19/04/2024 - Edição 540

Poder

Estilo de Moro sofre desgaste no Planalto e no Congresso

Publicado em 09/08/2019 12:00 -

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Em meio a sucessivas mudanças que a Câmara começa a fazer no pacote anticrime , o ministro da Justiça, Sergio Moro , enfrenta também desgaste crescente no Palácio do Planalto. Em público, nenhum integrante do governo Jair Bolsonaro ousa criticá-lo, mas, nos bastidores, o entorno do presidente já demonstra incômodo com o ex-juiz, alçado à popularidade por sua atuação ao julgar processos da Operação Lava-Jato .

A principal crítica, segundo integrantes do Planalto, é que Moro tem agido de modo isolado, como se ainda estivesse no comando da 13ª Vara Federal, em Curitiba, sem necessidade de dar satisfações a ninguém. Bolsonaro expressou essa avaliação em discurso na manhã de quinta-feira, ao declarar compreender a “angústia” de Moro pelo fato de o ministro vir de uma função em que ele “decidia com uma caneta na mão”, “de forma unilateral”.

Convidado à noite a participar de uma transmissão ao vivo ao lado do chefe, o ministro, ao ouvir várias vezes menção ao “projeto do Moro”, disse que o pacote anticrime “não é do Moro, mas do governo Bolsonaro”.

Embora o presidente tenha prometido autonomia no comando da pasta, esperava-se que o ministro submetesse seus projetos e posicionamentos antes de torná-los públicos. Na definição de um integrante do governo, Moro se relaciona com o presidente como se tratasse com uma instância superior no Judiciário, que pode rever suas decisões, mas não precisa ser consultado previamente.

Apoio popular

Bolsonaro defendeu na quinta-feira dar uma “segurada” na tramitação do pacote anticrime para não tumultuar a relação com o Congresso e colocar em risco reformas econômicas. Ele pediu paciência ao subordinado.

— Moro está vindo de um meio onde ele decidia com uma caneta na mão. Agora, não temos como decidir de forma unilateral. Ele não julga mais ninguém. Entendo a angústia dele (Moro) em querer que o projeto dele vá para a frente, mas nós temos que diminuir o desemprego, fazer o Brasil andar. Sabemos que uma pressão em cima da reforma dele agora atrapalha um pouco a tramitação dessa reforma mãe nossa. Eu tenho falado com ele, (pedindo) um pouco mais de paciência — disse o presidente.

Entre auxiliares do campo jurídico da Presidência, a avaliação é que Moro tem servido mais como um “boa estratégia de propaganda e marketing”, em função de sua popularidade, do que como um aliado. Além de reclamações de que Moro não defende vigorosamente pautas de Bolsonaro, como os decretos das armas, outro indício do distanciamento é o fato de já se cogitar que ele não seja o escolhido de Bolsonaro para a primeira vaga a ser aberta no Supremo Tribunal Federal, em 2020.

Do ponto de vista estratégico, entretanto, auxiliares do presidente admitem que não é conveniente criar uma tensão pública com Moro. O vazamento de diálogos com procuradores da Lava-Jato não trouxe danos relevantes à sua popularidade, e ele ganhou apoio em manifestações nas ruas. O ministro também tem sido mais atuante nas redes sociais, principalmente o Twitter, veículo preferencial do presidente.

Em outro movimento de aproximação com Bolsonaro, Moro pediu à Procuradoria-Geral da República (PGR) que investigue o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, por suposto crime de calúnia. O crime teria sido cometido quando Santa Cruz disse que Moro “banca o chefe de quadrilha” nas investigações sobre o hacker suspeito de invadir aplicativos de celulares do ministro e de outras autoridades. Na semana passada, Bolsonaro fez seguidos ataques a Santa Cruz, inclusive dizendo saber como teria morrido o pai dele, que desapareceu na ditadura militar e teve um atestado de óbito expedido pela Comissão de Mortos e Desaparecidos como vítima do regime.

Na transmissão ao vivo à noite, Bolsonaro abriu espaço para que Moro defendesse o pacote anticrime. E completou dizendo esperar que o Congresso “se debruce sobre isso e bote em votação”. Além de apresentar o pacote como “do governo Bolsonaro”, o ministro argumentou a favor de pontos que têm sido questionados por parlamentares, como o excludente de ilicitude para policiais.

Um Moro diferente

Há na praça um Sergio Moro diferente. É um personagem menor do que aquele juiz respeitado que migrou da 13ª Vara Federal de Curitiba para o Ministério da Justiça. A diminuição de Moro não se deve apenas à divulgação das mensagens que ele trocou com o chefe da Lava Jato, Deltan Dallagnol, no escurinho do Telegram. Nos últimos dias, o que mais contribui para o encolhimento do personagem é o comportamento de Jair Bolsonaro.

No início do governo, o presidente endossou a prioridade de Sergio Moro —um pacote anticrime e anticorrupção— e editou medida provisória entregando a ele a engrenagem do Coaf. Hoje, Bolsonaro avisa que o pacote de Moro não é mais prioritário. E passou a chamar de "perseguição política" a investigação em que o Ministério Público do Rio de Janeiro maneja dados do Coaf para apurar o que o primogênito Flávio Bolsonaro fez no verão passado.

O Congresso devolveu para Paulo Guedes, ministro da Economia, a engrenagem do Coaf. Dizia-se que Guedes manteria intacta a equipe de Moro. Quem acreditou fez papel de bobo. Bolsonaro encomendou a cabeça de Roberto Leonel, um auditor fiscal que Moro colocou no comando do Coaf. Leonel ousou criticar decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo, que aproveitou um recurso de Flávio Bolsonaro para suspender investigações fornidas com dados do Coaf.

Digamos que há alguns meses Sergio Moro tivesse uma biografia impecável, estabilidade no emprego, um pacote anticrime, uma promessa de poltrona no Supremo Tribunal Federal e uma mulher chamada Rosângela. Hoje, o ministro precisa levar flores diariamente para Rosângela. Ela pode ser a única coisa que lhe resta. Quanto a Bolsonaro, embora o capitão ainda não tenha notado, seu comportamento deixa seu discurso sem nexo.

Os reveses de Sergio Moro

Desidratação do pacote

Desde que foi enviado por Moro à Câmara dos Deputados, o pacote anticrime vem sendo desidratado pelos deputados. Já de início, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, determinou que o projeto tramitasse junto de uma proposta do ministro Alexandre de Moraes, do STF. O grupo de trabalho sobre o tema já fez mudanças na proposta do ministro.

Coaf

Moro gostaria que o Conselho ficasse no Ministério da Justiça, mas foi derrotado na Câmara. Agora, o presidente do órgão, Roberto Leonel, indicado por Moro para o cargo, pode ser demitido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Vazamentos

A divulgação de conversas hackeadas do Telegram de procuradores da Lava-Jato desgastou Moro, que enfrenta acusações de ter ajudado o MP em processos e é objeto de um julgamento no STF sobre suposta parcialidade quando era juiz.

Caso Ilona Szabó

Moro indicou a cientista política como suplente para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. A militância bolsonarista nas redes sociais reagiu fortemente, e o ministro foi obrigado a recuar e desfazer o convite.


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