20/04/2024 - Edição 540

Poder

Vinte e um fatos que comprovam o desmonte da política ambiental

Publicado em 23/08/2019 12:00 -

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Eleito com um discurso liberal, o presidente Jair Bolsonaro cumpre à risca o discurso de campanha em favor da agricultura, o que reflete na flexibilização das regras de preservação e proteção de áreas ambientais e indígenas. Após cortes no orçamento de áreas estratégicas, demissões e perseguições aos que pensam de forma diferente à linha ideológica de Bolsonaro, servidores e especialistas reclamam de desmonte realizado pelo Ministério do Meio Ambiente. O clima é de tensão e caça às bruxas.

Dois importantes órgãos de fiscalização, o Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) passam por reestruturação desde a chegada do ministro Ricardo Salles, que adotou um alinhamento a bandeiras e ideias do agronegócio.

O desmonte da política ambiental rendeu a Salles a pecha de antiministro entre técnicos, ambientalistas e até parlamentares. Levantamos 21 fatos que reforçam a desconstrução da área sob o governo Bolsonaro. Confira:

1. Soluções capitalistas na Amazônia

Em entrevista à BBC News, Salles criticou o modo como foram criadas as unidades de conservação e terras indígenas na Amazônia, estratégia que teve grande impacto na redução dos índices de desmatamento na região. Ele defendeu “soluções capitalistas” para preservação da Amazônia.

2. Acusação de sensacionalismo

Acuado com uma série de notícias negativas, Salles acusou suposto sensacionalismo de manchetes negativas. Questionado por senadores sobre o desmatamento no país e sobre a demissão do diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ele declarou que há uma "pauta política" como pano de fundo na causa ambiental.

3. Unidades de Conservação

Salles anunciou a revisão de todas as Unidades de Conservação do país, desde o Parque Nacional de Itatiaia (criado em 1934) até o Refúgio da Vida Silvestre da Ararinha Azul (criado em 2018). Segundo o ministro, as unidades foram feitas "sem critério técnico" e poderão ter os traçados revistos ou serem até extintas.

4. Lenha na fogueira

Após queda de braço sobre dados de desmatamento, Salles declarou que o ex-presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o físico Ricardo Galvão, perdeu o cargo por "colocar lenha na fogueira". O ministro disse que os dados do Inpe não são confiáveis, o que é contestado pela comunidade científica.

5. Ataque à Noruega

Salles tem criticado a Noruega, principal doador do Fundo Amazônia. Apontou suposta hipocrisia do país escandinavo, que doou R$ 3,2 bilhões para ações de defesa socioambiental na Amazônia, mas ameaçou se retirar do fundo devido a mudanças de governança propostas pelo Ministério do Meio Ambiente.

6. Cobrança irracional

Para uma plateia de centenas de representantes de concessionárias de veículos, Salles chamou a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental, um tributo do Ibama, de “cobrança irracional” criada por uma "burocracia que não se importa com quem trabalha no nosso país". Sinalizou que pode rever a cobrança.

7. Desmatamento x suspeita de desmatamento

Em julho, iniciou-se a disputa de versões em relação aos dados sobre desmatamento. Bolsonaro prometeu a revisão das informações e disparou: "Suspeita de desmatamento é uma coisa, desmatamento é outra". Ele defendeu que, após o Inpe dizer que há "suspeita" de desmatamento, alguém do Ibama deveria "comprovar".

8. Ministro fujão

Em junho, Salles foi vaiado no Senado durante discurso em sessão especial para celebrar o Dia Mundial do Meio Ambiente. Saiu às pressas do plenário aos gritos de fujão. As galerias estavam tomadas por ativistas ambientais, povos indígenas, representantes da sociedade civil, entre outros grupos.

9. Corte no orçamento do Ibama

Em abril, Salles determinou o corte de 24% do orçamento anual previsto para o Ibama. Com o corte, o Ibama teve seu orçamento reduzido de R$ 368,3 milhões, conforme constava na Lei Orçamentária (LOA), para R$ 279,4 milhões. Só as despesas fixas do órgão são estimadas em R$ 285 milhões.

10. Atendimento à bancada ruralista

Em abril, Salles prometeu instaurar procedimento administrativo contra funcionários do ICMBio que não compareceram a uma reunião no Parque Nacional Lagoa do Peixe, no Rio Grande do Sul. O evento era de interesse da bancada ruralista. Após o episódio, o presidente do ICMBio, Adalberto Eberhard, pediu demissão.

