser respeitado isso”.

“Nós somos seres humanos também, nós somos gente. E nosso pedido é que não se instale a comissão especial, que perdemos ontem na PEC 187. Se não for instalado, seria um processo extraordinário não somente para os povos indígenas, para essa casa, que estaria mostrando o compromisso com o povo brasileiro”, defendeu o indígena, reforçando o pedido que já havia sido feito por meio de um documento protocolado logo após a votação na CCJC.

Em resposta, Maia fez uma sinalização favorável aos indígenas, mas não se comprometeu com a demanda apresentada pelas lideranças.

“Em relação à PEC que foi aprovada na CCJC, eu avisei na semana passada que não era o momento nem de se aprovar na CCJC. Não quero discutir o mérito, não li a PEC, mas independente do que está escrito na PEC, eu acho que a nossa responsabilidade nos coloca a obrigação de ter um pouco de paciência”, respondeu Maia.

Na semana passada, ele já havia mencionado que não criaria a Comissão Especial da PEC 187 se a proposta pudesse gerar “mais narrativas negativas sobre o Brasil”.

A análise em uma Comissão Especial seria a etapa seguinte de tramitação da PEC 187, depois da qual poderia ir a votação no plenário da Câmara. Após pressão dos indígenas, a votação na CCJC que aprovou a PEC 187 acabou por arquivar a PEC 343, que tramitava apensada à 187 e pretendia abrir as terras indígenas para o arrendamento a fazendeiros e para a exploração de seus “recursos hídricos e minerais”.

“Temos a preocupação de que não devemos pautar projetos que possam piorar ainda mais as polêmicas e os conflitos no Brasil”, disse Maia

Reunião sobre meio ambiente

Os indígenas participaram de uma reunião de Maia com ex-ministros e ministras do Meio Ambiente e organizações da sociedade civil voltada a discutir a situação da Amazônia e a atuação do Congresso em relação ao tema.

Em meio a críticas à postura e ao discurso do presidente Jair Bolsonaro, Maia afirmou que deve suspender a tramitação de propostas contrárias aos direitos dos povos indígenas e que ataquem a legislação ambiental.

“Temos a preocupação de que não devemos pautar projetos que possam piorar ainda mais as polêmicas e os conflitos no Brasil”, afirmou o presidente da Câmara, que afirmou que buscará um texto “menor, menos polêmico” para o licenciamento ambiental. A proposta que atualmente tramita, o Projeto de Lei 3729/2004, é relatada por Kim Kataguiri (DEM-SP) e considerada um grande retrocesso por diversas organizações e entidades que atuam na área ambiental.

O presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Nilto Tatto (PT-SP), defendeu que a criação de uma Comissão para debater a crise de queimadas e falta de fiscalização ambiental na Amazônia, proposta por Maia, não serve para nada se ataques à legislação ambiental e projetos anti-indígenas seguem avançando no Legislativo.

“Não adianta se criar um espaço para se debater o tema [da crise amazônica] no Congresso se a pauta contra os índios, pela entrada do agronegócio nas Terras Indígenas, a liberação das armas e da caça, a flexibilização da legislação ambiental continuar avançando no paralelo”, afirmou Tatto.

Ignorância e racismo

Organizações indígenas e indigenistas publicaram nesta semana documentos que repudiam os ataques de Jair Bolsonaro aos povos indígenas e a Constituição Federal. A afirmativa de Bolsonaro foi de que “demarcação de terras indígenas, áreas de proteção ambiental, quilombolas, parques nacionais, levam a um destino que nós já sabemos, insolvência do Brasil”, além de referir-se aos povos indígenas como “massa de manobra que inviabilizam o progresso”.

As cartas publicadas em repúdio sustentam uma postura de abominação às falas de Jair Bolsonaro durante reunião com governadores da Amazônia Legal. A reunião que ocorreu em Brasília (DF) foi convocada pelo governo para debater o combate às queimadas na região amazônica. Contudo, segundo as organizações, serviu de janela para preconceitos e racismo contra as populações tradicionais.

