26/04/2024 - Edição 540

Poder

Tereza Cristina, Maia e bancada ruralista vão à Europa tentar evitar retaliações comerciais

Publicado em 23/08/2019 12:00 -

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A ministra da Agricultura, Tereza Cristina; o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ); e o presidente da bancada ruralista, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), vão fazer uma viagem à Europa no próximo mês para discutir a política ambiental e a produção agropecuária brasileira. A comitiva quer passar em pelo menos cinco parlamentos europeus para mostrar que o agronegócio não é o responsável pelo aumento das queimadas na Amazônia e, assim, evitar bloqueios comerciais aos produtos brasileiros.

A viagem foi acertada entre uma reunião entre Tereza Cristina, Maia e a bancada ruralista e vai começar na Inglaterra, mas também pretende passar pela Alemanha, França, Itália e Espanha – os países mais importantes para o agronegócio brasileiro na Europa, segundo o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária. "É onde temos que trabalhar a compreensão e a opinião pública em relação ao Brasil", explicou Moreira.

Ele disse ainda que a reunião na embaixada da Grã-Bretanha já está agendada. "Foi acertada antes desse episódio ambiental para discutirmos com o Reino Unido quais acordos comerciais eles vão querer manter com o Brasil depois da saída da comunidade europeia. Mas, diante de toda essa questão ambiental, resolvemos levar todas as fundamentações de natureza científica em relação à preservação ambiental e sustentabilidade", contou Moreira, dizendo que caberá ao presidente da Câmara marcar as reuniões nos parlamentos dos demais países europeus.

Rodrigo Maia deve contar com a ajuda do Itamaraty nessa missão e adiantou, na quinta-feira (22), que vai aproveitar a viagem para mostrar à Europa que o Congresso brasileiro está preocupado com a preservação da Amazônia e não tem o interesse de aprovar leis que flexibilizem a preservação ambiental. "Nós temos que lutar para mostrar uma imagem de absoluta responsabilidade e preservação", concordou Moreira.

Alceu Moreira, contudo, minimizou o problema da Amazônia. Ele disse que as queimadas sempre existiram na região e que as declarações da França têm mais relação com interesses de mercado do que com a preocupação ambiental.

O deputado prometeu, então, apresentar dados que comprovem esse cenário na Europa. "Já temos textos claros e traduzidos para deixar nas embaixadas e também vamos mostrar que não há legislação que facilita isso", disse Moreira, que concorda com a política do governo Bolsonaro para a região, mas admite que é preciso lutar contra o desmatamento na Amazônia e, assim, garantir a sustentabilidade do agronegócio no mercado internacional.

De bandeja        

Ao falar do rebú internacional que brotou a partir das cinzas das queimadas na Amazônia, o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército e assessor do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, postou uma sequência de tuítes em sua conta na rede social com críticas ao francês Emmanuel Macron, pelo que considerou uma afronta ¡a soberania brasileira sobre a região. Mas que bem que encaixavam no comportamento do presidente.

"A questão ultrapassa os limites do aceitável na dinâmica das relações internacionais. É hora do Brasil e dos brasileiros se posicionarem firmemente diante dessas ameaças, pois é o nosso futuro, como nação, que está em jogo. Vamos nos unir em torno daqueles que têm procurado trazer à luz a verdade sobre essas questões ambientais e indigenistas."

Considerando que o presidente tem afrouxado os instrumentos de fiscalização e controle, atacado cientistas que cuidam do monitoramento da floresta e propagado de forma irresponsável discursos permissivos levando a pecuaristas, madeireiros e garimpeiros a terem certeza da impunidade de uma Casa da Mãe Joana, há muita gente em todo o mundo que acredita que a maior ameaça hoje responde pelo nome de Jair Bolsonaro.

Qualquer tamanduá-bandeira em pânico por estar preso em uma clareira rodeada por chamas no interior do Pará sabe que Bolsonaro entregou de bandeja a desculpa necessária para o erguimento de barreiras comerciais tarifárias e não-tarifárias aos produtos brasileiros.

Soa, portanto, rasa a explicação dada por gente do governo brasileiro (de que há interesses econômicos e protecionismo por trás dos discurso de indignação ambiental), pois isso não é novidade alguma. O discurso serve, provavelmente, para não perder aliados dentro e fora do país – para quem sabe que a economia global não é uma grande comunidade de Ursinhos Carinhosos em que as pessoas se juntam pelo que é bom e belo, ter que ouvir o governo repetindo isso dói nos tímpanos.