11. Militarização da área ambiental

Em seguida, a área ambiental passou por um processo de militarização, com a substituição de diretores e dirigentes dos órgãos ambientais, cujos postos-chave ficaram sob a tutela de oficiais das Forças Armadas e da Polícia Militar. Salles nomeou cinco policiais militares de São Paulo para presidente e diretoria do ICMBio.

12. Freio na fiscalização

O número de multas aplicadas pelo Ibama por desmatamento ilegal teve queda de 34% entre janeiro e maio. Além disso, Salles recriminou publicamente fiscais que destruíram equipamentos usados por criminosos para retirar madeira ilegal de uma Unidade de Conservação no Pará, apesar de decreto federal autorizar o procedimento.

13. 'Cancún brasileira'

Bolsonaro anunciou que transformará a Estação Ecológica de Tamoios, na Baía de Ilha Grande, numa "Cancún brasileira". O refúgio é um local de alimentação e berçário para diversas espécies marinhas, garantindo o sustento de comunidades pesqueiras que se beneficiam da reprodução protegida de camarões, sardinhas, chernes, robalos etc.

14. Política Climática

Salles considera o aquecimento global como "acadêmico" e "não prioritário". Ele chegou a anunciar o cancelamento da Semana do Clima da América Latina e Caribe (Climate Week), que ocorre nesta semana em Salvador. Alegou que seria apenas uma "oportunidade" para se "fazer turismo em Salvador" e "comer acarajé". Pressionado pelo prefeito de Salvador, ACM Neto, o ministro recuou. Além disso, o governo desistiu de sediar a COP-25, maior encontro climático do mundo.

15. Anistia a multas ambientais

Em abril, o governo criou órgão regulatório com o poder de perdoar ou revisar multas ambientais, medida que visa combater o que Bolsonaro chama de "indústria das multas" que ameaça a subsistência de agricultores e pecuaristas. Para ambientalistas, ato prejudica o cumprimento de leis contra o desmatamento em biomas sensíveis.

16. Punido servidor que multou Bolsonaro

Em março, o Ibama exonerou o servidor que havia multado Jair Bolsonaro, em 2012, por pesca irregular em uma área de proteção ambiental no Rio de Janeiro. José Olímpio Augusto Morelli atuava em cargo de comissão na Diretoria de Proteção Ambiental (Dipro).

17. Lista de peixes ameaçados

Para atender ao setor pesqueiro, o Ministério do Meio Ambiente anunciou a revisão da lista de espécies aquáticas ameaçadas após um pedido do Ministério da Agricultura pelo fim da lista, elaborada com critérios internacionais para determinar se uma espécie corre ou não risco, o que também gerou reação negativa no ICMBio.

18. Exploração de petróleo em Abrolhos

O presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, ignorou recomendações técnicas e autorizou o leilão de sete blocos de petróleo localizados em regiões de alta sensibilidade, como em Abrolhos. O Parque Nacional de Abrolhos foi criado para proteger a região cuja atividade pesqueira movimenta US$ 100 milhões por ano.

19. Serviço Florestal

No início do governo, cogitou-se a extinção do Ministério do Meio Ambiente, proposta abandonada após duras críticas. Mas o desmonte do órgão não tardaria. O Serviço Florestal Brasileiro saiu do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Agricultura, enquanto a Agência Nacional de Águas (ANA) foi para o Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR). O Meio Ambiente perdeu força, poder e prestígio.

20. TCU investiga ministro

O Tribunal de Contas da União abriu, em maio, um processo para investigar a política ambiental do governo, em atendimento a um pedido do subprocurador-geral do Ministério Público no TCU, Lucas Furtado. Ele pretende investigar se a política ambiental do país está comprometendo a fiscalização e a prevenção do desmatamento ilegal.

21. Redução de tarifas em Noronha

Em julho, Salles foi ao Arquipélago de Fernando de Noronha para vistoriar os serviços prestados pela concessionária EcoNoronha, empresa que administra as visitas ao parque marinho. A visita se deu após o presidente Jair Bolsonaro criticar em suas redes sociais o valor das taxas cobradas em Noronha, que classificou de "roubo".

Desmonte

Para o presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Carlos Bocuhy, o governo de Jair Bolsonaro tenta criar uma “cortina de fumaça diante de sua inação” para combater o desmatamento na Amazônia. Por conta da repercussão negativa internacional sobre o aumento de focos de incêndios na região, Bolsonaro tem levantado suspeitas sobre o trabalho de Organizações Não-Governamentais (ONGs) na região, chegando a insinuar que elas poderiam estar por trás das queimadas.