“O que inviabiliza o Brasil é a violência, a corrupção, o Estado paralelo promovido pelas milícias que dominam parte das grandes cidades do país e a falta de investimento em educação, saúde, cultura, esporte e infraestrutura”, rebateu em nota a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn).

Representante de 23 povos e 750 comunidades indígenas no Noroeste amazônico, a Foirn pontua que narrativa assumida pelo presidente da República desde sua candidatura apenas acirra conflitos e violências contra os povos indígenas. “O presidente Jair Bolsonaro vem propagando o ódio e tentando fazer uma campanha de difamação dos povos tradicionais, movendo a opinião pública contra nós”, escreve nota.

“Já vimos esse tipo de estratégia sendo usada em outros tristes momentos da história mundial, como na Alemanha nazista, que promoveu um dos maiores genocídios da História”

O documento divulgado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) classifica a postura de Bolsonaro como alicerçada em “ignorância e racismo”. “Sob o argumento de que somos tutelados pelo estrangeiro, segue pregando sua política genocida, etnocida, antiecológica e anti-indígena”, afirma Apib. Para a articulação de referência nacional do movimento indígena no Brasil, o presidente não apenas assume uma política de desmonte de órgão ambientais como Ibama e o ICMBio, mas também “incita criminosamente as invasões ilegais de nossas terras por parte de madeireiros, garimpeiros, grileiros”.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em nota, caracterizou o recorrente discurso de Bolsonaro como conscientemente falso, com declarações que “potencializam o preconceito, o racismo e o sentimento de ódio contra os povos indígenas, cidadãos brasileiros historicamente vilipendiados e violentados em nosso país”. O Cimi afirma que, com sua postura, Jair Bolsonaro “afronta e violenta não somente os povos indígenas, mas também a própria Constituição Brasileira”, que garante a eles o direito originário às suas terras tradicionais devidamente demarcadas e protegidas.

Retrocessos Orquestrados

Direitos constitucionais eram postos na berlinda na Câmara dos Deputados, a poucos quarteirões da reunião de Bolsonaro com governadores da Amazônia Legal. Estava em pauta na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) a PEC 187, que pretende alterar o artigo 231 para incluir uma autorização explícita a “atividades agropecuárias e florestais” em terras indígenas – algo que já é permitido pela Constituição. O que está em jogo, segundo a Apib, é um verdadeiro retrocesso que atende o lobby poderoso do agronegócio brasileiro ao “atropelar direitos, vidas e coloca em risco o futuro da humanidade”.

“Esses conjuntos de medidas maléficas, somadas ao desmantelamento de políticas nas mais diversas áreas, de saúde, educação, assistência, segurança e outras, nos jogam à revelia de nossa própria sorte, numa tentativa de nos expulsar mais uma vez de nossa terras e matar nossa cultura”, comenta Apib.

“Com esta PEC 187 estamos abrindo o Artigo 231 da Constituição Federal, que é justamente o artigo que vem presar pela sobrevivência física e cultural dos Povos Indígenas”, sustentou a deputada Joenia Wapichana (Rede RO) durante a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC). “O Artigo 231 é considerado direito fundamental, cláusula pétrea, e não deveria ser modificado para atender direitos estranhos, individualistas, e que visam exploração por terceiros. Abrir o artigo 231 é provocar um desmonte dos direitos constitucionais dos povos indígenas”.

Por 33 a 18 votos, a bancada ruralista aprovou na noite de ontem a admissibilidade da proposta PEC 187, de relatoria do deputado Vicentinho Júnior (PSB-TO). Indígenas do povo Xukuru Kariri (AL) que acompanhavam a votação, após seu término, protocolaram um documento solicitando a não instauração da Comissão Especial para analisar a proposta, próxima etapa de tramitação.


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