Ao mesmo tempo, membros do governo estão apelando para justificativas infantis do tipo: o outro país desmatou mais, poluiu mais, matou baleias. Isso pode ser historicamente verdade, mas não importa agora, no meio do furação. Afinal, o tamanduá-bandeira supracitado sabe que ele é a bola da vez e o fogo está chegando perto. Independentemente de quem começou, é ele quem está na merda. Ele e parte da economia exportadora. O presidente, por outro lado, em seu universo paralelo particular, deve pensar: Grande Dia.

No dia 20 de junho disse Bolsonaro: "o que eles querem, o pessoal lá de fora, e alguns traidores aqui dentro, é fazer com que a Amazônia seja internacionalizada. Enquanto eu for presidente, pode ter certeza que não será". Ironicamente, enquanto denunciava uma suposta trama contra o país, convidava outros chefes de Estado para explorar a Amazônia, como o japonês e o norte-americano. Em abril, por exemplo, afirmou que ofereceu "abrir para Donald Trump explorar a região amazônica em parceria". Ou seja, ao mesmo tempo em que é tigrão com organizações da sociedade civil e movimentos sociais nacionais e estrangeiros e agências das ONU que atuam nas defesa dos direitos fundamentais no Brasil, é gatinho com governos e empresas estrangeiros.

Ao recuperar indiretamente o lema da ditadura do "integrar para não entregar", o governo não conta, por má fé ou ignorância, que a região já está integrada ao sistema global. Já foi internacionalizada. Desde o período militar, está conectada aos centros do capitalismo nacional e mundial através de cadeias produtivas que exploram recursos naturais, mão de obra e energia – o que não significou, necessariamente, melhora na qualidade de vida de populações tradicionais, camponeses e trabalhadores rurais.

Pelo contrário, tá aí a floresta sendo tombada, a vegetação ardendo em chamas, ar e cursos d'água contaminados, indígenas sendo removidos à força, cinturões de pobreza nas cidades. A Amazônia é o bioma recordista em libertações de pessoas escravizadas na produção agropecuária e extrativista.

A princípio, governos estrangeiros não precisam do esforço de controlar uma região do tamanho da Amazônia. Para que ter o trabalhão de tomar conta daquela bagunça fundiária se as riquezas já fluem para fora por caminhões, estrada de ferro, porões de navio ou linhões de transmissão de energia?

Como já disse aqui, Bolsonaro incorre em um comportamento comum de governantes que acreditam que o termo "internacionalização" vale apenas para a presença de governos e sociedade civil, nunca para multinacionais. Mas o que seria deste governo sem teorias da conspiração? Para começar, teria que cobrar a responsabilidade dos impactos causados por seus aliados ruralistas na região sem jogar a culpa apenas no no estrangeiro.

É claro que existem organizações não-governamentais picaretas. Até porque ONG é uma categoria que engloba toda pessoa jurídica que não é empresa ou governo – de igrejas, passando por times de futebol, museus até associações civis sem fins lucrativos. Mas, da mesma forma, existem empresas e governos desqualificados.

O que leva à pergunta: quando o próprio governo se omite diante do comportamento irresponsável de setores da iniciativa privada nacionais ou estrangeiras ou é ele mesmo perpetrador de crimes, cidadãos não podem contar com a ajuda externa de ninguém só porque existe uma teia global de interesses?

Para o governo, quem defende desenvolvimento sustentável e o direito das populações tradicionais frente ao crescimento econômico sem limites está mancomunado com o interesse protecionista dos estrangeiros e age de má fé. Ou é ingênuo e não percebe que está sendo usado pelo inimigo. Nada sobre uma terceira opção: pessoas podem discordar da forma como é alcançado o crescimento e que acreditam que o sucesso econômico sem garantir dignidade não nos serve e está fadado ao fracasso.

O Brasil vai alcançar seu ideal de nação não quando for o celeiro do planeta, mas no momento em que seus filhos e filhas tiverem a certeza de que não serão expulsos de suas comunidades para dar lugar a plantações e hidrelétricas. Que não serão escravizados em fazendas gerando lucros no altar da competitividade. Que não precisarão cruzar os dedos para que o clima não enlouqueça e um morro deslize sobre sua casa ou seu carro. Que não serão assassinados por serem da "etnia errada". Que não terão sua vida transformada em um inferno pela ação ou as palavras de seu próprio presidente.


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