Apesar de, nos últimos meses, órgãos de monitoramento ambiental apontarem um aumento de desmatamento na Amazônia, como o mais recente boletim do Instituto de Pesquisa Nacional Independente (Imazon), que confirmou a tendência de crescimento da devastação no local, o estopim de toda a crise ambiental ganhou mais destaque na mídia tradicional com a massa de poluição que avançou por pontos de São Paulo, escurecendo o dia. O episódio também serviu para tornar mais evidente o aumento no número de queimadas, que, de acordo com Bocuhy, ocorre em decorrência da falta de fiscalização e do desmantelamento das políticas ambientais promovidas por Bolsonaro.

“Estamos diante de um Estado de exceção ambiental”, descreve.

Bolsonaro faz um desserviço

A narrativa de apoiadores do governo e do próprio presidente para justificar a alegada participação de ONGs na promoção de incêndios é que essas organizações estariam “se vingando” por perderem recursos provenientes do exterior por meio do Fundo Amazônia, que apoia mais de 100 projetos em prol da preservação ambiental.

Desde que o Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, assumiram seus postos de governo, todas as políticas ambientais ficaram em xeque. Mesmo o fundo de recursos foi alvo de mudanças, o que desagradou seus principais doadores, Noruega e Alemanha que, nas últimas semanas, optaram por suspender os repasses diante do aumento do desmatamento no governo Bolsonaro. Na comparação com julho de 2018, neste ano, houve um aumento de 278% na taxa de devastação, segundo levantamento do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe).

“Dizer que o Fundo Amazônia era para as ONGs é uma balela. Na verdade, o Fundo atendia não só os poderes públicos estaduais e municipais, como também as próprias comunidades que vivem na Amazônia e que tinham o incentivo ao extrativismo sustentável, que é um saída econômica para aquela região”, afirma.

Sem os recursos internacionais do Fundo Amazônia, projetos dos corpos de bombeiros florestais do Pará, Tocantins, Mato Grosso, Acre, Rondônia, ou mesmo a fiscalização do Ibama são prejudicados.

E o ministro Salles?

No último dia 20, ONGs de todo o país voltadas à proteção ambiental protocolaram representação junto à Procuradoria Geral da União e Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. O objetivo é que essas instâncias investiguem atos de improbidade administrativa.

O senador Fabiano Contarato (Rede-ES), presidente da Comissão de Meio Ambiente, entrou na quarta-feira no Supremo Tribunal Federal (STF) com pedido de afastamento de Salles. De acordo com o senador, o ministro, dentro das prerrogativas do impeachment, teria cometido crime de responsabilidade em suas decisões, além de ter perseguido agentes públicos, práticas incompatíveis com seu cargo.

Para Bocuhy, é cada vez mais evidente que o ministro é omisso e suas ações acabam por promover o desmatamento. “Mais do que justo que ele seja impedido do exercício dessa função, além da administração pública, porque as consequências da inação do governo, e dessa ação de desmantelamento, são hoje visíveis, principalmente na questão da Amazônia, e o governo tenta fugir da sua responsabilidade o tempo todo”, afirma.

Ibama publica edital para empresas privadas monitorarem desmatamento  

O presidente do Proam também criticou o edital, divulgado na quinta, dia 22, para contratar uma empresa privada voltada ao monitoramento da Amazônia, a despeito dos sistemas brasileiros usados ao longo de décadas. Bocuhy analisa que isso será “um desperdício de dinheiro público” apenas para contradizer os dados que jogam contra Bolsonaro ao explicitar as consequências de suas políticas.

“Você tem a perda do Fundo Amazônia, de milhões e milhões de reais, jogando dinheiro público fora, é um absurdo que o governo faça isso. E, agora, ele quer gastar mais de forma desnecessária. Ou seja, para tumultuar a situação, para dizer que está fazendo uma nova política inovadora, o governo descarta tudo o que já tinha e funcionava bem.”

A pressão internacional

Todo o panorama demonstra, de acordo com Bocuhy, que o diálogo com o governo está inviabilizado na área ambiental. “Isso me assusta porque, pior que fossem os governos anteriores, era possível dialogar, e agora só nos resta o Judiciário e a pressão internacional”, analisa. “A má imagem do Brasil traz uma perda econômica relativa às commodities, dos produtos certificados e desregula o mercado internamente já que se tem a perda de divisas no exterior. Acredito que o governo está cavando o seu próprio buraco”, finaliza.


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