19/03/2024 - Edição 540

Artigo da Semana

“Meus filhos querem ser políticos? E agora?”

Publicado em 20/08/2019 12:00 -

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"Papai, já sei. Quero ser político quando crescer!" Como você reagiria se seu filho ou filha lhe dissesse essa frase?

A não ser que faça parte de uma minoria cada vez mais residual, provavelmente o choque e o bom senso de não usar palavrões com crianças lhe impediria de falar o que realmente pensa.

Esse cenário, tão óbvio para a grande maioria das pessoas, é muito prejudicial para um país. Quando boas cabeças desistem de ver a política como uma função nobre, saibamos que os espaços serão ocupados por outros, talvez com piores intenções. Não há vácuo na política, a cada eleição os cargos em disputa são todos preenchidos ao final.

Entender as razões que levam a esse descrédito da atividade política é essencial para pensar soluções. Duas causas parecem ser fundamentais para esse fenômeno: as travas que tornam os partidos políticos entes fechados, que mais assustam do que atraem as pessoas; e o temor de que, assumindo um cargo público, um gestor, mesmo que bem-intencionado, veja-se às voltas com infindáveis processos judiciais.

O primeiro problema passa por uma reforma da legislação que abra os partidos à sociedade, torne-os entidades transparentes e democráticas, combata o machismo de suas estruturas e permita a alternância e pluralidade dos órgãos de direção.

Quanto à segunda questão, é preciso antes explicar do que se trata, uma vez que muitos não tem exata noção do que aguarda uma pessoa que se disponha a participar da gestão pública.

Temos um péssimo hábito no Brasil, a que chamamos legislação do pânico ou reativa. A cada escândalo ou crime violento que chega à imprensa, o Congresso Nacional é pressionado a dar respostas imediatas. O que fazer? Novas leis. Novos tipos de processos. Mais penas, mais controle.

A solução parece óbvia e barata. Não envolve repensar as políticas públicas de enfrentamento da criminalidade ou da corrupção, basta lançar um pacote de medidas legislativas para aplacar a opinião pública e aguardar o próximo escândalo.

O jornalista norte-americano Henry Louis Mencken cunhou uma frase que se encaixa à perfeição para estes casos: para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada.

Pode parecer contra intuitivo, mas mais leis ou penas mais altas quase nunca trazem os resultados esperados. Ao contrário, para aumentar as possibilidades de controle, acaba-se punindo quem não merece, enquanto aqueles que armam complexos esquemas de desvios seguem tranquilos.

É o que ocorre atualmente com a nossa Lei da Improbidade Administrativa, apelido da Lei nº 8.429 de 1992.

Corrupção se enfrenta com inteligência, não porrada

Na busca por soluções mais ágeis para o enfrentamento da corrupção, nossa Constituição previu essa nova figura jurídica da "improbidade administrativa", que veio a tornar-se lei quatro anos depois, em 1992. Trata-se de uma forma não criminal de atuação do Ministério Público, que busca com este tipo de ação aplicar duras multas, suspender direitos políticos, proibir os condenados de participar de contratos públicos e apeá-los de cargos e mandatos políticos.

Cabe esclarecer: diante de um desvio de dinheiro público, por exemplo, os acusados seguem respondendo criminalmente, o que pode levá-los à cadeia. Mas as ações criminais costumam ser demoradas e o nível de provas que se requer para uma condenação é grande. Daí a possibilidade de, simultaneamente, ser proposta a ação de improbidade administrativa.

Não se pode, contudo, condenar alguém que não tenha agido com dolo ou, em certos casos, ao menos culpa. Trata-se de um princípio fundamental de qualquer sociedade civilizada. Isso significa que é preciso à acusação demonstrar que a pessoa acusada tinha intenção de praticar aquele ato de corrupção ou, ao menos, agiu com inaceitável descuido com o dinheiro público.

Aqui está o problema que justifica essa reflexão. No afã de mostrar-se duro com a corrupção, o Poder Judiciário muitas vezes tem substituído essa exigência por uma presunção. Afirma-se que o acusado, por ocupar tal cargo – prefeito, vereador, Secretário Municipal etc. – deveria saber tudo o que se passa na administração ou que tal prática não é aceita. Com isso, condena-se a duras penas, inclusive bloqueando-se todos os bens dessas pessoas por anos, aqueles quem nem mesmo se sabe que nível de conhecimento tinham sobre os fatos.

Ocorre que nossa Constituição e a legislação eleitoral não exigem que candidatos e candidatas tenham formação específica. Nem deveria mesmo, importa destacar. Seria elitista e irreal imaginar que nas pequenas cidades, que formam a maioria das nossas aglomerações urbanas, seria possível encontrar advogados, administradoras públicas, engenheiros, em número suficiente para preencher os cargos em disputa.

Tem-se então um paradoxo. Alguém bem-intencionado disputa a eleição, torna-se prefeito. Posteriormente, é acusado de não ter vigiado corretamente um fiscal que cobrava propina de lojistas, por exemplo. Mesmo sem provas de que soubesse do que se passava, o juiz considera que deveria sabê-lo e, assim, o condena. Com as regras da Lei da Ficha Limpa, praticamente fica banido da atividade política.

Para defender-se deste processo, é preciso que contrate um advogado ou advogada, arcando com seus próprios recursos, uma vez que a Prefeitura não pode fazer essa defesa pessoal. Mesmo que milagrosamente vença ao final a causa, terá gasto dinheiro e visto sua reputação jogada na lama, já que basta a manchete de que alguém responde por improbidade administrativa, para que seja considerado culpado pela opinião pública. É um beco sem saída.

O resultado prático é que poucas pessoas se dispõem a enfrentar esse calvário, se não estiverem em busca de ganhos ilícitos com a atividade política.

Para tentar contornar esse problema é preciso que a Lei da Improbidade Administrativa seja aplicada de modo previsível. Que qualquer gestor público saiba, de antemão, o que pode ou não ser feito. Com base em quais parâmetros será julgado. Como deverá ser feita a prova de que sabia de algum desvio.

Longe de pretender passar a mão na cabeça de quem pratica atos de corrupção, o intuito é dar segurança jurídica aos que pensam em se dedicar à gestão da coisa pública. Corrupção se enfrenta com inteligência e racionalidade, não com força bruta e discurso fácil. Se queremos renovar a política, é urgente torná-la atrativa às melhores mentes. Parafraseando Platão, não há nada de errado com aqueles que não querem ir para a política, mas saibam que serão governados pelos que foram.

Fernando Neisser – Doutor em Direito Penal pela USP e autor do livro "Dolo e Culpa na Corrupção Política", da Editora Fórum, oriundo de sua pesquisa de doutorado, lançado nesta segunda (12). Também é advogado especialista em direito eleitoral e um dos fundadores da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep)


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